Comer peixe é mesmo saudável?


Dizem-nos que comer peixe é melhor. Que nos dá ácido gordo ômega 3, vitaminas B, cálcio, iodo… Mas, comer peixe é assim tão saudável? É mesmo benéfico para nós e para o meio ambiente? Que efeitos tem no fundo do mar e nas espécies marinhas? E nas comunidades locais? Quem sai ganhando com a sua crescente procura? Movem-se águas turvas nos anúncios da indústria pesqueira.

O consumo de peixe é excessivo. A sua produção mundial bateu um novo recorde em 2013 atingindo 160 milhões de toneladas, com a pesca de captura e a de aquacultura, face aos 157 milhões do ano anterior, segundo a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO). Uma tendência que se sustenta numa sólida procura nos mercados internacionais e aumento da mesma na Ásia Oriental e no sudeste asiático, especialmente na China. Na Europa, o Estado espanhol é um dos maiores consumidores, com uma média de 26,8 quilos de peixe por pessoa e por ano, segundo dados de Mercasa de 2011, apesar da queda que o seu consumo sofreu nos últimos tempos devido à crise.

 

Uma procura crescente que foi satisfeita pela expansão da aquacultura intensiva. Decalque e cópia do modelo de gana industrial, aplicado agora à pesca. Atualmente, um em cada dois peixes que comemos procede dessa produção. Trata-se de um modelo em crescimento que, se calcula, que em 2030 fornecerá quase dois terços de todo o peixe consumido no mundo, segundo o relatório A pesca até 2030: Perspectivas da pesca e da aquacultura do Banco Mundial e da FAO. No entanto, o negativo impacto, social e no meio ambiente, deste modelo, desde a sua instalação à “cultura” e processamento do pescado, é a outra face da moeda.

 

Peixe come peixe

A lógica do capital impacta de pleno na sua produção. Criam-se as espécies de alto valor econômico, as mais procuradas para o consumo. Na Noruega, o salmão; no Estado espanhol, a dourada, o robalo, a truta, o atum. A maioria, peixes carnívoros: peixe que por sua vez precisa de outro peixe para a engorda.

 

O jornalista Paul Greenberg, na sua obra ‘Quatro peixes. O futuro dos últimos alimentos selvagens’, deixa isso claro: para produzir 1 quilo de salmão são precisos 3 quilos de outras espécies de peixe e para 1 quilo de atum, nada mais e nada menos, que 20 quilos. O que gera uma maior sobre-exploração dos recursos pesqueiros. Algumas mercadorias são, com frequência, subtraídas da costa de países do Sul, diminuindo assim os bens imprescindíveis para a sua alimentação. O resultado é um produto de luxo à mercê dos bolsos daqueles que o podem costear e consumir.

 

Os tratamentos que se aplicam nos estabelecimentos aquícolas para combater as doenças infecciosas dos peixes são outro fator de risco para a saúde do meio ambiente e do consumo humano. Um exemplo são os banhos de formol, com uma função anti-parasitária, e a administração preventiva de antibióticos, que se acumulam nos órgãos internos do animal, e o seu uso sistemático facilita o aparecimento de patogênicos resistentes. As condições em que se encontram os peixes não ajuda. Piscinas e jaulas superlotadas estão na ordem do dia e permitem facilmente a propagação de doenças por atrito, stress ou canibalismo.

 

O impacto no território e nas comunidades é, também, importante. As mesmas instalações, grandes superfícies de piscinas, competem com o uso desse terreno por parte da população local, seja para o cultivo, seja para pastoreio. As águas destas localizações, com elevadas doses de produtos químicos e substâncias tóxicas, contaminam os solos e o meio aquático, e a introdução de espécies exóticas e a fuga de exemplares afeta às espécies nativas.

 

Da costa a mar adentro

A pesca de captura em grande escala, por sua vez, desde a costa até as águas mais profundas, tem também consequências muito negativas tanto para os próprios recursos pesqueiros como para o meio ambiente. No Mediterrâneo, 92% das espécies de peixes estão sobre-exploradas, 63% no Atlântico, segundo dados de Ecologistas em Ação. Várias espécies marinhas veem-se ameaçadas e em perigo de extinção. A sobrepesca tem sido a prática dominante e a sua consequência: a diminuição de peixes no mar.

 

Além disso, a poluição da água afeta esses animais. A presença de mercúrio nos peixes é a mais conhecida e ameaça o ecossistema e a nossa saúde, pois é uma substância tóxica que afeta o cérebro e o sistema nervoso. Segundo Ecologistas em Ação, o peixe contém cada vez mais mercúrio. Em 2013, na União Europeia foram notificados 96 casos de peixe contaminado, face a 68 no ano anterior.

 

A organização ecologista denuncia que os limites de mercúrio permitidos pela União Europeia não são suficientes, porque não têm em conta nem o consumo médio nem as características corporais do consumidor. Os máximos permitidos pela FAO e pela Organização Mundial da Saúde, pelo contrário, são mais restritivos. É a nossa saúde em jogo.

 

O meio ambiente também é prejudicado, especialmente por técnicas como a pesca de arrasto, que através do uso de redes que varrem o fundo do mar, destrói os fundos marinhos, acaba com habitats naturais como recifes de coral e captura, para além dos peixes que se pretende pescar, exemplares imaturos e peixes não desejados acabam por ser deitados de novo à água, mortos ou quase mortos.

 

Na pesca de arrasto do lagostim no Mar do Norte, por exemplo, calcula-se, segundo dados de Ecologistas em Ação, que as capturas não desejadas e deitadas fora atingem 98% do total. Uma prática que igualmente se dá noutros modelos de pesca em teoria mais seletivos como a do palangre, com milhares de anzóis com iscas que se penduram em linhas que podem medir metros ou quilômetros. No Mar Adriático, os peixes deitados fora do dito modelo de pesca podem chegar até 50% da captura. A pesca industrial com grandes embarcações aumenta o risco de poluição por causa de derrames de petróleo e combustível. A água, parece, que engole tudo. No entanto, a vida no mar esgota-se.

 

Outro impacto da pesca industrial dá-se em terra firme, nas comunidades. O tão magnífico como duro filme de Hubert Sauper ‘O pesadelo de Darwin‘ mostra-o em toda a crueza. A vida de 25 milhões de pessoas ao redor do Lago Vitória, mais de metade em situação de desnutrição, recolhem as migalhas da próspera indústria de processamento e comercialização da perca do Nilo destinada ao mercado estrangeiro.

 

Trata-se do lado oculto, e mais dramático, do que aqui na peixaria ou no supermercado nos dizem que é “filete de garoupa”, e que compramos a um módico preço. A cada dia, segundo a campanha Não comas o mundo, dois milhões de pessoas no Ocidente consomem peixe do Nilo. O que equivaleria a satisfazer as necessidades de proteína de 1/3 da população desnutrida que vive em redor do Lago Vitória.

 

Em poucas mãos

Algumas poucas empresas repartem o suculento bolo da pesca industrial. Trata-se de grandes companhias que compram outras pequenas com o objetivo de exercer um maior controle da indústria integrando criação, processamento e comercialização. Atualmente, por exemplo, quatro empresas controlam mais de 80% da produção mundial de salmão: a norueguesa-holandesa Nutreco é a número um, seguida das também norueguesas Cermaq, Fjord Seafood e Domstein que, depois de se terem fundido em 2002, ocupam a segunda posição.

 

Outras grandes empresas como a Pescanova, de origem galega, optam pela compra de quotas investindo em produção de salmão no Chile, tilápia no Brasil, pregado em Portugal, camarão na Nicarágua, etc. No entanto, do sucesso à bancarrota: hoje a Pescanova encontra-se na corda bamba, assolada pelas dívidas e à mercê da banca. Um modelo industrial que acaba com a pesca artesanal e em pequena escala, que não pode sobreviver num sistema pensado por e para a pesca intensiva e em grande escala.

 

Chegados a este ponto, voltamos a perguntar: Comer peixe é assim tão saudável para nós e para o meio ambiente? Tirem conclusões.

*Artigo publicado em publico.es em 1 de março de 2014. Tradução de Carlos Santos para esquerda.net.

Esther Vivas
Publicado Originalmente no blog Esther Vivas

Fonte: Canal Ibase

 

Como a gastronomia sustentável pode ajudar o planeta?


O princípio de uma gastronomia sustentável se deve também aos benefícios, do ponto de vista nutricional e econômico (Pixabay)

Patrícia Almada

Com consumidores cada vez mais exigentes, pensando em um planeta sustentável, a gastronomia teve que se adequar oferecendo diferenciais e experiências que vão além do sensorial. A chamada gastronomia sustentável é um movimento que convida a modificar a conduta de negócios e repensar a forma de produzir e descartar os alimentos.

A mudança, com objetivo de se adotar uma prática sustentável, vai desde modificações na gestão operacional, logística, ciclo produtivo, energia, na origem dos produtos e safras, sazonalidade, regionalização, desperdício, destino dos resíduos, e até na composição dos cardápios que os restaurantes oferecem.

Para o chef de cozinha Eduardo Roberto Batista, a gastronomia sustentável surge da própria necessidade dos restaurantes e cozinhas de evitar o desperdício. “Quem trabalha em uma cozinha conceito, seja bistrô ou renomada, até por virtude de cortes e apresentação de um formato, há perdas de muitos alimentos. Trabalhei em cozinhas de restaurantes renomados e pude perceber que se jogava muita coisa fora. O descarte impacta no preço e na própria sustentabilidade. Vem de uma necessidade global, a questão do desperdício, que realmente precisa de ser evitado”, disse.

O chef ressalta que o princípio de uma gastronomia sustentável se deve também aos benefícios, do ponto de vista nutricional e econômico. “Da parte da nutrição, acaba-se jogando uma parte fora do alimento que pode ser rica em nutrientes, como talos de couve, entre outros. E do lado econômico, sem desperdício e com o aproveitamento de forma integral, o preço acaba sendo mais justo. ”, conta.

Desafios

Para Eduardo, o maior desafio desse tipo de gastronomia é fazer com que as mudanças de hábito do consumidor sejam realmente efetivadas, para assim, mostrar a gastronomia sustentável de uma forma mais chamativa, mais gourmet.

“Quando pensamos em Belo Horizonte, por exemplo, a população é muito conservadora do ponto de vista alimentar. Geralmente vamos nos mesmos restaurantes, de preferência sentamos nos mesmos lugares e pedimos os mesmos pratos. Já para experimentar um prato diferente que envolva sobras de alimentos, como uma casca de abóbora, a pessoa logo já pensa: ‘Eu não quero sair de casa para comer esse tipo de comida’”, explica.

Mercado

De acordo com o relatório “Tendências em alimentação saudável”, elaborado pela empresa inglesa de pesquisa Mintel em 2019, os consumidores estão mais preocupados com saúde e sustentabilidade na hora de comer: 52% dos entrevistados têm dado preferência a alimentos e bebidas ricos em proteínas, fibras e com menos açúcar. Para a indústria, esse novo comportamento traz oportunidades de criar produtos, desenvolver diferentes nichos de mercado e aumentar o faturamento, aponta o estudo.

Além de dar preferência a alimentos naturais e nutritivos, os consumidores estão desenvolvendo um olhar abrangente, preocupando-se com o impacto dos seus hábitos alimentares no meio ambiente.

Eduardo classifica o movimento como positivo e vê o mercado com grandes potencialidades de crescimento. “As consciências ecológicas e ambientais têm mudado. Se conseguirem fazer algo chamativo pode ser uma grande tendência. A fome é uma questão global. Então, até no âmbito mundial, a partir da hora em que não há exagero no consumo e que se consegue reaproveitar, não comprando de uma maneira desenfreada, você está praticando uma gastronomia sustentável. Uma nova consciência sobre a alimentação nos faz consumir menos de forma equilibrada, mais saudável e consciente.

Aplicabilidade

Os benefícios da gastronomia sustentável são muitos. Vão desde a diminuição da emissão de gases do efeito estufa, economia de energia, proteção das espécies, tanto animal como vegetal em extinção, como a valorização da produção local, reaproveitamento, dentre outros. Mas, de acordo com o chef, apesar das inúmeras qualidades, a gastronomia sustentável, propriamente dita, está longe de ser implementada em sua totalidade.

“Ainda estamos muito distantes de uma realidade onde se aplica a integralidade de uma gastronomia sustentável. As próprias faculdades de gastronomia ainda não pensam em compostagem, por exemplo. Existe um restaurante em São Paulo onde se servem pratos com talos, raízes com brotos, alimentos que até então não se pensava em utilizar. Concluindo, existem alguns restaurantes que trabalham sim com gastronomia sustentável, porém o número é irrisório. Muito mais uma tentativa do que uma realidade, pois ainda assim se perde muita coisa. Mas, de todo jeito, é válido”.

Eduardo ainda complementa que para que todas as mudanças sejam aplicadas de fato dentro da gastronomia sustentável é essencial uma ampliação da compreensão do termo. “Mudar de comportamento, pensar em uma questão ambiental mais abrangente demanda tempo, conscientização e não é algo que acontece da noite para o dia”, finaliza.

Dom Total