Equilíbrio Sustentável: um imperativo ético para os nossos dias


A falta de equilíbrio no modo de ser e agir das pessoas na sociedade parece ser uma marca da cultura atual que, paradoxalmente, procura caminhos de sustentabilidades em meio aos excessos e desperdícios vividos cotidianamente. Os limites planetários estão progressivamente aparecendo em escala local e global, obrigando a sociedade a buscar pontos de equilíbrio nos saberes científicos, no consumo exagerado, no fascínio desenvolvimentista, na adequação aos ritmos biológicos e no respeito à capacidade de suporte da natureza.

                                                       

O primeiro equilíbrio deve ser buscado no seio da cultura, cujo ethos é marcado profundamente pelos saberes científicos. Segundo o grande filósofo Aristóteles, os saberes podem ser considerados teóricos, poiéticos e práticos. Se olharmos a realidade atual de nossas ciências, vamos perceber que os saberes teóricos e poéticos são os que ocupam os maiores espaços no mundo científico, caminhando em passos rápidos e fragmentando-se vertiginosamente. Ao contrário, o saber prático caminha em passos lentos, procurando religar e dar um sentido maior no modo de ser e agir das pessoas e da sociedade. Segundo Aristóteles, os saberes teóricos são aqueles que partem de algo já existente, cabendo às ciências relacionadas com eles o dever de interpretar, descrever, tematizar e utilizar aquilo que é dado pela natureza, através de sucessivos processos evolutivos. São exemplos desses saberes: a ciência da vida, da terra, entre outros. Já os saberes poiéticos são aqueles relacionados com o fazer, o fabricar, seja a partir daquilo que nasce das instituições ou inspirações artísticas ou das produções tecnológicas, utilizando-se da natureza os elementos físicos, químicos e biológicos. O fascínio pelos saberes poiéticos da tecnologia é, sem dúvida, uma marca forte da cultura atual. No entanto, diante da crise ambiental planetária, esses dois saberes dominantes são insuficientes para resolver os impasses dos limites ecológicos que a cada dia se mostram mais evidentes no planeta terra. Daí a necessidade de um maior espaço para o saber prático, cuja ciência por excelência é a ética, pois esta mexe com os hábitos e os costumes do ser humano, normatizando ações e corrigindo comportamentos ambientalmente insustentáveis.

Infelizmente o saber prático da ética tem sido relegado em segundo plano, tendo como conseqüência o desequilíbrio nas relações antropológicas e cosmológicas. A busca de um maior equilíbrio entre os saberes teóricos, poiéticos e práticos é uma exigência fundamental para a construção da sustentabilidade planetária que tanto desejamos.

O segundo equilíbrio está relacionado com o consumo e a disponibilidade de recursos da natureza. A lógica dominante que está por trás do consumo insaciável parte da premissa de que os recursos da natureza são infinitos e que a disponibilidade deles é inesgotável. A falácia dessa premissa é a de que ela não leva em conta que o planeta não suporta a retirada excessiva dos recursos que foram acumulados durante milhões de anos, e nem sequer a assimilação imediata dos passivos que são gerados pelo consumismo desenfreado. O carbono acumulado na atmosfera, gerado pela sede insaciável do consumo de combustíveis fósseis, pelas queimadas e outros efeitos danosos ao meio ambiente, não pode ser assimilado na mesma intensidade das demandas da sociedade de consumo.

A falta de equilíbrio entre o consumo e a disponibilidade dos recursos do planeta é uma forma de injustiça ambiental e social. Ambiental, por que a escala lenta e evolutiva dos recursos da natureza está sendo explorada pela voracidade do consumo imediato e descartável, gerando um acúmulo imensurável de sucatas, impossíveis de serem assimiladas pelo planeta em curto e médio prazo. Social, por que estabelece valores plasmados nos padrões de consumo, excluindo muitas camadas sociais que não tem acesso aos bens e, eliminando, egoisticamente, a possibilidade de as gerações futuras usufruírem dos recursos do planeta. O cenário atual de degradação do equilíbrio ambiental nos mostra a importância da consciência sobre a limitação dos recursos naturais, pois a exploração irracional compromete as gerações presentes e futuras. Assim a consciência ética planetária nos alerta sobre a importância de buscarmos um equilíbrio entre o consumo e os bens disponíveis da natureza, pois o ritmo da sociedade consumista está muito alem da capacidade de suporte da natureza. A vaidade em consumir desmedidamente poderá resultar numa atitude de injustiça com a criação e a sociedade futura.

O terceiro equilíbrio está relacionado com o desenvolvimento necessário e a preservação imprescindível. Num país como o Brasil, que ambientalmente detém uma megabiodiversidade e socialmente cresce nos acessos aos bens necessários para manter um padrão digno de sobrevivência, mesmo mantendo uma distribuição de renda desigual, é fundamental que os modelos de desenvolvimento levem em conta a preservação do patrimônio natural. A riqueza do potencial existente em nossa fauna e flora que poderá se reverter em beneficio das gerações presentes e futuras é algo difícil de ser mensurado. Os dados revelados pelas ciências representam muito pouco daquilo que ainda faz parte do mundo do desconhecido. Daí a importância ética em galgar degraus do desenvolvimento em consonância com a preservação ambiental. Modelos de desenvolvimento que destroem irresponsavelmente os recursos planetários são eticamente considerados injustos e incompatíveis com a relação ontológica do ser humano com Deus e todos os seres criados. A destruição do meio ambiente e o seu uso impróprio ou egoísta e a apropriação violenta dos recursos da terra geram conflitos por que são frutos de um conceito inumano de desenvolvimento. Talvez esse equilíbrio seja, no momento atual, o mais prioritário, pois todos nós desejamos um país que posso desenvolver-se economicamente e socialmente, sem comprometer a conservação do seu potencial ecológico e ecossistêmico.

Por Pe. Josafá Carlos de Siqueira SJ é sacerdote jesuíta e natural de Pirenópolis, Goiás. Licenciado em Ciências Biológicas, bacharel em Teologia e Filosofia e Doutor em Biologia Vegetal pela Unicamp. Atualmente é reitor da PUC Rio e professor de graduação e pós -graduação do Departamento de Geografia e Meio Ambiente.

Fonte: Livro Rio + 20 – Reflexões sobre a sustentabilidade socioambiental – Editora PUC Rio 2012. 

Laísa Mangelli

A cultura do “egomóvel” no Brasil


Transporte melhor esbarra na mentalidade retrógrada do brasileiro. Sociólogo urbano critica fato de transporte público no Brasil ser associado a classes baixas. Maioria dos debates sobre mobilidade trata de soluções tecnológicas, quando a inovação deve ser de ordem social

O Brasil ainda mantém a tradição de privilegiar o automóvel em detrimento do transporte coletivo, e alterar esse panorama demanda não só políticas públicas, mas uma mudança na mentalidade do brasileiro. Essa é a opinião Martin Gegner, do doutor em sociologia urbana da Universidade Técnica de Berlim e professor visitante da USP.

Gegner organizou na última semana um painel com especialistas brasileiros e alemães para discutir o tema mobilidade em grandes cidades. O debate é parte do 2° Diálogo Brasil-Alemanha de Ciência, Pesquisa e Inovação, evento integrante do Ano Alemanha + Brasil.

“O Brasil ainda vive a influência do ideal modernista de urbanismo, em que as cidades são planejadas em função do carro, com prédios e garagens grandes, com bairros ligados por grandes vias rodoviárias. O grande exemplo disso é Brasília”, diz Gegner, que tem origem alemã.

Para ele, esta concepção de metrópole vem sendo questionada há mais de 30 anos na Alemanha, principalmente pelos movimentos verdes. “Os jovens alemães das grandes cidades já não valorizam o carro, mas no Brasil isso ainda é muito forte. É o que chamamos de ‘egomóvel‘, porque não é funcional, é mais um símbolo de status”, defende.

O professor critica ainda a mentalidade da classe política, que, segundo ele, associa o transporte público às classes baixas, focando apenas no preço, sem oferecer qualidade no serviço.

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Por que o Brasil tem o carro mais caro do mundo?

“Na visão dos políticos brasileiros, menos de cinco pessoas por metro quadrado significa que a linha está subutilizada. Isso é um absurdo”, protesta. Ele diz que é preciso tornar o transporte coletivo mais confortável, o que aumentaria a aceitação entre as classes altas.

Inovações sociais

Gegner acredita que a maioria dos debates sobre mobilidade trata de soluções tecnológicas, quando a inovação deve ser de ordem social. Ele cita como exemplo a bicicleta: “No Brasil ela é vista como lazer e não como transporte. Na Alemanha, as grandes cidades estão cobertas de ciclovias e as pessoas usam a bicicleta para ir trabalhar”.

Por isso, o painel no evento também discutiu a adaptação de projetos de sucesso na Alemanha, como o Car Sharing e o Call a Bike, em que é possível alugar um automóvel ou uma bicicleta por horas ou minutos. “Você procura no celular onde está o ponto mais próximo, busca o carro ou bicicleta, e devolve em outro local da cidade”, explica o professor.

Outro tema abordado no evento é a implementação do veículo leve sobre trilhos, ou VLT, uma espécie de metrô na superfície. De acordo com o especialista, este tipo de transporte é uma solução rápida e barata. “O custo do VLT é muito menor que o do metrô, porque qualquer obra subterrânea é muito cara e lenta. As pessoas associam isso ao bonde de antigamente, mas não tem nada a ver. É um transporte rápido, de massa e confortável”, assegura.

“O Brasil ainda vive a influência do ideal modernista de urbanismo, em que as cidades são planejadas em função do carro, com prédios e garagens grandes, com bairros ligados por grandes vias rodoviárias. O grande exemplo disso é Brasília”, diz Gegner, que tem origem alemã.

Para ele, esta concepção de metrópole vem sendo questionada há mais de 30 anos na Alemanha, principalmente pelos movimentos verdes. “Os jovens alemães das grandes cidades já não valorizam o carro, mas no Brasil isso ainda é muito forte. É o que chamamos de ‘egomóvel‘, porque não é funcional, é mais um símbolo de status”, defende.

O professor critica ainda a mentalidade da classe política, que, segundo ele, associa o transporte público às classes baixas, focando apenas no preço, sem oferecer qualidade no serviço.

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Inovações sociais

Gegner acredita que a maioria dos debates sobre mobilidade trata de soluções tecnológicas, quando a inovação deve ser de ordem social. Ele cita como exemplo a bicicleta: “No Brasil ela é vista como lazer e não como transporte. Na Alemanha, as grandes cidades estão cobertas de ciclovias e as pessoas usam a bicicleta para ir trabalhar”.

Por isso, o painel no evento também discutiu a adaptação de projetos de sucesso na Alemanha, como o Car Sharing e o Call a Bike, em que é possível alugar um automóvel ou uma bicicleta por horas ou minutos. “Você procura no celular onde está o ponto mais próximo, busca o carro ou bicicleta, e devolve em outro local da cidade”, explica o professor.

Outro tema abordado no evento é a implementação do veículo leve sobre trilhos, ou VLT, uma espécie de metrô na superfície. De acordo com o especialista, este tipo de transporte é uma solução rápida e barata. “O custo do VLT é muito menor que o do metrô, porque qualquer obra subterrânea é muito cara e lenta. As pessoas associam isso ao bonde de antigamente, mas não tem nada a ver. É um transporte rápido, de massa e confortável”, assegura.

Fonte: Pragmatismo Politico