Soberania, governança global e ecossistema compartilhado em debate


Entrevista especial com Gabriel Ferrer

 

“Os problemas ambientais são os mesmos no mundo todo e isso tem uma vantagem sobre as áreas econômicas e sociais: a sua relação é com o conhecimento, não com a moral, com a ética ou com a religião. Se o chumbo é bom ou ruim, é a ciência quem determina, ou seja, não há considerações éticas e morais a serem feitas”, afirma o pesquisador.

 

Foto: Envolverde 

Almejar um mundo sustentável, com tudo que este conceito implica, não significa somente tratar das questões ambientais que envolvem o termo. É necessário transpor esse debate para as questões sociais, econômicas e políticas. É a partir desta perspectiva que Gabriel Ferrer, professor titular de Direito Administrativo da Universidade de Alicante, na Espanha, propõe as discussões acerca do assunto.

 

“Quando pensamos em uma sociedade, não se trata somente de pensar em sobreviver, mas em criar uma sociedade global mais justa. Para isso, é preciso pensar nas dimensões ambiental, social, econômica e tecnológica, porque a fome e a injustiça social não são sustentáveis. Ou seja, se você procura uma sociedade que possa se projetar para o futuro, é preciso resolver os problemas da fome e da injustiça social, bem como os demais objetivos do Milênio”, disse o pesquisador à IHU On-Line, em entrevista concedida pessoalmente, durante visita à Unisinos na última semana.

 

Na avaliação de Ferrer, diante da atual conjuntura, em que os problemas ambientais globais são os mesmos, é necessário criar um modelo de gestão global que considere os interesses de todos os países. Essa mudança se contrapõe à concepção de Estado Moderno e de soberania dos últimos dois séculos. “Nós estamos num momento em que a realidade produz uma dissolução do conceito clássico de soberania. A soberania, tal como hoje a entendemos, é um modelo político de organização da comunidade internacional que começou há 250 anos, num momento em que os problemas da humanidade eram outros. Mas, hoje, a soberania é obstáculo para uma governança global, e nós precisamos de uma governança global, porque os problemas são globais e o ecossistema é compartilhado. Não podemos dar respostas a problemas globais com soluções parciais”, insiste.

 

Para Ferrer, essa mudança já está acontecendo e, “ainda que não se fale disso, todos os países, em alguma medida, estão cedendo soberania. Falo que estamos vivendo um período de ‘soberania híbrida’, ou seja, ainda há uma soberania baseada nos princípios clássicos territoriais, populacionais, mas há uma soberania em que não é mais o proprietário do território o gestor desse território, porque há coisas que temos de compartilhar com a humanidade. Então, a gestão do território não é somente para o benefício das nações, mas do mundo de forma geral”.

 

Ex-consultor do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente – PNUMA, Ferrer comenta as conferências climáticas dos últimos anos e a crise da ONU ao propor o debate ambiental embasado nos interesses de grandes corporações internacionais que defendem o desenvolvimento sustentável. Para ele, os EUA vêm perdendo relevância internacional para países como China e Rússia, o que faz com que o mundo esteja sem uma autoridade que, bem ou mal, e atendendo sempre a seus próprios interesses, exercia a função de "polícia" do mundo. “Esse espaço de poder tem de se recompor. E o pior é que não há interesse de criar essa governança global”, lamenta.

 

Gabriel Ferrer é especialista em Direito Ambiental e professor visitante de várias universidades na Europa e América Latina. Atuou também como consultor do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente – PNUMA, da Comissão Europeia, do Conselho da Europa e do Comitê Olímpico Internacional, ministrando inúmeras conferências internacionais sobre sustentabilidade. Saiba mais sobre o professor e conheça uma de suas palestras AQUI .

 

 

 

 

 

Foto: Instituto Socioambiental Dom Helder

Confira a entrevista.

 

IHU On-Line – O que o senhor entende por sustentabilidade e, a partir desse conceito, como tem se pensado o Direito Ambiental?

Gabriel Real Ferrer – A noção de sustentabilidade foi construída há tempo, pouco a pouco, até evoluir para a compreensão que se tem hoje. O que se supõe é a procura de uma sociedade capaz de permanecer indefinidamente no tempo. Portanto, esta é a ideia de sustentabilidade: algo é sustentável se pode se manter no tempo. Esse conceito está pensando uma sociedade global, constituída pela humanidade, ou seja, uma sociedade não pode ser sustentável se as demais não o são.

 

Há várias dimensões da sustentabilidade, e uma delas é a ambiental, a qual colocou os problemas globais para o Direito. Nós compartilhamos um ecossistema planetário, então temos o dever de cuidar desse sistema, porque com nosso comportamento estamos alterando o ecossistema de um jeito que a existência da espécie pode ficar em perigo.

 

Então, quando se fala em sustentabilidade, em primeiro lugar pensamos na sustentabilidade ambiental, porque precisamos do entorno para sobreviver. Mas quando pensamos em uma sociedade, não se trata somente de pensar em sobreviver, mas em criar uma sociedade global mais justa. Para isso, é preciso pensar nas dimensões ambiental, social, econômica e tecnológica, porque a fome e a injustiça social não são sustentáveis. Ou seja, se você procura uma sociedade que possa se projetar para o futuro, é preciso resolver os problemas da fome e da injustiça social, bem como os demais Objetivos do Milênio.

 

IHU On-Line – Muitos especialistas apontam para a necessidade de uma governança global em relação às questões ambientais e climáticas, como o senhor também sugere. Entretanto, como propor uma governança global se os países não conseguem chegar a acordos nas conferências do clima, por exemplo? Considerando essa proposta de governança global, faz-se necessário romper com a concepção de Estado Moderno e pensar uma alternativa para desenvolver esta governança?

Gabriel Real Ferrer – Nós estamos num momento em que a realidade produz uma dissolução do conceito clássico de soberania. A soberania, tal como hoje a entendemos, é um modelo político de organização da comunidade internacional que começou há 250 anos, num momento em que os problemas da humanidade eram outros. Mas, hoje, a soberania é obstáculo para uma governança global, e nós precisamos de uma governança global, porque os problemas são globais e o ecossistema é compartilhado. Não podemos dar respostas a problemas globais com soluções parciais.

 

Essa transformação está acontecendo lentamente, pois já há transferência de soberania para alguns organismos, como a Organização Mundial do Comércio – OMC e a Organização Marítima Internacional – OMI, entre muitos outros organismos e instituições. É muito difícil pensar um governo mundial. Mas a minha ideia é de que já estamos num sistema que chamo de a galáxia das autoridades: não se trata de uma grande autoridade com poder, mas de autoridades setoriais. Ainda não há essa autoridade no que se refere às mudanças climáticas, porque alguns Estados não querem compartilhar o Protocolo de Kyoto, mas a OMC e a OMI, por exemplo, têm autoridade em alguns aspectos. Mas é claro que se trata de um processo lento.

 

 

"Quando se fala em sustentabilidade, em primeiro lugar pensamos na sustentabilidade ambiental, porque precisamos do entorno para sobreviver"

IHU On-Line – O senhor cita a OMC como uma governança global no âmbito comercial. Entretanto, mesmo se tratando de um poder internacional, alguns países alegam que não são favorecidos pelas decisões da OMC. Essas “grandes autoridades”, como o senhor chama, solucionariam os problemas globais?

Gabriel Real Ferrer – Se os países querem estar no âmbito do comércio, eles têm de estar na OMC, gostem ou não. Obviamente há regras que prejudicam e outras que não prejudicam os países.

 

O sistema da OMC produz normas e determina que os países, se entrarem na OMC, não podem fazer exceções. Esse é um modelo bom ou ruim, mas é um modelo.

 

E ainda que não se fale disso, todos os países, em alguma medida, estão cedendo soberania. Falo que estamos vivendo um período de “soberania híbrida”, ou seja, ainda há uma soberania baseada nos princípios clássicos territoriais, populacionais, mas há uma soberania em que não é mais o proprietário do território o gestor desse território, porque há coisas que temos de compartilhar com a humanidade. Então, a gestão do território não é somente para o benefício das nações, mas do mundo de forma geral.

 

Propor a sustentabilidade é levar isso para a dimensão social, econômica e tecnológica. No âmbito social, temos de criar uma nova arquitetura para assegurar os direitos fundamentais para todos em todos os lugares. O fato de ter outra nacionalidade não tem de impedir o exercício dos direitos fundamentais, entre eles, a saúde e o ensino, por exemplo. Nos aspectos econômicos temos de achar um novo modelo de distribuir a riqueza, porque o sistema atual é extremamente injusto e tem gerado uma concentração da riqueza. No que se refere aos aspectos tecnológicos, por exemplo, isso é altamente interessante, porque a nossa sociedade é tecnológica. Nesse âmbito, por uma parte temos de aprender a compartilhar as tecnologias que podem ajudar a humanidade e, por outra, prevenir as tecnocatástrofes, como, por exemplo, uma queda temporária, por dias ou semanas, de internet, cujas consequências seriam imprevisíveis.

 

IHU On-Line – No âmbito jurídico, como se dá essa governança global? São necessárias normativas internacionais e locais?

Gabriel Real Ferrer – Claro. Esse é o problema atual da globalização: existe a globalização econômica, mas não há a articulação jurídica que precisa ter. Por isso, digo que temos de politizar a globalização, ou seja, criar instituições políticas para defender o interesse geral nos espaços transnacionais que o Estado não gera. O que acontece atualmente é o governo das transnacionais: são as corporações que estão controlando o espaço transnacional, que é o espaço próprio da globalização. Não existem regras para as corporações, porque se existem regras em um Estado, elas migram para outro, pois consideram a Terra como uma sociedade anônima. Nesse espaço não temos uma estrutura política. Por isso temos de politizar, ou seja, é preciso criar estruturas políticas que defendam o direito de todos, como o Direito, que possa criar regras para todos. É difícil? Sim, é difícil. Mas temos de caminhar nesse sentido.

 

"A discussão de “é meu ou é meu” faz parte do passado."

IHU On-Line – Como o Direito Ambiental e Sustentável tem repercutido no exterior? É possível fazer uma comparação com o Direito Ambiental brasileiro? Nesse sentido, em que lugar do mundo o Direito Ambiental tem sido mais eficiente e oferecido propostas interessantes para as questões ambientais?

Gabriel Real Ferrer – Uma das características do Direito Ambiental desde a sua origem é que é muito similar em todo o mundo e isso é normal, porque os problemas são os mesmos e as respostas são as mesmas. Com o impulso das conferências climáticas das Nações Unidas, sobretudo a Eco 92 — as demais não foram tão importantes —, a legislação ambiental dos países é extraordinariamente semelhante.

 

O Direito Ambiental no Brasil é muito bom, avançado e um dos melhores do mundo. Mas todos os países têm bons Direitos Ambientais. Então, hoje, o problema do Direito Ambiental não é a sua existência, que era o problema do início. Agora ele existe, tem regras, leis e está presente. O problema de hoje diz respeito à sua implementação; a eficácia não é boa, porque não temos instrumentos de inspeção e de controle necessários.

 

Os problemas ambientais são os mesmos no mundo todo e isso tem uma vantagem sobre as áreas econômicas e sociais: a sua relação é com o conhecimento, não com a moral, com a ética ou com a religião. Se o chumbo é bom ou ruim, é a ciência quem determina, ou seja, não há considerações éticas e morais a serem feitas.

 

IHU On-Line – A falta desta preocupação moral, por exemplo, contribui para que a legislação ambiental não seja levada tão a sério?

Gabriel Real Ferrer – Claro, mas isso no fundo implica um problema cultural, ou seja, temos de mudar nossos valores, entre outras coisas. Temos de mudar nosso sentimento de pertencimento à humanidade, e não somente a uma comunidade específica. As pessoas não têm essa carga moral quando se trata de uma regra ambiental, porque a cultura ainda não entende que um crime ambiental é um crime contra todos. Você acha que furtar é muito ruim, mas esse é um conceito clássico da propriedade, por exemplo. Mas muito pior do que furtar dez reais é causar um dano ao meio ambiente. Trata-se, portanto, de fazer uma revolução cultural, ou seja, de mudar o jeito de olhar para muitas coisas.

 

“o acordo que irá substituir Kyoto não pode ser voluntário”

IHU On-Line – O senhor participou da Eco 92 e tem acompanhado as demais conferências do Clima desde então. Quais têm sido os pontos mais sensíveis e mais difíceis para se chegar a um acordo quando se discutem as questões ambientais?

Gabriel Real Ferrer – Dois pontos sobre isso: trata-se de um problema relacionado à soberania e ao financiamento. A consideração da soberania sobre os recursos naturais foi colocada na Eco 92, mas ainda não foi resolvida, porque os Estados pensam que são soberanos sobre os recursos naturais. Isso é verdade, mas até certo ponto. O argumento dos países não desenvolvidos é de que os países desenvolvidos acabaram com os próprios recursos para chegar a um patamar de desenvolvimento de vida e agora estão pedindo que os subdesenvolvidos não cheguem a esse patamar. Esse argumento não é positivo. É claro que os países subdesenvolvidos têm razão, porque todos têm o direito de se desenvolver, mas a verdade é que agora temos de compartilhar o que temos, ou seja, compartilhar a tecnologia, os recursos e alcançar uma gestão racional dos recursos naturais.

 

Veja o caso do Brasil. O país tem um desenvolvimento extraordinário porque tem recursos naturais, mas também porque tem tecnologia e o conhecimento que os países desenvolvidos construíram a partir da Revolução Industrial. Tudo é comum. Então, temos de olhar para isso. Deveríamos ainda ter uma autoridade — não sei como falar disso — para fazer a gestão dos recursos dos países e levar em conta os interesses de todos.

 

O segundo problema refere-se a como financiar a proteção ambiental ou o melhoramento do meio ambiente. Esse foi um fracasso relativo da Eco 92. A Agenda 21 foi um diagnóstico dos problemas ambientais e uma proposta de soluções, mas tinha um orçamento, como é natural. O problema é sempre quem paga: os países desenvolvidos no momento? Alguns países encabeçados pelos EUA não querem pagar. A “propriedade” dos recursos naturais é orçamento das mudanças que precisamos para proteger o meio ambiente. Esse é o aspecto ainda não resolvido.

 

IHU On-Line – No caso do Brasil, como vê as discussões acerca da Amazônia, entre aqueles que são a favor da sua internacionalização, e outros que defendem a Amazônia como patrimônio brasileiro?

Gabriel Real Ferrer – A legislação internacional é contra a biopirataria. Acho que não é contraditório que a gestão da Amazônia seja de interesse dos brasileiros, mas também seja de interesse da humanidade. Não há contradição, somente tem de achar o equilíbrio, porque a exploração da Amazônia, para o interesse dos brasileiros do futuro, também tem de ser sustentável.

 

A discussão de “é meu ou é meu” faz parte do passado. Sempre temos de procurar os interesses econômicos que estão por trás do debate. E normalmente vamos encontrá-los.

 

IHU On-Line – Em relação à interferência econômica, alguns ambientalistas brasileiros criticaram o lobby de grandes empresas poluidoras e do setor privado (aos mercados, investidores e da oportunidade de negócios com o clima) na COP-19 e dizem que o lobby foi referenciado pela ONU, que tem uma abordagem de mercado. A crítica é consistente?

Gabriel Real Ferrer – Sim, é uma crítica consistente. Lamentavelmente, cada dia mais os
Estados e as organizações internacionais são penetrados pelo lobby. Al Gore, que publicou recentemente o livro O Futuro, fala de como as leis, nos EUA, estão sendo criadas nos escritórios de advogados de grandes interesses econômicos e repassadas para os congressistas. Isso está acontecendo. No que se refere às organizações internacionais, esta é uma crítica ao Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente – PNUMA, o qual aponta algumas propostas, mas, por outro lado, defende interesses das corporações. Basta ver tudo o que está por trás do movimento da Economia Verde.

 

IHU On-Line – São velhas práticas com um novo verniz?

Gabriel Real Ferrer – Efetivamente é assim. Mas temos de alertar sobre isso. Eu faço uma crítica ao conceito de desenvolvimento sustentável, porque ele é um conceito elaborado para que o crescimento continue crescendo. Temos de ser mais críticos com isso, porque sustentabilidade não é desenvolvimento sustentável. O desenvolvimento sustentável pode ser uma ferramenta para a sustentabilidade em alguns setores.

 

O discurso oficial é que, se não há desenvolvimento sustentável, voltaremos à Idade Média. Isso não é verdade. Podemos globalizar ou não, crescer ou não, desenvolver ou evoluir.

 

Depende do momento, do lugar, do setor. Portanto, os discursos são todos na mesma via: crescer, crescer, crescer. Mas temos de procurar a sustentabilidade, ou seja, dar ênfase não para o crescimento, mas para a felicidade. Vivemos hoje numa sociedade do consumo e temos de chegar à sociedade da felicidade, e não à sociedade das coisas. Nós precisamos de saúde, cultura. É claro que precisamos atender às necessidades, mas é necessário ter um celular novo a cada seis meses? Isso não é felicidade. Por isso falo que se trata de uma revolução cultural: se não mudarmos o jeito de pensar, não há como mudar.

 

“O único sucesso da Rio+20 foi não ter permitido um retrocesso”

IHU On-Line – O senhor atuou como consultor do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente – PNUMA. Como acontecem as reuniões e que temas têm sido discutidos pela ONU em relação a essa questão? Como avalia o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente?

Gabriel Real Ferrer – Esse é um tema muito complexo. Trabalhei para o PNUMA na área de formação — e não na de negociação —, que é mais restrita às pessoas ligadas aos Estados. De todo modo, os processos de negociação são complexos. Por que Rio+20 fracassou? Por que não houve preparação. A Eco 92 começou a ser preparada seis anos antes. À época ocorreram muitas reuniões, e as discussões foram progredindo para se redigir um texto final depois da elaboração de muitos rascunhos.

 

As reuniões acontecem do seguinte modo: cada Estado envia um representante, que apresenta a sua ideia. Há uma redação prévia do tema discutido, e aquilo sobre o qual os países não concordam fica entre colchetes. Então, em cada reunião, os membros falam dos temas que estão entre colchetes e assim vão progredindo até que estes temas sejam acordados entre os participantes. Quando chegou a Eco 92, havia poucos colchetes e a reunião durou duas semanas, enquanto a Rio+20 durou quatro dias e não havia colchetes porque não se tinha progredido o suficiente nos textos a serem aprovados.

 

O processo é bem complexo e cada conferência tem muitas “precons” (pré-conferências). Nas precons da Rio+20 não existiam acordos. No dia do evento não havia acordos, e por isso o resultado foi uma declaração feita durante a madrugada do último dia. Ou seja, um rascunho de 80 páginas virou um texto final de 40 páginas, porque a presidente Dilma tinha de conseguir algo para ter um resultado; do contrário, o fracasso seria ainda pior.

 

Desde Johannesburgo, em 2002, o projeto era converter o PNUMA em ONUMA, ou seja, subir de nível a organização. Isso ainda não é possível porque não há interesse dos Estados, pois a criação dessa organização significa mais controle. Lamentavelmente, agora as Nações Unidas têm muita influência do lobby e por isso não há uma progressão das normas. Nesse sentido, a ONU está perdendo a referência e não é eficaz. É preciso reformular essas estruturas. Veja o exemplo da Crimeia. Quem tem o poder é quem tem a força.

 

Depois da Primeira e da Segunda Guerra Mundial, os EUA exerciam uma influência em todo o mundo: eram a polícia do planeta, mas já não são mais, porque o jogo de forças mudou.

 

Os EUA ainda são muito importantes, mas não são mais a polícia do planeta, nem são mais a liderança mundial, porque perderam para a China no aspecto econômico e para a Rússia nos aspectos energéticos. Então, estamos agora sem autoridade mundial, seja boa ou ruim.

 

Esse espaço de poder tem de se recompor. E o pior é que não há interesse em criar essa governança global.

 

IHU On-Line – Quais são os princípios, as questões inegociáveis que devem estar presentes no acordo que irá substituir Kyoto em 2015?

Gabriel Real Ferrer – Não sou especialista em mudanças climáticas, mas os países devem caminhar para um acordo de redução das emissões de gás carbônico. Porém, a questão é: o acordo que irá substituir Kyoto não pode ser voluntário. A União Europeia assinou o Protocolo de Kyoto, mas os setores industriais alegam que seus produtos são mais caros porque eles precisam reduzir as emissões. Como os EUA não assinaram o acordo, os produtos europeus acabam concorrendo com os norte-americanos, que são mais baratos. No fundo, a questão é a concorrência. Todos os países querem que os produtos sejam mais competitivos. E, nesse mundo global, os países que assinaram o Protocolo de Kyoto estão em piores condições que os demais. Isso tem de mudar de alguma maneira, pois do contrário não será possível avançar.

 

Em segundo lugar, temos de trabalhar na área científica e tecnológica para melhorar os mecanismos de captação. Não somente reduzir as emissões, mas progredir cientificamente nos processos de captação e confinamento de gás carbônico. Sou um tanto pessimista.

 

As quatro grandes conferências da ONU sobre o meio ambiente foram a de Estocolmo, a Eco 92, a de Johannesburgo e a Rio+20. Entre Estocolmo e a Eco 92, estava prevista a conferência de Nairóbi, em 1982, mas não foi convocada por falta de interesse. Então, eu costumo dizer que a primeira conferência foi a da descoberta, quando descobrimos o problema ambiental. A segunda foi a da esperança, pois tínhamos a esperança de mudanças, com o fim da Guerra Fria. A terceira conferência foi a da indiferença, pois não aguardávamos nada. Mas a Rio+20 foi a conferência do medo, porque tínhamos medo de uma regressão e um retrocesso nos postulados da Eco 92. O único sucesso da Rio+20 foi não ter permitido um retrocesso, já que a declaração final reiterou a necessidade de manter os progressos da Eco 92. Agora estamos um tanto desconcertados, porque os poderes econômicos estão em guerra com outra forma de olhar o mundo. É uma guerra de todos os dias.

(Por Patricia Fachin)

Fonte: IHU – Unisinos

Direito Ambiental e a gestão de desastres naturais


Entrevista especial com Délton Winter de Carvalho

“A ocorrência de desastres está comumente ligada a um déficit regulatório do Direito Ambiental, seja pela ocupação irregular de áreas de proteção permanente, pelo descumprimento de padrões preventivos previstos nos licenciamentos ambientais, pela ocupação desordenada do solo, ou pela injustiça ambiental, entre outros exemplos possíveis”, adverte o advogado.

 

Foto: Portal no ar

As catástrofes ambientais não são mais uma preocupação apenas dos profissionais da área ambiental. Os riscos e prejuízos ocasionados pelos desastres naturais têm sido um tema constante no setor jurídico, especialmente entre os pesquisadores que atuam na área do Direito de Desastres. Um dos entusiastas das discussões sobre o assunto, Délton de Carvalho, professor do curso de Direito da Unisinos, assegura que “um Direito Ambiental eficaz tem relação direta com a gestão dos desastres”.

 

Em entrevista à IHU On-Line por e-mail, ele salienta que o Direito tradicional deve estar atento e sensível à complexidade e às demandas ambientais. Nesse sentido, pontua, “um grande desafio à capacidade estrutural do Estado para lidar com as consequências do fenômeno das mudanças climáticas, no que toca especificamente à intensificação de desastres climáticos, consiste em tornar prioritárias as ações e os investimentos em prevenção e gestão de risco. Hoje, os números de investimento governamental, em nível federal, atestam que os maiores investimentos são despendidos apenas após a ocorrência dos desastres, sendo uma ínfima parte investida em prevenção e mitigação. Assim, conforme visto anteriormente, o novo marco regulatório indica uma necessária mudança de ênfase nas políticas de gestão de desastres, devendo priorizar as medidas preventivas e mitigatórias, a fim de evitar ou minimizar as consequências lesivas de tais fenômenos”.

 

Segundo Carvalho, as secas e a estiagem são os desastres climáticos mais frequentes no Brasil, apesar de as inundações e os deslizamentos de terra ocasionarem mais mortes e perdas econômicas. Entretanto, aponta, “a legislação brasileira, em especial a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil (Lei n. 12.608/2012), demonstra um foco maior neste perfil (prevenção de inundações bruscas, deslizamentos de grande impacto e processos hidrológicos ou geológicos correlatos) sem, contudo, limitar a abrangência do sentido de desastre, que também compreende os humanos (acidentes tecnológicos e industriais) e os mistos (compostos por fatores naturais e humanos)”. E esclarece: “Até a promulgação da Lei de Política Nacional de Proteção e Defesa Civil, em 2012, o sistema legal tinha uma ênfase meramente compensatória aos desastres. Após a introdução do novo marco regulatório, houve a atribuição prioritária às ações de prevenção e mitigação de desastres”.

 

O tema da entrevista a seguir será tratado no I Congresso de Direito, Biotecnologia e Sociedades Tradicionais, promovido pelo Programa de Pós-Graduação – PPG de Direito da Unisinos, nos dias 25 e 26 de março.

 

Délton Winter de Carvalho é mestre e doutor em Direito pela Unisinos e pós-doutor em Direito Ambiental e dos Desastres pela Univeristy of California, Berkeley. É coordenador e professor da Especialização em Direito Ambiental da Unisinos e do Programa de Pós-Graduação – PPG em Direito da Unisinos. É membro do Conselho de Meio Ambiente da FIERGS – CONDEMA. Autor dos livros Dano ambiental futuro: a responsabilização civil pelo risco ambiental (Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013) e Direito dos Desastres (Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013).

 

Foto: Direito de Fronteira

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Quais são as atribuições do Direito dos Desastres?

Délton Winter de Carvalho – O Direito dos Desastres tem como atribuições a regulação e a orientação normativa de ações e estratégias para prevenção, mitigação, respostas de emergência, compensação e reconstrução das áreas atingidas por desastres.

 

Pode ser dito que este ramo do Direito consiste em uma radicalização do próprio Direito Ambiental, em que as mudanças climáticas, o desenvolvimento tecnológico e o crescimento populacional desordenado transformam danos em desastres ambientais.

 

A unidade e a autonomia deste ramo decorrem de uma necessária circularidade na gestão dos riscos, ou seja, em todas as fases de um desastre (prevenção, mitigação, resposta de emergência, compensação e reconstrução) deve-se lançar mão de estratégias e instrumentos para prevenir o agravamento dos eventos catastróficos. Trata-se de um processo circular em que, mesmo em fases como a compensação de vítimas e reconstrução de áreas atingidas, as decisões políticas, jurídicas e econômicas devem ser pautadas pela prevenção e mitigação de riscos de novos desastres idênticos.

 

Um dos fatores de maior destaque trazido pelo Direito dos Desastres é exatamente a revelação de que não existem desastres puramente “naturais”, pois a concretização dos desastres, mesmo que desencadeados por fatores naturais, depende sempre de vulnerabilidades sociais, representadas em fatores como desigualdades, ocupação de áreas de risco, falta de informação adequada, exposição a riscos, etc.

 

"Em matéria de direito ambiental, a palavra de ordem é a prevenção"

IHU On-Line – Como o Direito tem tratado os problemas derivados de catástrofes climáticas?

 

Délton Winter de Carvalho – Primeiramente, deve-se entender o perfil de desastres no país. Segundo estudos, tais como o Relatório de 2007 do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas – IPCC e o Atlas Brasileiro de Desastres Naturais, os desastres climáticos mais frequentes no Brasil são as secas e a estiagem.

 

Contudo, são as inundações e os deslizamentos de terras os que mais ocasionam mortes e perdas econômicas. Neste sentido, a legislação brasileira, em especial a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil (Lei n. 12.608/2012), demonstra um foco maior neste perfil (prevenção de inundações bruscas, deslizamentos de grande impacto e processos hidrológicos ou geológicos correlatos) sem, contudo, limitar a abrangência do sentido de desastre, que também compreende os humanos (acidentes tecnológicos e industriais) e os mistos (compostos por fatores naturais e humanos).

 

Até a promulgação da Lei de Política Nacional de Proteção e Defesa Civil, em 2012, o sistema legal tinha uma ênfase meramente compensatória aos desastres. Após a introdução do novo marco regulatório, houve a atribuição prioritária às ações de prevenção e mitigação de desastres.

 

Para tanto, os municípios que tenham ocorrências de desastres ligados a inundações bruscas, deslizamentos de grande impacto e eventos hidrológicos e geológicos correlatos devem estar inseridos em um cadastro nacional específico. Estes municípios têm o dever de realizar mapas de áreas de risco, confeccionados a partir de cartas geotécnicas, que, por seu turno, devem influenciar Planos Diretores Municipais, a fim de evitar novas ocupações de áreas de risco.

 

IHU On-Line – Quais são as principais dificuldades jurídicas e legislativas em relação a casos de catástrofes naturais?

Délton Winter de Carvalho – Os desastres estão constantemente ligados a riscos que, apesar de sua baixa probabilidade de ocorrência, apresentam consequências potencialmente catastróficas. Por esta razão, as principais dificuldades jurídicas e legislativas são capacitar Direito e Política a deter instrumentos capazes de decidir em contextos de ausência de informação conclusiva ou de eventos altamente improváveis. O grave problema é que é provável que eventos altamente improváveis um dia ocorram.

 

IHU On-Line – O senhor diz que a complexidade das relações que envolvem questões ambientais encontra dificuldade de comunicação com o Direito clássico. Quais seriam, então, novas formas de atuação necessárias para o Direito Ambiental dar conta dessa questão?

Délton Winter de Carvalho – Bem, a tradição do Direito como sistema social se configura predominantemente com base em decisões e processos influenciados principalmente pelo passado (jurisprudência, doutrina e legislações), quando novas tecnologias e os novos desafios ambientais dependem de inovações. Esta necessidade se dá em grande parte pela falta de conhecimento conclusivo sobre as consequências da utilização das novas tecnologias, permeadas por incertezas científicas quanto a probabilidades e magnitudes.

 

Estas incertezas são potencializadas quando os conflitos submetidos ao judiciário dizem respeito a riscos de danos futuros. Em síntese, o Direito Ambiental tem que inserir o horizonte futuro em suas construções conceituais e em seus processos de decisão, a fim de evitar danos irreversíveis. Isto é feito por meio de Princípios de Direito Ambiental como os da Prevenção (antecipação a riscos conhecidos), da Precaução (prevenção a riscos desconhecidos ou incertos) e da Equidade Intergeracional (assegurar que as presentes gerações transmitam um ambiente equilibrado às futuras gerações).

 

Outra necessária ruptura entre as demandas ambientais e o Direito tradicional consiste na necessária sensibilização do Direito à complexidade ambiental. Um dos pontos mais importantes, neste sentido, é a necessária capacidade do Direito em compatibilizar decisões sobre matérias marcadas por incerteza científica, assegurando, de outro lado, seus elementos internos ao Estado de Direito, tais como juridicidade, validade, contraditório, ampla defesa e devido processo legal. Um exemplo neste sentido é a formação, cada vez mais constante, de varas judiciais especializadas em Direito Ambiental, as quais tendem a ser mais sensíveis às especificidades necessárias a uma interpretação jurídica da técnica.

 

Outro exemplo de inovação jurídica consiste na adoção de novas técnicas para análise das provas ambientais em contextos de incerteza científica, como é o caso, por exemplo, da Teoria das Probabilidades, que fundamenta a análise das provas tendo por base as probabilidades descritas pela perícia judicial acerca das atividades possivelmente responsáveis por uma dada contaminação. Ainda em relação à prova das causas de contaminações, também tem sido aplicado pelos Tribunais brasileiros a inversão do ônus da prova, imputando ao potencial responsável a obrigação de provar a sua inocência ambiental, sob pena de condenação a reparar determinados danos.

 

"O Direito deve garantir o fluxo de informações acerca dos riscos dos produtos e das novas tecnologias"

IHU On-Line – E no que se refere aos desastres em biotecnologia?

 

Délton Winter de Carvalho – Os riscos biotecnológicos são riscos marcados por uma grande precariedade dos dados científicos quanto as suas probabilidades ou suas consequências, típicos exemplos do desenvolvimento tecnológico recente. Neste sentido, ao mesmo tempo que tais tecnologias trazem a expectativa de benefícios exponenciais, também apresentam sérios riscos, tais como fluxo gênico entre espécies geneticamente alteradas e as espécies nativas, com consequências desconhecidas ao meio ambiente e à saúde humana.

 

Para riscos que envolvem atividades com um forte apelo econômico, expectativa de benefícios, porém dotados de uma precariedade no conhecimento acerca de sua potencialidade lesiva, como é o caso da biotecnologia, destaca-se a necessidade do Direito de impor deveres de monitoramento ambiental ao empreendedor, por meio de controles documentados que devem ser cobrados pelas instituições responsáveis.

 

A meu ver, o problema mais grave no que diz respeito à biotecnologia na legislação brasileira (em especial a Lei n. 11.105/2005) é que esta atribui exclusivamente a um órgão eminentemente técnico e político (CTNBio) a análise de se uma determinada pesquisa ou atividade deve se submeter a um processo de licenciamento ambiental. Assim, a legislação específica acaba bloqueando o controle ambiental de tais técnicas, uma vez que a CTNBio tem um perfil eminentemente pró-biotecnologia. Este bloqueio normativo da biotecnologia ao controle imediato dos órgãos ambientais parece-me, no mínimo, inconstitucional.

 

IHU On-Line – Qual é a capacidade estrutural do Direito Ambiental e das políticas públicas ambientais do Estado para lidar com as consequências do fenômeno das mudanças climáticas?

Délton Winter de Carvalho – Um grande desafio à capacidade estrutural do Estado para lidar com as consequências do fenômeno das mudanças climáticas, no que toca especificamente à intensificação de desastres climáticos, consiste em tornar prioritárias as ações e os investimentos em prevenção e gestão de risco.

 

Hoje, os números de investimento governamental, em nível federal, atestam que os maiores investimentos são despendidos apenas após a ocorrência dos desastres, sendo uma ínfima parte investida em prevenção e mitigação. Assim, conforme visto anteriormente, o novo marco regulatório indica uma necessária mudança de ênfase nas políticas de gestão de desastres, devendo priorizar as medidas preventivas e mitigatórias, a fim de evitar ou minimizar as consequências lesivas de tais fenômenos.

 

Outros desafios consistem na necessária integração entre diversos órgãos e instituições em todos os níveis governamentais, tais como órgãos de segurança pública, órgãos ambientais, defesa civil, entre outros, juntamente com atores privados. Isto decorre do caráter multifacetado dos desastres, os quais podem atingir diversas esferas da sociedade.

 

Finalmente, a ocorrência de desastres está comumente ligada a um déficit regulatório do Direito Ambiental, seja pela ocupação irregular de áreas de proteção permanente, pelo descumprimento de padrões preventivos previstos nos licenciamentos ambientais, pela ocupação desordenada do solo, pela injustiça ambiental, entre outros exemplos possíveis. Assim, um Direito Ambiental eficaz tem relação direta com a gestão dos desastres.

 

“Quanto maior o fluxo de informações sobre os riscos ambientais,maior a capacidade de mobilização de uma comunidade para sua gestão"

IHU On-Line – Em que consiste a responsabilização civil pelo risco ambiental? Existe alguma normativa nesse sentido?

 

Délton Winter de Carvalho – A responsabilidade civil tem, tradicionalmente, tido sua aplicação limitada apenas a casos de danos já concretizados. Em matéria ambiental, este cenário mostra-se diferente. Em matéria de direito ambiental, a palavra de ordem é a prevenção, em virtude da constante irreversibilidade dos danos ambientais.

 

Em diversas tradições jurídicas, tem-se mostrado como uma tendência à possibilidade de utilização do instituto da responsabilidade civil para impor deveres de prevenção quando houver riscos de danos massivos, como é o caso do direito norte-americano, ou danos irreversíveis, como é o caso da tradição europeia.

 

No caso brasileiro, este processo já teve início, sobretudo com a desvinculação do dano como condição para caracterização do ilícito civil, prevista no art. 187 do Novo Código Civil. Também, a legislação ambiental, em especial art. 225 da Constituição e art. 3º da Lei da Ação Civil Pública, estabelece que as ações judiciais ambientais não dependem de dano para o seu ajuizamento, podendo estar baseadas na existência de graves riscos ambientais.

 

As medidas preventivas podem consistir na imposição de obrigações de fazer ou não fazer, tendo como exemplos possíveis as instalações de filtros, a adoção das melhores tecnologias disponíveis, o controle e o monitoramento documentados, podendo chegar, em última instância, na própria interdição preventiva da atividade, dependendo da gravidade do risco.

 

IHU On-Line – Que relações o senhor estabelece entre os desastres ambientais e o uso de novas tecnologias?

Délton Winter de Carvalho – Uma das fontes de desastres tecnológicos é a precariedade de informação. Não é possível gerenciar riscos para os quais não se tenha conhecimento. Assim, o Direito tem uma função de efetuar um processo de desmonopolização do conhecimento científico, expondo à coletividade os benefícios, as dúvidas e os riscos destas tecnologias.

 

Os tribunais, neste sentido, têm uma função de desconstrução construtiva da autoridade dos experts, tornando transparentes os valores, preconceitos e suposições sociais envolvidas na adoção de novas tecnologias. O Judiciário também exerce a importante função de educação cívica sobre a ciência e a tecnologia, produzindo informações não apenas aos litigantes, mas a toda uma comunidade possivelmente afetada pela questão.

 

Assim, o Direito deve garantir o fluxo de informações acerca dos riscos dos produtos e das novas tecnologias, estabelecendo quem e o que deve ser publicizado. Há, portanto, um direito constitucionalmente assegurado no sentido do dever dos empreendedores em prestar informações relevantes ambientalmente e à saúde dos consumidores.

 

Quanto maior o fluxo de informações sobre os riscos ambientais de uma atividade, maior a capacidade de mobilização de uma comunidade para sua gestão, evitando a ocorrência de desastres.

 

IHU On-Line – Como a teoria da sociedade de risco, de Ulrich Beck, contribui para fundamentar o Direito Ambiental?

Délton Winter de Carvalho – A teoria da sociedade de risco de Ulrich Beck tem sido muito utilizada no Direito Ambiental, uma vez que esta descreve a sociedade pós-industrial a partir do risco e seu protagonismo nas relações sociais contemporâneas. Para Beck, os riscos contemporâneos são marcados por uma invisibilidade sensorial e científica, bem como pela globalidade de seus efeitos. Sua maior potencialidade lesiva é acompanhada por uma maior incapacidade da ciência em descrevê-los, dificultando ao Direito e à Política a sua gestão.

 

Esta teoria, portanto, tem estimulado o Direito Ambiental a compreender melhor os riscos contemporâneos, em suas especificidades técnicas e percepções sociais, permitindo ao Direito formar padrões válidos de decisões jurídicas em contextos de incerteza e que tenham por função inibir a concretização dos riscos em danos ambientais graves.

 

Fonte: IHU – Unisinos