Sim, ser um militante que luta contra a degradação ambiental e a exploração da terra como um bem te faz uma persona non grata no mundo, especialmente no Brasil. Um relatório publicado no mês de Abril pela Global Witness analisa as mortes ocasionadas por conflitos ambientais e agrários e revela que quase mil pessoas foram assassinadas por estes motivos em todo o mundo nos últimos doze anos.
Num cenário de profunda desigualdade social, vivenciando a lógica da escassez, a defesa do meio ambiente e do uso salutar da terra, nunca foi tão necessária. Contudo, com a lógica do capital imperando, nunca foi tão perigosa, fazendo de militantes ambientalistas e agrários um dos grupos mais vulneráveis dos defensores dos direitos humanos.
Entre 2002 e 2013 foi possível confirmar que 908 ativistas foram assassinados em conflitos ambientais e agrários, destes, só foram julgados, condenados e punidos 10 agressores, cerca de 1%! Destaca-se que estão de fora destes números homicídios não esclarecidos, desaparecimentos, além de ameaças e violência em decorrência destes conflitos. E, segundo o relatório, os casos estão aumentando: a média nos últimos quatro anos passou de 1 para 2 homicídios de ativistas por semana.
E não é coincidência que quem luta pela biodiversidade, pela terra indígena e pela produção saudável (para não usar o termo já esvaziado “sustentável”) de alimentos, corra um risco muito maior de ser silenciado. Nos últimos 12 anos, o Brasil deteve metade das mortes em todo o mundo por esses conflitos: foram 448 casos ao total, seguido por Honduras (109) e Filipinas (67).
A violência por conflitos ambientais e agrários no Brasil não é de hoje, só para citar um exemplo, há 25 anos morria Chico Mendes, o maior ambientalista do país e certamente um dos mais importantes que já houve no mundo. Chico Mendes era seringueiro, cujo meio de subsistência dependia da preservação da floresta Amazônica e foi assassinado por fazendeiros latifundiários, produtores de gado. Até hoje na Amazônia, o ciclo é o mesmo: desmatamento de floresta virgem para extração ilegal da madeira, seguido de criação de gado e posteriormente o cultivo de soja – que é empurrada pelos canaviais que se estendem pelo sudeste.
Nesta regra, a taxa de desmatamento no Brasil aumentou 28% em 2013 (ano da alteração do Código Florestal). Sendo que 61% ocorreram em dois dos estados mais afetados por atos de violência contra ativistas: Pará (41%) e Mato Grosso do Sul (20%). Neste último, grande parte das mortes foi de índios das tribos Guarani e Kaiowa. Contraditoriamente, em terra de latifúndio e recordes de exportação de gado e soja, quem alimenta o país é a agricultura familiar, responsável por 70% dos alimentos que vão à mesa dos brasileiros².
Alguns podem estar se perguntando por quê? A resposta é tão cruel quanto às mortes: nunca foi tão intensa a disputa por recursos naturais como nos dias de hoje, nunca o capitalismo foi tão degradante. Vivemos um uso de insumos contraditoriamente insustentável, com aval do Estado, reforçando uma “cultura endêmica de impunidade” – como diz o relatório. Às vezes me acho chata repetindo o mesmo discurso, o problema é que a maioria dos problemas ambientais e agrários são repetidamente de corresponsabilidade e/ou consentimento do Estado.
É tão triste quanto alarmante essa situação que vivemos, mas diante deste quadro hediondo é necessário continuarmos exigindo que o Estado garanta a proteção do ambiente e de quem luta por ele e que, acima de tudo, não nos calemos, na certeza de que “a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem”³.
Texto de Denise Vazquez Manfio
FONTES:
1. Global Witness. Deadly Environment report. Disponível em: http://www.globalwitness.org/deadlyenvironment/#report
2. Portal Brasil. Agricultura familiar produz 70% de alimentos do País mas ainda sofre na comercialização. Disponível em: http://www.brasil.gov.br/economia-e-emprego/2011/07/agricultura-familiar-precisa-aumentar-vendas-e-se-organizar-melhor-diz-secretario
3. João Guimarães Rosa. Grande Sertão: Veredas (1956).
Laísa Mangelli