Coalizão de ONGs lança campanha em São Paulo para cobrar uma lei que regulamente a restauração do que foi devastado fora da lei
As campanhas para conservar as florestas estão, de certa forma, ultrapassadas. De certa forma. O lance agora é não só conservar, mas também recuperar o que foi desmatado ilegalmente. A conta da devastação chegou ao Brasil. Ecologicamente falando, já estamos pagando o preço pela destruição das bases naturais de nosso conforto. O desmatamento da Mata Atlântica brasileira é responsável por vários problemas, como o agravamento das mudanças climáticas, a perda da biodiversidade e a falta de água. O tamanho da devastação irregular começa a ser revelado com os primeiros resultados do Cadastro Ambiental Rural (o CAR). Ele mapeia as propriedades rurais e as áreas de proteção permanente e reservas legais. Agora, com o CAR, é possível orientar os produtores rurais que desmataram onde não devia a fazer as recuperações ou compensações adequadas, o chamado Programa de Regularização Ambiental (PRA).
Para isso funcionar direitinho, uma coalização de organizações ambientais está pressionando os estados para criarem uma boa lei que regulamente o PRA. Esse é o objetivo da campanha Mais Florestas PRA São Paulo. Um objetivo imediato da campanha é evitar que a lei do PRA paulista permita uma anistia para a recuperação das reservas legais. Existe uma discussão em curso se o Cerrado do Estado será considerado vegetação nativa. Se não for, os proprietários que desmataram o Cerrado não terão obrigação de recuperar. É o que explica Luis Fernando Guedes Pinto, gerente da Imaflora, uma das organizações que promovem a campanha.
ÉPOCA – Para que começar a olhar para o Programa de Regularização Ambiental (PRA) se o Cadastro Ambiental Rural (CAR) não acabou ainda?
Luis Fernando Guedes Pinto – Os produtores rurais que já preencheram o CAR já podem começar a se regularizar. Isso reduz as incertezas. Assim que o órgão estadual valida o CAR e o governo regulamenta a lei do PRA, o produtor já pode começar a recuperar ou compensar o que deve. Nossa demanda é que a lei de regulamentação do PRA seja eficaz. Que permita começar o processo. E que não permita flexibilização excessiva do Código Florestal. Não podemos permitir, por exemplo, a compensação com florestas de outro estado.
ÉPOCA – Qual é a vantagem para o produtor que começa logo o PRA?
Luis Fernando – O produtor tem a vantagem de estar mais seguro. Sabe que está quite com a lei. É claro que, enquanto a regulamentação não sai, tem gente que se aproveita da indefinição legal para empurrar com a barriga. Mas a Sociedade Rural Brasileira está pressionando para que a regulamentação seja definida logo. Senão ficam todos trabalhando no limbo jurídico. Além disso, há produtores com floresta excedente. Eles ganhariam se pudessem vender num mercado de serviços florestais com regras claras.
ÉPOCA – Quem desmatou além do permitido no Cerrado pode compensar recuperando em outro bioma?
Luis Fernando – Essa é uma discussão em aberto. É uma das maiores disputas do PRA. A primeira versão da regulamentação do PRA em São Paulo fala apenas de florestas, e não em vegetação nativa. Mas não está claro se o entendimento será de que o Cerrado é uma floresta. É preciso definir se o Cerrado entra na definição de floresta. Ou se a regulamentação inclui vegetação nativa de outros tipos, e o Cerrado entra nessa categoria. Parte desse debate depende de como será interpretada a lei de 1965.
ÉPOCA – Quais são as metas da campanha?
Luis Fernando – É difícil ter números e metas agora. A ciência está ainda evoluindo. Qual é o tamanho da malha original de rios do estado de São Paulo para avaliarmos a recuperação das áreas de preservação permanente? Não temos a resposta para essa pergunta. Segundo pesquisas científicas, a Mata Atlântica precisa de pelo menos 30% de cobertura original em cada bacia para manter as funções ecológicas e preservar a biodiversidade. Em alguns lugares, sobraram menos de 5%. Já o mínimo de floresta nativa necessária para manter a produção de água não sabemos qual é. A política discute a regulamentação e os pesquisadores correm atrás.
Fonte: Época