10% das barragens de rejeitos de mineração já tiveram problemas


Área em que barragem de rejeitos da Vale se rompeu em Brumadinho (MG) (Reuters)

Uma investigação global sobre como mineradoras armazenam bilhões de toneladas de rejeitos em enormes barragens, iniciada após o colapso de uma delas matar centenas de pessoas no Brasil, mostrou que cerca de um décimo dessas estruturas já apresentou problemas de estabilidade, disseram investidores.

A pesquisa foi liderada pela Igreja da Inglaterra (CoE, na sigla em inglês) e por gestores de fundos após o rompimento de uma barragem da Vale em janeiro liberar uma avalanche de rejeitos em Brumadinho (MG), matando mais de 250 pessoas.

A análise dos investidores, que chegou à conclusão de que ao menos 166 barragens tiveram problemas de estabilidade no passado, dependeu de divulgações das próprias empresas sobre suas barragens de rejeitos.

No entanto, menos da metade das 726 empresas contatadas responderam, sendo que boa parte das companhias que não forneceram informações são chinesas e indianas, o que deixou uma lacuna significativa nos esforços para que fosse criado um panorama global de riscos de segurança dessas barragens e que um novo desastre fosse prevenido.

“As barragens de rejeitos estão entre as maiores estruturas de engenharia do mundo, e já vimos as consequências catastróficas de um colapso no início deste ano no Brasil”, disse Adam Matthews, diretor de ética do CoE Pensions Board, investidor global com mais de 3 bilhões de dólares em ativos.

“Observamos que muitas empresas já operam com um padrão elevado, conforme evidenciado por algumas das informações divulgadas, mas isso não é algo universal no setor, e as barragens podem continuar apresentando falhas e colocando vidas e o meio ambiente em risco.”

As barragens de rejeitos são o método mais comum de descarte de resíduos por mineradores, estejam elas extraindo minério de ferro, ouro ou cobre. Algumas possuem dezenas de metros de altura e se estendem por diversos quilômetros.

Reuters

Prorrogado estado de alerta para barragens em Minas, Rio, Goiás e Espírito Santo


(Divulgação / Vale)

A Agência Nacional de Mineração (ANM) estendeu até o dia 31 de janeiro o estado de alerta para as empresas que têm barragens de mineração nos estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro, Goiás e Espírito Santo, emitido na última quinta-feira (23), com data de encerramento no sábado (25). A medida foi tomada após a agência receber dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) com a previsão de tempo. Novas previsões do instituto indicam que ainda haverá fortes chuvas nesses estados nos próximos dias.

“A maior intensidade de precipitação deve ocorrer na região centro norte de Goiás, regiões litorâneas do Espírito Santo, região centro-sul de Minas Gerais e região serrana do Rio de Janeiro. Os fiscais da ANM pedem que as equipes de segurança de barragens se mantenham em alerta com monitoramento diário das condições das estruturas – em especial do estado de conservação – além de manter atenção especial às tomadas d’agua dos vertedouros, para garantir a capacidade vertente de acordo com o projeto”, informou a agência.

Em caso de detecção de qualquer anormalidade, a agência determina que as empresas acionem o Plano de Ação de Emergência para Barragens de Mineração (PAEBM). Além disso, também devem informar, imediatamente, o Sistema Integrado de Gestão de Segurança de Barragens (SIGBM).

Monitoramento

Na última sexta-feira (24), a agência lançou uma versão pública do SIGBM, antes acessível apenas para as empresas e os fiscais da ANM. A ferramenta permite o acompanhamento em tempo real de como está a situação das 816 barragens de mineração no país. Entre as informações disponíveis, estão a categoria de risco, altura, volume e método construtivo da barragem, dano potencial, entre outros.

Para realizar a consulta é necessário inserir algumas informações sobre a barragem, como nome e CNPJ da empresa, estado e município em que se localiza, tipo de rejeito armazenado, estado de conservação, se ela está inserida no Plano Nacional de Segurança de Barragem (PNSB) ou se tem Plano de Ação Emergencial (PAE). É possível também fazer comparações entre barragens por regiões, estados ou municípios, gerar gráficos, tabelas e estatísticas e até ver uma imagem da barragem.

EBC

Vale elimina a primeira de suas nove barragens a montante remanescentes em MG


A empresa pontuou que as demais barragens a montante também já estão passando por obras preliminares (Divulgação / Vale)

RIO DE JANEIRO – A mineradora Vale informou nesta quarta-feira ter concluído as obras para a eliminação da primeira de suas nove barragens com método construtivo a montante que serão descaracterizadas, conforme anunciado em janeiro, após o rompimento fatal de uma de suas estruturas em Brumadinho (MG).

A companhia está investindo R$ 8,6 bilhões nas obras de descaracterização, o que inclui aportes na construção de barreiras de contenção a jusante para reforçar a segurança.

Enquanto realiza os trabalhos de descaracterização, a maior produtora global de minério de ferro mantém paralisada capacidade de cerca de 55 milhões de toneladas, adiando a meta de aproximadamente 400 milhões de toneladas/ano, antes esperada para 2019.

A empresa espera retomar em 2020 cerca de 30 milhões de toneladas de operações suspensas por Brumadinho e mais 25 milhões em 2021, segundo informou a Vale no seu último relatório de produção.

A primeira barragem descaracterizada foi a chamada 8B, na Mina de Águas Claras, em Nova Lima, cujas obras foram iniciadas em 17 de maio, disse a Vale nesta quarta-feira.

O objetivo, segundo a companhia, é que nos próximos três anos todas as barragens estejam descaracterizadas ou com o fator de segurança adequado, sem oferecer risco às comunidades e municípios localizados abaixo das estruturas e ao meio ambiente, pontuou a mineradora.

O plano para a eliminação dessas estruturas foi colocado em prática após uma barragem da companhia em Brumadinho, com o mesmo método construtivo, ter entrado em colapso em 25 de janeiro, liberando uma onda de rejeitos de minério de ferro que atingiu instalações da companhia, rios, mata e comunidades.

O desastre deixou mais de 255 pessoas mortas, grande parte de funcionários da própria empresa.

“A área onde ficava a barragem também está sendo revegetada, o que permitirá uma reintegração mais rápida ao meio ambiente”, afirmou a Vale, em um comunicado à imprensa.

“Foi aplicada uma manta vegetal em uma área de 12.700 m2 e plantadas mil mudas de espécies nativas da Mata do Jambreiro, reserva de proteção permanente preservada pela Vale onde estava localizada a 8B.”

A empresa pontuou que as demais barragens a montante também já estão passando por obras preliminares com o objetivo de rebaixar o nível de água das estruturas, antes do início da descaracterização propriamente.

Marta Nogueira / Reuters

Laudo da Polícia Federal aponta que Brumadinho não poderia ter recebido aval


O laudo diz que estudos anteriores da companhia e da consultoria já apontavam para o risco de morte de 214 pessoas em caso de rompimento (Ibama)

Um laudo da Polícia Federal elaborado por peritos criminais apontou que a empresa TÜV SÜD não poderia ter emitido, em setembro de 2018, a Declaração de Condição de Estabilidade para a Barragem I da Mina Córrego do Feijão, da Vale em Brumadinho. As normas técnicas, as boas práticas de engenharia e os critérios internacionais tornavam inaceitáveis os valores de probabilidade anual de falha, segundo a análise dos peritos. Os dados coletados naquele período já indicavam a insuficiência para a garantia da segurança da estrutura.

A barragem se rompeu quatro meses após a consultoria atestar a sua estabilidade, deixando 254 mortos e 16 desaparecidos, além de um vasto dano ambiental. O laudo integra o inquérito da Polícia Federal que investiga as circunstâncias do rompimento e as responsabilidades pela destruição ambiental e pelas mortes. O delegado Luiz Augusto Pessoa Nogueira encaminhou para a perícia 11 perguntas técnicas sobre o caso. As respostas contidas no laudo auxiliam a PF a entender aspectos técnicos de engenharia do caso.

Os especialistas começam o trabalho ponderando que a barragem, que operou entre 1976 e 2016, sempre esteve sujeita a uma série de fontes de “incertezas”, como as modificações realizadas em sua estrutura e a evolução da forma como o minério foi disposto no local. Desde abril de 2001, a estrutura era administrada pela Vale.

Os peritos dizem que, como consequência de uma não emissão da referida Declaração de Condição de Estabilidade, os órgãos competentes poderiam ter sido informados sobre o acionamento do Plano de Emergência para Barragens de Mineração. Ainda que não fosse possível evitar a ruptura, seria suficiente para “reduzir, principalmente, a perda de uma quantidade tão expressiva de vidas humanas, além de reduzir danos materiais e financeiros”, descreveram os peritos.

Diante do que chamaram de uma margem de segurança inaceitável, os analistas da PF também relataram não terem constatado uma ação efetiva dos responsáveis da Vale. O laudo diz que estudos anteriores da companhia e da consultoria já apontavam para o risco de morte de 214 pessoas em caso de rompimento.

Outros três laudos tratam dos impactos ambientais da tragédia, analisando aspectos da vegetação terrestre afetada pelo lama da barragem, dos danos causados à fauna terrestre e aquática do local e da poluição ambiental gerada pelos rejeitos de minério de ferro que atingiram a região. Além disso, um outro documento trata dos procedimentos de licenciamento ambiental da Barragem I. Os laudos registram a devastação de vegetação, natural ou plantada, perda de hábitat, a mortandade de animais, os danos à fauna em diversos níveis da cadeia alimentar e no meio ambiente, entre outros.

Estabilidade

A TÜV SÜD disse que não comentaria os laudos, mas reiterou que “continua oferecendo sua total cooperação às autoridades envolvidas na apuração dos fatos”.

A Vale disse que o fator de segurança da Barragem B1 foi calculado e atestado por auditoria internacional, após uma série de estudos técnicos sobre a estrutura. “Ainda sobre as condições de estabilidade da barragem, em outubro de 2018, menos de 4 meses antes da ruptura, os maiores especialistas em geotecnia do mundo realizaram uma inspeção de campo na estrutura e, tal qual o corpo técnico da Vale, identificaram comportamento e características de uma estrutura em condição drenada, reconhecida expressamente como bem cuidada e em processo de melhoria.”

Agência Estado