Márcio Luís de Oliveira* e José Adércio Leite Sampaio**
O sistema jurídico-constitucional peruano, como todos os sistemas jurídicos instituídos após a Segunda Guerra Mundial, é dotado de várias normas programáticas. A vigente Constituição do Peru, datada de 1993, e positivada sob os auspícios da progressiva conscientização ambiental da década de 1990, também contém diversos dispositivos de proteção ao meio ambiente, aos recursos naturais e às múltiplas comunidades nativas, em especial ao ambiente e aos povos da extensa área da Amazônia peruana.
A legislação infraconstitucional peruana detalha as normas da Constituição e, em certa medida, é bastante moderna em diversas questões ambientais. Contudo, em outros aspectos, é lacônica, como é o caso da proteção da biodiversidade do país. Observa-se que, embora haja um enorme acervo genético concentrado na porção peruana da floresta amazônica, esse tema ainda demanda uma regulamentação adequada.
Por sua vez, as populações locais e, sobretudo, as indígenas têm participação na gestão dos recursos naturais, assim como recebem compensações por sua exploração pela iniciativa privada, além de eventuais indenizações. Entretanto, essas populações locais são facilmente sujeitas à submissão de interesses escusos internos e externos, o que as leva a colaborar com a depredação ambiental por facilitarem a exploração de seus recursos naturais e até culturais, de modo ilícito ou mesmo pela ausência da regulamentação em algumas circunstâncias.
Assim, fica patente a necessidade de reorganização da gestão pública dos recursos naturais no Peru, bem como a descentralização do Estado e a participação mais efetiva da sociedade nesses temas que lhe são afetos.
Somada a essas considerações, está o fato evidente de a Amazônia constituir-se área de interesse de todos os Estados e povos que nela habitam e onde possuem partes importantes e extensas de seus territórios. Nesse sentido, qualquer gestão eficiente da região não pode ficar a cargo exclusivo dos países amazônicos. Ao contrário, a proteção da floresta amazônica, conjugada à legitimidade do desenvolvimento sustentável dos povos que nela habitam, perpassa o interesse continental e deve, portanto, ser objeto de sinergia dos governos locais, regionais e nacionais, e com real participação das comunidades que nela vivem.
Contudo, e ainda que o termo seja vago e permita pluralidade semântica, as múltiplas noções acerca do “desenvolvimento sustentável” vêm, ainda que timidamente, estabelecendo critérios críticos para as atuais relações de poder econômico-político que se impõem sobre as sociedades, nas suas relações com o planeta. Entretanto, as novas gerações, na grande maioria dos países – e, em especial, naqueles situados na região da Amazônia Internacional – ainda não começaram a adquirir conscientização ambiental nos primeiros anos de educação, o que tem dificultado a profusão e a afirmação de uma cultura holística que se assente em relações humanas emancipatórias e ambientalmente sustentáveis.
Assim, as legislações de proteção, uso, ocupação e exploração dos recursos naturais da Amazônia só se efetivarão com a conscientização de seus povos e com a atuação firme e conjugada dos governos dos Estados amazônicos.
Nesse cenário, a harmonização da legislação e da gestão da Amazônia pelos Estados da região, observadas as particularidades geográficas, sociológicas e econômicas, é matéria que se impõe. A compartimentalização dos sistemas jurídicos só promove o caos e acaba por beneficiar interesses escusos na região, colocando em risco a sobrevivência dos povos nativos e do ecossistema amazônico.
*** Este texto é o sétimo da série de nove artigos sobre jurisdição ambiental dos países que compõem a Pan-Amazônia. A versão integral do livro Pan-Amazônia: O ordenamento jurídico na perspectiva das questões socioambientais e da proteção ambiental está disponível gratuitamente no site da Editora Dom Helder. Leia amanhã texto de Lorena Rodrigues Belo da Cunha sobre o Suriname.
Leia também:
Bolívia traz inovações na legislação ambiental
Legislação brasileira é pouco efetiva
Amazônia colombiana não tem leis específicas
Natureza tem patamar de sujeito de direitos
Legislação esbarra em problemas estruturais
Guiana Francesa enfrenta desafios para aplicar leis
*Doutor e mestre em Direito (UFMG), professor da Dom Helder Escola de Direito; professor da Faculdade de Direito da UFMG; professor-Visitante na Universidad Complutense de Madri (Espanha); professor-colaborador na The Hague University of Applied Sciences (Países Baixos); consultor-geral da Consultoria Técnico-Legislativa do Governo de Minas Gerais.
**Doutor e mestre em Direito, coordenador e professor do Programa de Pós-Graduação da Dom Helder Escola de Direito, professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC/MG) e procurador da República.