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Mandela no Clima
Por Tasso Azevedo
Talvez a maior contribuição de Nelson Mandela para sociedade planetária tenha sido demonstrar nossa capacidade de se reconciliar e pactuar a convivência mesmo nas condições mais extremas.
No processo que se deu ao fim do apartheid (1) na África do Sul, uma das mais abomináveis atrocidades do século 20, Mandela e Desmond Tutu conduziram um processo de unificação e reconciliação do povo sul-africano sem precedentes na história humana. Não se tratava de esquecer e passar por cima do passado de sofrimento, mas de um intenso processo de reconhecimento da dor causada, o exercício do perdão, a indenização por danos e, o mais importante, o compromisso de construção conjunta do futuro sem revanchismo, sem querer “dar o troco” ou “fazer pagar na mesma moeda”.
No mundo diplomático, o princípio da reciprocidade segue o conceito inverso, é dente por dente, osso por osso. Barreiras de um lado são respondidas com mais barreiras, burocracia de um lado é respondida com mais burocracia do outro lado e assim por diante. Reconhecer responsabilidades só em casos extremos e somente mediante muitas concessões da outra parte. Os progressos são extremamente lentos e cheios de ressentimentos e armas engatilhadas para voltar à carga a cada rodada de negociações. Raramente conseguimos superar o passado para nos projetar no futuro.
Nas negociações sobre o novo acordo global para o enfrentamento das mudanças climáticas, um dos mais complexos desafios atuais da humanidade, a situação é critica. Países em desenvolvimento advogam o direito de manter crescente a emissão de gases de efeito estufa como fizeram no passado os países desenvolvidos, que seriam, estes sim, os únicos a ter obrigações de reduzir emissões.
Países desenvolvidos argumentam que sua responsabilidade histórica pelas emissões precisa ser relativizada porque décadas atrás não se sabia dos impactos das emissões e, portanto, não devem ter compromissos vinculantes com a destinação de recursos e tecnologia para resolver o problema e só aumentarão suas metas de redução de emissões se os países em desenvolvimento também tiverem metas obrigatórias.
Enquanto o drama das mudanças climáticas entra em nossa casa sem pedir licença e como cupim agressivo vai tomando conta do espaço.
É preciso um novo espirito de compromisso para avançar rumo ao objetivo comum: limitar a concentração de gases de efeito estufa na atmosfera e, assim, mitigar as mudanças do clima, além de nos preparamos para lidar com seus impactos.
O legado de Nelson Mandela deveria servir de inspiração para todos os envolvidos no processo de negociação do novo acordo global do clima. Os lideres globais que têm expressado suas homenagens ao líder africano em belos pronunciamentos poderiam demonstrar que entenderam sua mensagem e legado e colocar em marcha um processo global de reconciliação que culminasse, em 2015, num novo acordo global do clima muito mais ambicioso, eficaz e sustentável.
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(1) regime de segregação racial na Africa do Sul que se tornou politica de estado em 1948 (logo após o final da 2ª Guerra Mundial, portanto quando o mundo já tinha conhecimento do inimaginável genocídio ocorrido nos campos de concentração) e perdurou até o inicio dos anos 90.
(2) O documentário “A comissão da Verdade” (La Commission de la vérité, França 1999) de Andre Van In apresenta um belo registro deste processo de reconciliação muitas vezes doloroso, difícil e emocional, que permitiu à África do Sul seguir um caminho muito diferente de outras nações africanas.
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Balanço do Clima 2013
Por Tasso Azevedo*
Foi um ano sem grandes avanços na politica climática brasileira e global, mas com vários fatos relevantes como o início da divulgação dos relatórios do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) e do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas, a atualização dos dados de emissão de gases de efeito estufa (GEE) no Brasil e a publicação dos planos setoriais.
Em 09/05, atingimos pela primeira vez . Nos últimos três milhões de anos não atingimos uma concentração tão alta! Este é o limite para entrarmos numa zona em que os cenários de limitar o aumento da temperatura média global abaixo de 2oC se tornam muito improváveis.
No segundo semestre deste ano, os dados da 1ª parte do apresentou números contundentes sobre a relação das emissões antrópicas de GEE e as mudanças climáticas globais e o orçamento de carbono de 1.000 Gton de emissões de carbono para todo o períodos de 1880 a 2100, para que tenhamos 66% de chance de limitar o aquecimento médio em 2oC até 2100. Deste orçamento, o IPCC informou que já gastamos 73% até 2011 e dispomos de cerca de 270 Gt para o período de 2012 a 2100, o que dá cerca de 3 GtC/ano em média, portanto muito abaixo das atuais emissões que rondam a casa de 10 GtC/ano.
No Brasil, no inicio de setembro, foi lançado o publicado pelo Painel Brasileiro sobre Mudanças Climáticas (PBMC). O relatório, fruto do trabalho de três anos de mais de uma centena de pesquisadores brasileiros traz retrato inédito das mudanças climáticas previstas para o Brasil em diferentes cenários de concentração de gases da atmosfera. As noticias não são boas: aumento médio de até 6oC em algumas regiões da Amazônia, mais chuvas concentradas nas regiões hoje castigadas por enchentes emais seca no semiárido nordestino.
As estimativas de emissões globais de gases de efeito estufa, publicadas por diferentes fontes como o Programa EDGAR na Europa, a Agência Internacional de Energia e oPNUD indicam que, em 2012, atingimos novos recordes de emissão, tanto de energia como do total das emissões de carbono e emissões totais de todos os gases de efeito estufa em carbono equivalente (~51 GtCO2e). Por outro lado, dados publicados peloJoin Research Center da Comunidade Europeia apontam que, em 2012, aconteceu global. A queda das emissões dos EUA(principalmente devido à substituição de carvão por gás de xisto) e no Brasil estão entre os principais fatores que compensaram o aumento de emissões da China, Índia e outras economia emergentes.
Em junho, nos Estados Unidos, o , bastante substantivo, com destaque para regras de restrição objetiva às termoelétricas a carvão que deverão atender a rígidas restrições de emissões, que quase as tornam inviáveis, e a um agressivo plano de metas para melhora de eficiência energética nos setores comercial e residencial em 20% até 2020. Do outro lado do planeta a China, maior emissor global de GEE, anunciouplano de restrição das emissões de siderúrgicas e termoelétricas a carvão. Um dos mais fortes sinais – ao lado dos pesados investimentos em energia renovável – de que o país está lentamente buscando o caminho de uma economia de mais baixo carbono.
Apesar destes sinais positivos vindo dos dois principais emissores de GEE, houveretrocessos importantes na politica de clima de países como Japão e Austráliaque, baseados em argumentos puramente econômicos, deram passos atrás em relação a seus compromissos de redução de emissões, diminuindo em vez de aumentar suas ambições, na contramão do que demanda os recentes acordos de Durban e Doha (COPs de Clima de 2011 e 2012).
No Brasil, a política de clima anda a passos lentos. Com mais de um ano de atraso, em junho foram publicados os . Os planos são pouco ambiciosos e não contemplam todos os requisitos regulamentares como as metas tri-anuais de redução de emissões.
Em outubro, foi lançado, no site da ICAO (sigla em inglês para a Organização Internacional da Aviação Civil), o – que, do ponto de vista de conteúdo é, de longe, o melhor planos setorial produzido no Brasil. Curiosamente, esse plano não é reconhecido como um plano setorial pelos organismos envolvidos na governança de clima.
Aliás, em outubro também, foi feito o primeiro acordo setorial global para enfrentamento das mudanças climáticas, justamente no setor da aviação civil no congresso mundial da ICAO.
Também no segundo semestre de 2013, a primeira proposta de revisão do – lançado originalmente em 2008 com as metas e ações de mitigação do Brasil até 2020 – foi colocada em consulta pública. A revisão, que visava incorporar avanços dos planos setoriais da Política Nacional de Mudanças Climáticas, aprovada em 2009, foi bastante criticada pela inconsistência, falta de avaliação retrospectiva e de cenários futuros e completa falta de ambição.
Mais um ano se passou sem avanços na definição da Estratégia Nacional de REDDque, nos últimos três anos, já teve seu lançamento adiado inúmeras vezes. Em contraste, REDD foi um dos poucos temas de significativo avanço na 19ª Conferencia das Partes da Convenção de Mudanças Climáticas ou COP19 de Clima realizada em Varsóvia, na Polônia, em novembro. O chamado pacote de REDD com quase uma dezena de decisões nos últimos anos foi completado e pode começar a ser operacionalizado no decorrer dos próximos anos.
No setor agrícola, o Programa ABC começou a deslanchar com aplicação de R$ 2,7 bilhões de do programa de safra 2012-2013, em modelos de produção de baixo carbono. Ainda é pouco em relação ao montante total aplicado no Plano Safra(<3%), mas é um avanço importante para o programa iniciado em 2010, com aplicação de apenas R$ 418 milhões. Em 2013, foi implantado o , uma plataforma coordenada pelo Centro de Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas, que monitora a implantação do programa.
No inicio do ano, foi lançado o , coordenado pela Casa Civil, com a participação de outros ministérios e os estados, e que tem por objetivo harmonizar as políticas nacional e estaduais de mudanças climáticas. Tendo como ponto de partida um , em parceria como Fórum Empresas pelo Clima, foram estabelecidos dos grupos de trabalho que estão desenvolvendo propostas para harmonizar os sistemas de inventários e relatos de emissões.
Em junho, o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCT) publicou a e, em novembro, o , que apresenta dados das emissões brasileiras de todos os GEE em todos os setores, para o período de 1990 a 2012, tendo como base a metodologia doinventário brasileiro de emissões. Os dados – disponíveis em formato eletrônico e aberto na internet -, apontam um decréscimo das emissões totais do Brasil de 35% entre 2005 e 2012, mas um expressivo aumento das emissões em todos os setores, excetomudança de uso da terra (que inclui desmatamento). As emissões diretas de energia e agropecuária já devem se tornar as principais fontes de emissão nos próximos anos, e a energia deve conquistar o primeiro posto ainda antes de 2015.
Em novembro, sob o impacto de vários eventos climáticos extremos em 2013 (ondas arrasadoras de calor e frio na Europa e EUA, incêndios recordes na Austrália e Costa Oeste Americana e Super Tufão nas Filipinas), os países se reuniram em Varsóvia, naCOP19 do Clima, e não conseguiram avançar na sua principal missão: formular umnovo acordo global de clima a ser acordado e aprovado em 2015 na COP de Paris(leia e ).
Que 2014 seja um ano de muito mais avanços na agenda climática que nos permitam ser mais ambiciosos, tanto no plano nacional como global de forma compatível com o tamanho do desafio que se agiganta a cada dia mais.
Foto: Daniele Zanni/Creative Commons
*Tasso Azevedo é engenheiro florestal, empreendedor socioambiental e consultor sobre florestas, clima e sustentabilidade. Ele foi diretor geral do Serviço Florestal Brasileiro e um dos formuladores da Política Nacional de Mudanças Climáticas.
Fonte: Planeta Sustentável