De acordo com a ONU, combate às desigualdades é decisivo para a sustentabilidade


   Funcionários de altos cargos das Nações Unidas destacaram recentemente que a comunidade internacional necessita de combater as desigualdades sociais e econômicas entre as regiões e dentro dos países. Eles acrescentaram, ainda, que o combate às desigualdades é indispensável para que se alcance a sustentabilidade e para que crises possam ser evitadas.

    “Se as desigualdades continuam aumentando, o desenvolvimento pode não ser sustentável”, conforme relatou o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, em debate temático da Assembleia Geral sobre desigualdade. “As sociedades onde a esperança e as oportunidades são escassas estão vulneráveis a revoltas e conflitos. (…) A desigualdade pode gerar crime, doença, degradação ambiental e prejudicar o crescimento econômico”, disse ele.

   Ban Ki-moon ressaltou que as metas de combate à pobreza – também conhecidas como Objetivos de Desenvolvimento do Milênio – foram muito bem sucedidas, mas que o progresso ainda tem sido desigual. O secretário-geral destacou a importância de a agenda de desenvolvimento pós-2015 tratar dessas diferenças e promover a prosperidade compartilhada.

   Para o presidente da Assembleia Geral, Vuk Jeremić, a promoção da mudança universal para a sustentabilidade demanda um grande compromisso mair dos países para diminuir as disparidades entre os que têm e os que não têm. Além disso, ele pediu aos Estados-membros que trabalhem em união, para que atendam às necessidades “dos muitos que foram deixados para trás”.

   Jeremić acrescentou que, para avançar, é fundamental agregar de maneira completa a luta contra a desigualdade na agenda do desenvolvimento sustentável e os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, acordados na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20).

Mulher coleta água para sua família na Namíbia. Foto: ONU/Eskinder Debebe

 

Fonte: http://www.onu.org.br/combater-desigualdades-sociais-e-economicas-e-crucial-para-sustentabilidade-afirma-onu/

 

A desigualdade de acesso ao saneamento básico


No mundo, mais 2,5 bilhões de pessoas vivem sem acesso a banheiros e sistema de esgoto adequado (ONU)

Maria Luísa Brasil Gonçalves Ferreira*

Os direitos humanos são direitos básicos, essenciais e inerentes a todos os seres humanos, independente de raça, classe social, gênero, nacionalidade ou qualquer outro tipo de discriminação. Com a promulgação da Declaração Universal de Direitos Humanos, em 1948, a comunidade internacional celebrou acordo que visa garantir a todos, de forma equânime, o exercício de seus direitos inatos.

A Declaração de Estocolmo, em 1972, incluiu o meio ambiente no rol de direitos humanos, determinando que é dever de todos proteger e buscar melhoria do meio ambiente humano. No mundo, mais 2,5 bilhões de pessoas vivem sem acesso a banheiros e sistema de esgoto adequado.

Em 2015, durante a 70ª sessão da Assembleia Geral da ONU, criou-se a Agenda 2030 que fixou vários objetivos, dentre eles, o objetivo nº 6, que determinou que os países devam se esforçar para que, até 2030, todos tenham acesso a saneamento e higiene adequados e também para acabar com a defecação a céu aberto. Contudo, somente em 2017 é que o saneamento básico foi reconhecido como direito humano.

O acesso ao saneamento básico é uma garantia do mínimo existencial, de qualidade de vida e de efetivação do princípio da dignidade humana, intimamente relacionado com o direito a sadia qualidade de vida. Portanto, é de interesse de toda a sociedade que seja diagnosticado como o racismo institucional influencia no acesso ao saneamento básico, para que, posteriormente, seja encontrada forma eficaz de interromper essa influência.

A universalização do acesso ao saneamento básico, além de significar o cumprimento de legislação federal, significa a efetivação de recomendações internacionais e possibilita a efetivação de direitos humanos.

De acordo com estudo realizado pelo Instituto Trata Brasil, os estados que menos receberam investimentos em saneamento básico entre 2015 e 2017 foram Amazonas, Acre, Amapá, Alagoas e Rondônia, totalizando 1,7%. Todos esses Estados são da Região Norte do país, onde se encontra a maior concentração de pobreza, portanto, onde há menos acesso a infraestrutura, está também a maior concentração de pobreza – junto com a Região Nordeste.

A política pública relacionada ao saneamento básico já existe, e um dos seus princípios basilares é a universalização do acesso. Em 2007 entrou em vigência a Lei nº 11.445, que estabeleceu a universalização do acesso ao saneamento básico como um dos princípios fundamentais e definiu universalização como sendo a ampliação progressiva do acesso de todos os domicílios ocupados ao saneamento básico. Este princípio da universalização, mesmo após dez anos de vigência da lei, não atingiu seu objetivo tendo em vista os números alarmantes de população sem acesso ao saneamento básico no Brasil.

Entre 2007 e 2017, houve aumento no acesso ao tratamento de água e esgoto: o total de brasileiros atendidos por abastecimento de água tratada passou de 80,9% para 83,3%; enquanto a população atendida por coleta de esgoto passou de 42% para 50,3%.

Apesar do aumento global no acesso, a região Norte do país possui números preocupantes: apenas 8,7% da população possui acesso a esgoto e 16,4% da população possui acesso ao tratamento desse esgoto. Além disso, somente 56% da população possui cobertura de água potável, números muito inferiores aos da Região Sudeste – que possui os melhores indicadores do país (91,2% de cobertura de água, 77,2% tem acesso à rede de esgoto e 47,4% ao tratamento de esgoto).

Em ranking dos vinte melhores municípios em relação ao saneamento básico, realizado em 2017 pelo Instituto Trata Brasil (2017), treze posições são ocupadas por municípios da Região Sudeste (as quatro primeiras, inclusive), cinco posições ocupadas por municípios da Região Sul (todas são cidades do Paraná) e as duas posições restantes ocupadas pela Região Nordeste (municípios da Bahia e Paraíba). Em contrapartida, o estudo apresentou o ranking dos dez piores municípios: dois são da Região Sudeste (Rio de Janeiro), um da Região Sul (Rio Grande do Sul), um da Região Centro-Oeste (Mato Grosso), um da Região Nordeste (Pernambuco) e cinco municípios são da Região Norte (Amazonas, Amapá, Rondônia e Pará).

No ranking dos dez piores municípios em relação ao saneamento básico, quatro pertencem à Região Norte e atendem menos da metade de sua população com água.O município de Santarém, no Pará, não realiza nenhuma coleta de esgoto apesar de possuir mais de 200 mil habitantes.

As análises dos dados de saneamento básico na região Norte são alarmantes, sobretudo se comparada com as outras regiões do país. os Estados que menos receberam investimentos em saneamento básico nos últimos três anos foram Amazonas, Acre, Amapá, Alagoas e Rondônia, totalizando 1,7%. O mais impressionante desses dados é que a Região Norte é a maior do Brasil e corresponde a 45% de todo o território nacional.

Políticas públicas são ações de governo para realizar interesses coletivos por meio da prestação de serviços e entrega de bens à sociedade. A formulação de uma política pública envolve diversas etapas e não se esgota quando é colocada em prática.

Após a criação e implementação de determinada política pública, é necessário que se faça a avaliação de sua dinâmica, isto é, avaliando como a implementação da política está interferindo na sociedade. A avaliação é feita por diversos atores sociais, como políticos, entidades de classe, organizações não governamentais e os próprios cidadãos, e cada conjunto de atores faz essa avaliação utilizando-se de técnicas diversas. As manifestações públicas, por meio de protestos feitos por atingidos, por exemplo, representam uma avaliação dos méritos, ainda que seja informal, portanto, cada grupo social desempenha papel fundamental no aprimoramento da política pública.

Portanto, a existência de uma política pública, institucionalizada por meio da legislação, não significa a efetiva solução do problema. É necessário que a população se mobilize para fiscalizar e cobrar dos governos a solução do problema. Protestos públicos organizados pela população são consideradas formas de avaliar o mérito da política pública, podendo influenciar o governo a pensar em soluções mais efetivas ou a reformular a política vigente.

*Maria Luísa Brasil Gonçalves Ferreira – Bacharel em Direito pela Escola Superior Dom Helder Câmara. Pós-graduanda pela Escola Superior de Advocacia da OAB. Assistente jurídica no Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

Diminuição das desigualdades deve ser comemorada com cautela.


 Entrevista especial com Diogo Coutinho

"A desigualdade poderia ser reduzida de forma mais intensa no Brasil se certas instituições fossem reformadas para que se tornassem efetivamente redistributivas, já que hoje várias delas paradoxalmente favorecem os ricos em detrimento dos pobres", diz o advogado.

                                          

A queda da desigualdade no Brasil "não resulta de um ataque efetivo aos gargalos e entraves que compõem a 'armadilha da desigualdade'” no que se refere à renda, riqueza, oportunidades e status social, adverte Diogo Coutinho, em entrevista concedida à IHU On-Line por e-mail. Na avaliação dele, "os ganhos de igualdade" da última década estão particularmente relacionados com o aumento do salário mínimo e os programas sociais de distribuição de renda, "não de mudanças estruturais em arranjos jurídico-institucionais que há séculos conservam o status quo e impedem a mobilidade social no país".

Para Coutinho, a tributação "é uma das causas mais graves da desigualdade no Brasil", porque os tributos "são mal calibrados em termos de incidência e alíquotas e tendem – em especial no caso dos impostos indiretos – a penalizar os mais pobres". E acrescenta: "O imposto de renda, que é usado no mundo todo para redistribuir renda, no Brasil tem essa função de “Robin Hood” mitigada ou mesmo revertida pelas distorções que favorecem as classes mais abastadas

Diogo R. Coutinho é doutor em Ciências Jurídicas pela Universidade de São Paulo – USP, na qual leciona atualmente. É pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento – Cebrap.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Em artigo recente, o senhor comentou que a queda da desigualdade de renda no Brasil na última década deve ser comemorada sem exagero. O debate sobre a diminuição das desigualdades no país é desproporcional à realidade?
Diogo R. Coutinho – O que o professor Octávio Ferraz e eu dissemos no artigo a que você se refere é que a celebração da recente queda da desigualdade no Brasil é importante e bem-vinda, mas não resulta de um ataque efetivo aos gargalos e entraves que compõem a “armadilha da desigualdade” – isto é, a cristalização da desigualdade em suas várias facetas (renda, riqueza, oportunidades, poder e status social) nas instituições, nas leis, nas políticas públicas e na vida social do país, favorecendo os mais ricos em prejuízo dos mais pobres. Isso porque os recentes “ganhos de igualdade” que tivemos resultam, basicamente, de aumentos do salário mínimo e das transferências do Bolsa Família, não de mudanças estruturais em arranjos jurídico-institucionais que há séculos conservam o status quo e impedem a mobilidade social no país. Em outras palavras, procuramos dizer que a desigualdade poderia ser reduzida bem mais intensamente no Brasil se certas instituições fossem reformadas para que se tornassem efetivamente redistributivas, já que hoje várias delas paradoxalmente favorecem os ricos em detrimento dos pobres. Exemplos disso são os sistemas previdenciário, tributário, de acesso à saúde, educação, moradia, entre outros. Por isso, sugerimos alguma cautela e moderação na hora de comemorar, pois ainda há muito a fazer.

                                    

IHU On-Line – Quais são as causas das desigualdades no Brasil? A tributação equivocada é a maior causa?

Diogo R. Coutinho – A tributação, que em países que construíram um Estado de Bem-Estar Social tem uma função claramente redistributiva, é uma das causas mais graves da desigualdade no Brasil. Nossos tributos, como regra, são mal calibrados em termos de incidência e alíquotas e tendem – em especial no caso dos impostos indiretos – a penalizar os mais pobres. O imposto de renda, que é usado no mundo todo para redistribuir renda, no Brasil tem essa função de “Robin Hood” mitigada ou mesmo revertida pelas distorções que favorecem as classes mais abastadas.

Veja também a dificuldade que é instituir um IPTU progressivo nas cidades brasileiras, assim como a tributação de grandes fortunas. Mas a tributação não é a única causa da desigualdade. A noção de “armadilha da desigualdade”, que utilizamos em nosso artigo, refere-se a um conjunto de fatores que, de forma retroalimentada, colabora para afastar pobres de ricos, aumentando o fosso social e atravancando o desenvolvimento. No caso brasileiro, por razões históricas e também mais recentes, parece que quase tudo conspira contra os pobres: desde os sistemas de transporte até a estrutura fundiária, passando pelo acesso à educação, aposentadorias, medicamentos, sistemas de justiça, transportes, etc. Basta lembrar que apenas há muito pouco tempo fomos capazes de dar alguma dignidade aos trabalhadores domésticos. Imaginem quanto dinheiro as elites brasileiras “economizaram” com horas extras e outros direitos trabalhistas nas últimas décadas, quando se pensa em empregadas, babás, cuidadoras, etc? Foram gerações e gerações de elites nutridas, criadas e educadas à custa do sacrifício dos pobres e de seus filhos.

IHU On-Line – Em que medida o direito pode ser um instrumento de redução de desigualdade e indutor do desenvolvimento?

Diogo R. Coutinho – Entendo que o direito pode ser compreendido tanto como um vetor de cristalização e perenização da desigualdade, quanto como uma variável-chave na promoção da justiça social. Afinal, o arcabouço jurídico, ao forjar e delimitar categorias centrais à vida econômica – como “capital”, “propriedade”, “trabalho”, “crédito”, “salário”, “tributo”, “contrato”, entre tantas outras – permanentemente produz e reproduz consequências distributivas na sociedade (nem sempre percebidas, diga-se). Os juristas brasileiros estão habituados a falar em justiça social e são desde cedo expostos a diversas concepções metafísicas sobre o que ela é, ou deveria ser. A conhecida fórmula “tratar desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades” ilustra isso. No entanto, não são educados ou treinados para desempenhar o papel-chave que, na prática, terminam cumprindo na implementação de políticas públicas que são, por excelência, os mecanismos pelos quais direitos econômicos e sociais se efetivam no Estado de Bem-Estar Social. Por conta disso, sejam eles juízes, advogados, promotores de justiça, defensores, administradores ou gestores públicos, os profissionais do Direito se ressentem de falta de familiaridade e expertise para lidar com os desafios e dilemas que a concretização de um ideal de justiça distributiva suscita a todo o tempo. Isso é um problema grave, acredito, que tem raízes no ensino jurídico e nas teorias do Direito.

IHU On-Line – Que medidas podem tornar a reforma tributária mais eficaz e progressiva? Uma mudança no sistema tributário teria mais impacto sobre as desigualdades?

Diogo R. Coutinho – Não sou especialista em sistemas tributários e em sua reforma, mas acredito que, se nossos tributos passassem por um “raio X” pelo qual seus impactos distributivos fossem medidos, constataríamos que há muitos ajustes a fazer e injustiças a corrigir. O mesmo vale para o sistema previdenciário, que é regressivo (isto é, pró-ricos), favorecendo desproporcionalmente os funcionários públicos de alto escalão do Executivo, Legislativo e Judiciário. Esses grupos, que já recebem bons salários durante a carreira, continuarão a ter direito a aposentadorias integrais (ou quase) até que o regime de previdência complementar instituído pela reforma constitucional entre em vigor, o que já tarda mais de 10 anos. O resto da população, incluindo-se aqui os mais pobres, aposenta-se sob o regime geral da previdência social, ganha em sua maioria um salário mínimo ou sequer tem acesso à previdência por trabalhar no setor informal. Em resumo, o que precisamos é de uma avaliação distributiva de nossas normas e sistemas de implementação de políticas públicas – afinal, não basta termos leis bem intencionadas, progressistas ou transformativas se, na prática, seus efeitos são opostos àqueles almejados.

IHU On-Line – Por que o índice de Gini não é o método mais adequado para verificar a distribuição da renda?

Diogo R. Coutinho – Porque o Gini, a despeito de ser uma referência consagrada no campo dos estudos da desigualdade, releva apenas parte da história. Esse índice leva em consideração principalmente os rendimentos do trabalho formal e transferências públicas, deixando de fora da medição a maior parte dos rendimentos do capital (cerca de 80% do rendimento dos ricos no caso brasileiro). A desigualdade medida pelo Gini não é, portanto, inteiramente adequada para revelar a real distribuição da renda entre trabalhadores formais e informais, de um lado, e empresários, banqueiros, latifundiários, proprietários de bens e de imóveis alugados, de outro. Ou seja, o Gini não mede a desigualdade acumulada sob outras formas de riqueza que não a renda em sentido estrito. Além disso, o Gini não captura a desigualdade de oportunidades, de status, de poder, de raça, de gênero. Os estudiosos do assunto nos lembram com muita frequência que a desigualdade é uma noção multidimensional, com diversas facetas, e que isso precisa ser levado em conta na hora de dimensioná-la. Isso não significa que o Gini não seja relevante ou útil, contudo, vale sempre lembrar que ele é limitado quando se trata de retratar de forma completa a armadilha da desigualdade brasileira.

IHU On-Line – A política de acesso ao crédito do governo federal fez bastante sucesso nos primeiros anos por conta do crescimento da economia e ascensão da classe C. Como vê essa política enquanto tentativa de diminuir as desigualdades?

Diogo R. Coutinho – Não vejo o acesso ao crédito como algo negativo a ponto de ameaçar a sustentabilidade do crescimento, mas o desenvolvimento não se constrói somente a partir do estímulo ao consumo, explicam os economistas. É necessário combinar isso com outras políticas macro e microeconômicas capazes de aumentar a produtividade da economia, estimular a inovação, proteger o meio ambiente e, claro, promover a justiça social para mais além do acesso a bens de consumo.

IHU On-Line – Que modelos político e econômico garantem a diminuição das desigualdades? Países mais igualitários seguem quais padrões de desenvolvimento?

Diogo R. Coutinho – Acredito que, de forma sintética, podemos dizer que países que crescem de forma mais sustentável e (o que é bastante importante) reduzindo desigualdade ao invés de aumentá-la, são países que construíram e aperfeiçoam sistemas de bem-estar funcionais, multifacetados, articulados com a política econômica e capazes de combinar arranjos universais (isto é, políticas públicas acessíveis a todos) com arranjos focalizados (políticas públicas que adotam prioridades em relação à definição de seu público-alvo). Como nos explica a Professora Celia Lessa Kerstenetzky em seu excelente livro “Estado do Bem-estar Social na Idade da Razão”, o Estado do bem-estar social, com seu potencial redistributivo, inclusivo e emancipador, é tanto causa quanto consequência do progresso das sociedades e, em sua dinâmica, eficiência econômica e justiça distributiva se reforçam mutuamente, ao invés de se excluírem.

IHU On-Line – Os programas de transferência de renda foram considerados um avanço, mas ainda não alteraram a desigualdade estrutural. Quais os limites desses programas e como avançar a partir deles?

Diogo R. Coutinho – Entendo que o grande desafio a partir de agora é articular esses programas com os demais componentes de um Estado de Bem-Estar Social robusto, num esforço intersetorial complexo e desafiador, mas necessário. As transferências de renda devem ser combinadas de forma mais orgânica com políticas de inclusão produtiva, capacitação profissional, assim como com políticas universais de saúde, educação, moradia e outras. Trata-se de um desafio de integração funcional das políticas sociais, produtivas e de emprego com a finalidade de alcançar uma dinâmica virtuosa pela qual o desenvolvimento seja não apenas traduzido em crescimento do PIB, mas também em “ganhos de equidade”. Esse é o verdadeiro desenvolvimento, em sua acepção mais completa.

Fonte: IHU – Instituto Humanitas Unisinos

 

Desigualdade no saneamento básico no Brasil impressiona relatora especial da ONU


Após dez dias de visita ao Brasil, a relatora especial das Nações Unidas sobre Água e Saneamento, Catarina de Albuquerque, apresentou na quinta-feira (19) suas conclusões preliminares e as recomendações iniciais ao governo brasileiro sobre as condições sanitárias do país. A relatora disse que ficou chocada com as desigualdades regionais no acesso ao saneamento básico, sendo a Região Norte a mais afetada.

“Vi muitos contrastes. Há regiões com nível de primeiro mundo, como os estados de São Paulo e do Rio, com cidades com taxa de tratamento de esgoto superior a 93%, e vi outras regiões, como Belém, em que essa taxa é 7,7%, e Macapá, 5,5%. São diferenças assustadoras. Também vi diferenças entre ricos e pobres. O que uma pessoa rica pela água e pelo esgoto não é significativo, mas, para uma pessoa pobre, essa conta é muito alta”, disse a relatora.

Catarina se reuniu com representantes do governo e de organizações internacionais, da sociedade civil e com membros de comunidades em Brasília, no Rio de Janeiro, em São Paulo, Fortaleza e Belém. Em suas visitas, a relatora deu atenção especial aos moradores de favelas, de assentamentos informais e de áreas rurais, incluindo aquelas afetadas pela seca.

Segundo a especialista, o Brasil está entre os dez países onde mais faltam banheiros – 7 milhões de brasileiros estão nessa situação. Cinquenta e dois por cento da população não têm coleta de esgoto e somente 38% do esgoto é tratado. “A situação de falta de acesso a esgoto é particularmente grave na Região Norte, onde menos de 10% da população têm coleta de esgoto”, disse Catarina.

Ao visitar comunidades carentes no Rio de Janeiro e em São Paulo, a perita da ONU observou que as populações pobres se sentem invisíveis e esquecidas pelo Poder Público. “Fiquei chocada com a miséria e com a falta de acesso ao saneamento de pessoas que vivem em favelas e em assentamentos informais. Isto é inaceitável de uma perspectiva de direitos humanos. Ninguém pode excluir determinados segmentos da população porque não têm a titularidade da terra”, destacou.

Catarina visitou o Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, e ouviu reclamações dos moradores sobre a falta de continuidade nos serviços de abastecimento e da qualidade da água. “O Complexo do Alemão é uma preocupação enquanto houver pessoas que não têm acesso a esgoto e água.”

Segundo ela, os problemas criados pela falta de esgoto acentuam-se durante a temporada de chuvas, como a que ela presenciou na Baixada Fluminense, no Rio, na semana passada. “Pude observar a inundação de ruas e canais de dragagem e vi o esgoto inundando as casas das pessoas”, acrescentou.

Baixo investimento

Para a especialista, o baixo investimento em saneamento resulta em alto custo para a saúde pública, com 400 mil internados por diarreia, a um custo de R$ 140 milhões para o Sistema Único de Saúde (SUS), principalmente entre as crianças até 5 anos. “As pessoas não associam a diarreia à falta de esgoto e de água potável. Em termos econômicos, investir na água e no esgoto é um ótimo negócio. Para cada R$ 1 investido, os custos evitados [com gastos em saúde] são da ordem de R$ 4”, estimou.

Outro ponto apontado pela relatora da ONU é a questão do alto custo das tarifas de água e esgoto para a população de baixa renda. “É um sufoco para essas pessoas pagar as tarifas. Essa conta não deveria ultrapassar 5% do orçamento familiar. As companhias estaduais decidem ter tarifas muito altas e dividem os lucros entre os acionistas. Deve haver mais pressão dos municípios e dos estados sobre as companhias para que elas reinvistam os lucros no setor.”

Catarina reconhece os avanços no setor e comemora a recente aprovação do Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab). “O Plansab é um avanço enorme, mostra que o país tem visão para o setor nos próximos 20 anos, com recursos financeiros muito significativos.” O plano, com investimentos estimados de R$ 508 bilhões entre 2013 e 2033, prevê metas nacionais e regionalizadas de curto, médio e longo prazos, para a universalização dos serviços de saneamento básico.

O relatório final será apresentado em setembro na próxima sessão do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas.

Procurado pela reportagem da Agência Brasil, até fechamento desta matéria, o Ministério das Cidades não se manifestou sobre o relatório preliminar da perita da ONU.

Publicado em: EcoInformação