Informação ambiental: um direito de todos


   No Brasil, vigora desde 2003 a lei n° 10.650 que garante o acesso público às informações ambientais que existem nos órgãos e entidades integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente. Entretanto, essa legislação ainda é desconhecida do público, na avaliação da advogada Thais Maeia Leonel do Carmo, especialista em Direito Ambiental pela UCLM (Universidad de Castilla-La Mancha) e doutoranda pela UBA (Universidad de Buenos Aires), professora da FMU e membro da Comissão de Sustentabilidade e Meio Ambiente da OAB/SP.

   Com essa lei, os órgãos do SISNAMA são obrigados a permitir o acesso público aos documentos, expedientes e processos administrativos que abordem a matéria ambiental, fornecendo toda e qualquer informação ambiental, em especial as relativas à qualidade do meio ambiente.

   “Entretanto, há uma série de fatores que atuam como um muro de divisão que afasta a possibilidade do acesso à informação ambiental” inclusive, a própria falta de informação é um desses “complicadores”, pondera a especialista.

   Agora outra lei, em vigor desde 16 de maio, a Lei de Acesso à Informação, lei nº 12.527/2011, que tem origem no PLC 41/2010, deve modificar esse cenário e garantir maior acesso às informações ambientais disponíveis no governo.

   Segundo Thais Leonel, a nova lei revela a consolidação democrática e a efetiva proteção do meio ambiente, “pois informando se permite que os cidadãos sejam formados, tornando-se aptos a interferirem no processo de tomada de decisões, cumprindo assim a imposição do dever de preservação e defesa do meio ambiente”.

   A especialista ainda ressalta que a distribuição de informação não deve apenas se restringir ao formato eletrônico e devemos usar todas as formas, como impressa, televisiva, para a divulgação das informações. Veja com exclusividade, a entrevista de Thais Maria Leonel do Carmo ao Observatório Eco.

Observatório Eco: O tema informação ambiental é normatizado na lei 10.650/2003, qual a importância dessa legislação em específico?

Thais Maria Leonel do Carmo: O tema informação ambiental, ainda que tenha sua previsão em documentos como a Lei 6.938/81, ainda é desconhecido no Brasil. Foi somente em 2003, com a entrada em vigor da Lei n 10.650 que pudemos entender a importância deste diploma legal que tem como finalidade dispor sobre o acesso público aos dados e informações ambientais existentes nos órgãos e entidades integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente.

   Referidos órgãos ficam, por força desta lei, obrigados a permitir acesso público aos documentos, expedientes e processos administrativos que tratem de matéria ambiental fornecendo toda e qualquer informação ambiental que esteja sob sua guarda,  em especial as relativas à qualidade do meio ambiente; políticas, planos e programas potencialmente causadores de impacto ambiental; resultados de monitoramento e auditoria nos sistemas de controle de poluição e de atividades potencialmente poluidoras, bem como de planos e ações de recuperação de áreas degradadas; acidentes, situações de risco ou de emergência ambientais; emissões de efluentes líquidos e gasosos, e produção de resíduos sólidos; substâncias tóxicas e perigosas; diversidade biológica; organismos geneticamente modificados.

   Assim, fica fácil compreender sua importância dentro do Estado Democrático de Direito, que tem fundamentos claros e objetivos, a exemplo da cidadania e da dignidade da pessoa humana.

OE: Por outro lado, o Brasil até hoje não aderiu à Convenção de Aarhus sobre Acesso à Informação, Participação do Público no Processo de Tomada de Decisão e Acesso à Justiça em Matéria de Ambiente  adotada em 25 de Junho de 1998, na cidade dinamarquesa de Aarhus, durante a 4ª Conferência Ministerial “Ambiente para a Europa” e que entrou em vigor em 30 de Outubro de 2001. Como você avalia essa distância do Brasil em relação a esta convenção? O que justificaria o Brasil não ter acolhido essa convenção?

TMLC: O Brasil não precisa aderir à esta Convenção pois a própria Constituição Federal oferece garantia para o acesso de informações desta natureza. Isto porque estamos estruturados em Estado Democrático de Direito.  

   Ademais é de se considerar que a Convenção de Aarhus seguiu o telos da Declaração do Rio de 1992, que afirma ser a participação popular de todos os cidadãos o melhor modo de tratar as questões ambientais e em específico o controle da Administração, bem como a diminuição das alterações do clima.

   Fácil, portanto, perceber que a “distância” não é tão expressiva visto que o objetivo do convenção foi estabelecer três pilares já referenciados no princípio 10 da Declaração do Rio, quais sejam: a) reconhecimento do direito das pessoas ao acesso a informação ambiental; b) direito a participar nos processos de tomada de decisões; c) garantia ao acesso à justiça.

 No Brasil, a Constituição Federal garante direito à informação, bem como à publicidade dos documentos sob a guarda da Administração Pública. Apesar de ser uma grande conquista constitucional, vez que tais direitos estão elevados à condição de direitos fundamentais por força do art. 5º, incisos XIV e XXXIII.

   Entretanto, há uma série de fatores que atuam como um muro de divisão que afasta a possibilidade do acesso à informação ambiental, sendo – de forma tragicômica e esquizofrênica – a própria falta de informação um desses complicadores.

OE: Muitos sites dos governos usam esse espaço como uma plataforma de propaganda de suas ações do que como instrumento de informação ambiental, qual a sua avaliação sobre isso?

TMLC: Vivemos em uma sociedade que é da informação e temos, dentro desta perspectiva, como conglomerado de redes responsáveis pela veiculação da informação, a internet.

   Esse espaço virtual que fornece, guarda e veicula informações ainda carece de regulamentação no nosso país, o que não está longe de acontecer, a exemplo do Marco Regulatório da Internet, Projeto de Lei que busca regulamentar o uso da internet no nosso país.

  Entretanto, é extremamente necessário ressaltar que essa não é a única maneira de prestar informação. A própria Lei nº 10.650/03 determina que as informações sejam prestadas em meio escrito, visual, sonoro ou eletrônico.

OE: Mas afinal o que significa informação ambiental? Qual o alcance dessa informação?

   A definição de Informação Ambiental é dada pela Convenção de Aarhus que reconhece informação ambiental como qualquer informação apresentada sob a forma escrita, visual, oral, eletrônica, ou outra, sobre o estado dos elementos ambientais, locais de interesse paisagístico e natural, diversidade biológica, fatores relacionados à energia, medidas administrativas, acordos, política, legislação, planos e programas ambientais, análises econômicas que afetem a tomada de decisões de caráter ambiental, o estado da saúde e condições humanas e outras condições ambientais físicas que possam ser afetadas por atividades ou medidas de interesse ambiental. 

   No Brasil, a aprovação do Projeto de Lei Complementar PCL nº 41/2010, de 30 de abril de 2010, atual lei 12.527/2011, dispõe sobre o processo que garante ao cidadão acesso às informações. É dessa lei que extraímos o conceito de informação como os dados, processados ou não, que podem ser utilizados para produção e transmissão de conhecimento, contidos em qualquer meio, suporte ou formato (art. 4º, inc. I).

   Com a entrada em vigor da lei citada, agora em maio, estamos diante de uma nova e importante postura que revela a consolidação democrática e a efetiva proteção do meio ambiente, pois informando se permite que os cidadãos sejam formados, tornando-se aptos a interferirem no processo de tomada de decisões, cumprindo assim a imposição do dever de preservação e defesa do meio ambiente, a fim de que ele seja e esteja ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações.

Assim, seu campo de alcance deve ser o mais amplo possível, o que serve de argumento para a ideia de que essa informação não deve estar reduzida ao campo da internet.

OE: Existe transparência na divulgação de informação ambiental em temas polêmicos, como desastres ambientais, licenciamentos de grande porte, diminuição de áreas florestais nacionais, por exemplo?

TMLC: Essa é, sem dúvida, a questão mais difícil de ser respondida, não só pela sua especificidade, mas principalmente pela realidade do povo brasileiro. Isto porque nosso país conta com aproximadamente 15 milhões de analfabetos, segundo o IBGE. Mais da metade da população brasileira não possui acesso ao saneamento básico. Sem condições básicas para sobrevivência, essas pessoas sequer sabem que têm direito a receber informações adequadas.

   Ainda temos que melhorar muito em relação à garantia de informação ambiental a fim de tentarmos viver de forma digna em um ambiente sadio e equilibrado, afinal de contas o direito à informação ambiental é instrumento de implementação de todos os princípios norteadores do direito ambiental, com finalidade de, como pilar do desenvolvimento sustentável e portador da condição de fundamental, atingir uma sociedade que possua e mantenha o meio ambiente equilibrado, garantindo aos seus cidadãos vida digna.

OE: Saindo do Brasil, como o tema da informação ambiental é tratado em outros países?

TMLC: A temática, que já é alvo de discussões por inúmeros países, como Estados Unidos, União Europeia, México, Uruguai e Argentina, tem encontrado respaldo na legislação espanhola. Na Espanha, a matéria é enfrentada desde a edição da Lei nº 38/1995 (modificada pela Lei nº 55/1999) que trata do acesso à informação em matéria ambiental.

   Contudo, é importante ressaltar que a própria Constituição Espanhola em seu art. 45 já demonstra a ideia de participação ao chamar o cidadão para conservar o meio ambiente, responsabilidade esta que só se efetiva através da informação. A Comunidade Europeia firmou referido tratado a partir do qual a legislação das diversas comunidades passou por um período de adaptação para o cumprimento das exigências derivadas desses três pilares. 

   Nesse cenário aparecem a Diretiva 2003/4/CE do Parlamento Europeu e do Conselho – relativa ao acesso do público à informação ambiental – e a Diretiva 2003/35/CE do Parlamento Europeu e do Conselho – que estabelece medidas para a participação do público na elaboração de determinados planos e programas ambientais. É de se observar que desde 1990, por força da Diretiva 90/313/CEE do Conselho, já se discutia a liberdade do acesso à informação ambiental como forma de desenvolvimento e melhora do meio ambiente. Tal Diretiva foi substituída pela Diretiva 2003/4/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, que entre outras alterações aclarou a definição de informação ambiental.

   Assim, a Diretiva 2003/4/CE do Parlamento Europeu e do Conselho traz os seguintes objetivos, a saber: a) garantir o direito de acesso à informação ambiental em posse das autoridades públicas ou de outras entidades em seu nome, e estabelecer as normas e condições básicas, assim como modalidades práticas do exercício do mesmo; e b) garantir que, de ofício, a informação ambiental se difunda e se coloque à disposição do público paulatinamente com o objetivo de tais informações atingirem uma difusão e posta a disposição do público da forma mais ampla e sistemática possível. Para isso deverá fomentar-se, em particular, o uso da tecnologia de telecomunicação e/ou eletrônica, sempre que possa dispor da mesma.

   A exemplo do que ocorre na Espanha, com a aprovação da Lei nº 27/2006, que regula o acesso à informação, participação pública e acesso à justiça em matéria ambiental, observou-se grande avanço no sentido de efetivar referida condição para a própria viabilidade da cidadania. A Lei em questão tomou lugar da antiga legislação em matéria de informação ambiental que era regulada pela Lei nº 38/1999, traçando, de forma pontual, quais são os objetivos pretendidos, bem como definindo uma série de conceitos relativos à temática.

   Não poderíamos deixar de lembrar do emblemático caso ocorrido no Chile em que Claude Reyes e outros requereram do Comité de Inversiones Extranjeras do Chile informações sobre a ação da empresa florestal Trillium e sobre o Projeto Río Condor, que envolvia o desmatamento de vastas áreas e que potencialmente causaria sérios danos ambientais. As informações foram por diversas vezes negadas pelo governo chileno. O caso foi enviado à Corte Interamericana de Direitos Humanos que determinou a entrega das informações, por se tratar, o direito à informação, de direito fundamental.

   Na Argentina, o Sistema de Informação Ambiental Nacional – SIAN vige desde 1998 por força do Decreto 146/98 e posteriormente regulamentado pela Resolução 459/98. Isso porque o próprio artigo 41 da Constituição Argentina determina que as autoridades devem prover a proteção do ambiente sadio, equilibrado e apto para o desenvolvimento humano através da utilização racional dos recursos naturais, da preservação do patrimônio natural e cultural e da diversidade biológica e da informação e educação ambiental.

   Mais do que a análise comparativa de outros países, o que nos chama atenção é a grande necessidade de educar o povo brasileiro para que receba e exija receber informações que servirão de base para a efetivação de um meio ambiente ecologicamente equilibrado apto a permitir o desenvolvimento da vida com dignidade.

FONTE: Observatório Eco – Direito Ambiental