Seleção de catadores vai reciclar lixo produzido nos jogos da Copa


                           

Eduardo Ferreira de Paula foi convocado para a Copa do Mundo. Mas ele não vai entrar em campo. Com 25 anos de experiência como catador de materiais reciclados, vai coordenar a equipe que fará a coleta seletiva no Itaquerão, estádio onde o Brasil faz o jogo de abertura do Mundial.

Como ele, outros 840 catadores foram treinados pela Coca-Cola para trabalhar nas 12 arenas durante os jogos da Copa. A estimativa é que sejam recicladas pelo menos cinco toneladas de resíduos produzidas em cada partida. Isso corresponde a cerca de 65% do total de lixo produzido, considerando os números levantados pela multinacional de refrigerantes durante a Copa das Confederações.

“Nunca pensei que fosse fazer parte da Copa do Mundo. Foi uma surpresa para todos os catadores”, confessa de Paula, que construiu sua casa e sustentou quatro filhos catando vidro pelas ruas de São Paulo. Aos 47 anos, está ansioso pelo apito inicial do jogo entre Brasil e Croácia, no dia 12 de junho, mas sabe que o trabalho que tem pela frente precisa ser feito com seriedade. “Queremos mostrar na Copa que os catadores são uma categoria com dignidade”, resume.

A seleção dos profissionais que vão atuar na reciclagem dentro dos estádios foi feita por 160 cooperativas ligadas ao Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR). O diretor de assuntos governamentais, comunicação e sustentabilidade da Coca-Cola para a Copa do Mundo, Victor Bicca, explica que a empresa preparou cartilhas, deu treinamentos teóricos e confeccionou uniformes para as equipes, de acordo com as expectativas climáticas para cada região. “Os catadores estão agora sendo treinados dentro das próprias arenas”, completa.

Duplo rendimento

Todo o material recolhido – majoritariamente copos plásticos, latas de alumínio e papelão – será destinado para as cooperativas envolvidas na coleta. “Vamos controlar o que cada grupo catou, as quantidades e encaminhar esse material para que as cooperativas vendam”, explica Bicca. Os catadores vão ganhar com a venda do material, além de um valor fixo pelo dia de trabalho: 80 reais pelo serviço e outros 30 para alimentação e transporte. “Está de bom tamanho”, calcula Eduardo de Paula.

A catadora Guiomar Conceição dos Santos, outra liderança do MNCR, concorda que o valor está dentro da média. “Tem gente que ganha 200 e outros que ganham dois mil”, explica. Mas ela estima que a renda média de um catador seja em torno de um salário mínimo por mês, 724 reais.

O Comitê Interministerial para Inclusão Social e Econômica dos Catadores de Materiais Reutilizáveis e Recicláveis, alocado na Secretaria Geral da Presidência da República, trabalha com valores um pouco menores. A coordenadora do comitê, Daniela Metello, estima a renda média em 570 reais mensais. Segundo ela, são cerca de 388 mil brasileiros que se declararam como catadores no Censo de 2010, mas por se tratar de um mercado com grande flutuação, a estimativa é de que 400 mil a 600 mil pessoas trabalhem com a coleta de resíduos recicláveis nas ruas do país. “Se estender para as famílias, teremos 1,42 milhão de pessoas que vivem dessa renda”, aponta.

Os ganhos dos catadores flutuam com o mercado. Também é o mercado que regula que tipo de material é procurado com maior avidez. “Em algumas áreas mais remotas, por exemplo, só vale a pena para os catadores recolher latas de alumínio, já que o transporte custa caro”, explica Metello. Os preços também mudam de região para região.

A tabela de preços da organização Compromisso Empresarial para Reciclagem (Cempre), formada por grandes empresas nacionais, aponta que uma tonelada de latinhas de alumínio é vendida por 2 mil reais no Recife, mas chega a 3 mil reais em Goiânia, por exemplo. Como cada lata pesa, em média, 14,5 gramas, são necessárias cerca de 68 mil unidades para chegar a uma tonelada.

Material valioso

Nos jogos da Copa do Mundo as latinhas não serão entregues ao torcedor: as bebidas serão despejadas em copos plásticos. Assim, as latas ficarão concentradas nos postos de venda, o que deve facilitar o trabalho de quem vai recolher o material. Além disso, por questões de segurança, a empresa de refrigerante instalará apenas lixeiras transparentes e espera contar com o apoio dos torcedores para separar o material reciclável dos resíduos orgânicos. “Preparamos um vídeo com a mascote da Copa, o Fuleco, explicando como o lixo deve ser descartado”, completa Bicca.

Mas a coleta não será restrita às arenas esportivas. De acordo com Claudio Langone, consultor do Ministério do Esporte que preside a Câmara Temática Nacional de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Copa 2014, também foi feito um planejamento estratégico para as áreas de entorno e Fan Fests.

Segundo ele, parcerias com cooperativas de catadores diferentes das que atuarão nos estádios vão incluir mais profissionais, mas o trabalho será similar. Além de recolher copos e latas dentro das áreas de comércio restrito, caberá aos catadores instruir os torcedores para que descartem qualquer vasilhame antes de se dirigirem à fila de entrada, onde estão instalados equipamentos de raio-x. Bicca explica que como o volume de pessoas que vai passar por um espaço pequeno é grande – em torno de 60 mil em duas horas, em alguns casos –, é importante que o descarte de latinhas e garrafas seja feito antes.

Langone conta que a proposta de incluir os catadores no processo deve ser um dos legados deixados pela Copa. Seis das cidades que sediam jogos – Manaus, Belo Horizonte, Curitiba, São Paulo, Natal e Fortaleza – se habilitaram para receber financiamento para o projeto de inclusão e devem estender a atuação dos catadores no sistema de coleta seletiva para além do Mundial de futebol.

A participação dos catadores na coleta seletiva é uma das cinco metas traçadas pela Câmara Temática Nacional de Meio Ambiente e Sustentabilidade para minimizar os impactos do Mundial sobre o meio ambiente. As outras incluem construção de arenas certificadas, incentivo ao turismo sustentável, estímulo ao consumo de produtos locais e organicos e cálculo das emissões de CO2.

Daniela Metello, do Comitê Interministerial, completa que o objetivo é que, com a inclusão permanente nos esquemas municipais de coleta, os catadores passem a receber não apenas pelo material que juntam, mas pelo dia de serviço e pelo seu papel como agentes ambientais. Um reflexo disso é fazer com que a imagem dos catadores seja transformada gradualmente.

Grito de gol

 Victor Bicca concorda e garante que os testes feitos durante a Copa das Confederações provaram que os catadores sabem desempenhar seu papel com responsabilidade: conhecem as rotinas e não ficam parados vendo o jogo. Ele confia que, na Copa do Mundo, o desempenho será o mesmo.

No entanto, o catador Eduardo Ferreira de Paula, torcedor do Corinthians, não promete imparcialidade. “Antes de tudo, somos brasileiros, e quando todo mundo gritar gol, o negócio é largar o saco e partir para o abraço”.

Fonte: ambientebrasil.com.br

Laísa Mangelli