Regularização ambiental da agricultura familiar


Sociedade Civil e Governo elaboram recomendações para contribuir com a regularização ambiental da agricultura familiar em MT

Compreender e identificar os desafios e oportunidades para a regularização ambiental da agricultura familiar no estado e contribuir para a implementação do Código Florestal. Esses foram os objetivos do Workshop sobre Regularização Ambiental para Agricultura Familiar e Comunidades Tradicionais de Mato Grosso, que foi realizado na última terça-feira (29), em Cuiabá, e reuniu organizações da sociedade civil, movimento social, prefeituras, instituições de ensino e do Governo, como a Empresa Mato-grossense de Pesquisa, Assistência e Extensão Rural (Empaer), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e Fundação Nacional do Índio (Funai).

Para nivelar as informações acerca do tema, as diferentes instituições apresentaram as atividades que estão sendo desenvolvidas visando a regularização ambiental da agricultura familiar e comunidades tradicionais, identificando os gargalos e oportunidades de otimização dos esforços.

O encontro resultou em uma carta que pontuou os desafios da regularização, como a falta de integração entre as experiências de sucesso que estão ocorrendo no Estado para ter um sistema que atenda as diferentes necessidades da agricultura familiar, a normatização e implementação do Programa de Regularização Ambiental (PRA) e como tornar a regularização ambiental atrativa ao agricultor familiar.

A carta contém, também, recomendações à órgãos de governo, como Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema), Incra e Empaer, às prefeituras, que têm papel fundamental nesse processo, a sociedade civil, e as secretarias executivas da PCI e PMS que, segundo a carta, precisam criar mecanismos para implementação de ações em consonância com o que está sendo desenvolvido nos municípios para regularização ambiental da agricultura familiar.

“É essencial o diálogo entre todos! Todas as instituições que estão aqui tem com o que contribuir, seja na parte de instrumentos, de atividades de campo ou mesmo de monitoramento. Precisamos somar esses esforços”, disse Ana Luisa Araújo de Oliveira, analista de gestão ambiental e políticas públicas do Instituto Centro de Vida (ICV).

De acordo com Livia Karina Passos Martins, superintendente do Ibama em Mato Grosso, o Workshop ofereceu a oportunidade de trocar experiências entre os diversos elos. “Essa foi uma importante oportunidade de colocar diversos atores juntos para trocar experiências com quem está na ponta”.

O grupo deverá se reunir novamente no próximo ano para fazer o acompanhamento dessas recomendações. “A entrega da carta aos órgãos não é o último passo. Nesse momento entregamos o documento para as instituições e vamos fazer o acompanhamento das recomendações que foram levantadas”, explicou Ana Luisa.

Fonte: Instituto Centro de Vida

Desmatamento deve aumentar com Código Florestal, diz análise da Science


            

Os municípios com maior porcentagem de vegetação nativa estão no Piauí: Tamboril do Piauí e Guaribas mantêm 96% da área original de Mata Atlântica. Guaribas também é o município com a maior área de vegetação nativa: 176.794 hectares. SOS Mata Atlântica/IN

O polêmico Código Florestal Brasileiro foi aprovado em 2012, mas ainda enfrenta entraves em sua regulamentação. À época de sua definição, ONGs ambientalistas alertaram para os riscos do aumento do desmatamento já que o Código foi aprovado com alterações que mudavam o tamanho de áreas que deveriam ser preservadas e fracas ações contra desmatadores ilegais. Na revista Science desta semana, pesquisadores brasileiros fazem uma análise do Código.

As conclusões são que o desmatamento deve aumentar com o novo Código, mas novos mecanismos para manejar queimadas, emissões de gás carbônico pela floresta além de pagamentos por serviços ambientais , por exemplo, poderiam ajudar a contrabalançar essa destruição .

"O Brasil deve continuar a investir no monitoramento e fiscalização para que os proprietários de terras que quebrem o código não sejam exonerados. A chave é conciliar políticas de conservação ambiental com desenvolvimento agrícola – duas forças tradicionalmente opostas – e incentivos econômicos para a conservação poderiam seguir um longo caminho em direção a esse objetivo", diz  Britaldo Soares Filho, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), na divulgação do texto.

Segundo os autores, este é o primeiro artigo a a quantificar as implicações das mudanças recentes do Código Florestal e identificar novas oportunidades e desafios para a conservação.

De acordo com o estudo , a nova lei concede anistia aos proprietários de terras que desmataram ilegalmente antes de 2008 e reduz a área a ser reflorestada de 500.000 km2 para 210.000 km2 . "O lobby do agronegócio deve ver isso como uma grande vitória", explica o principal autor, "mas se eles continuarem a boicotar e sabotar o Código Florestal, eles vão estar dando um tiro no pé". Isso porque, em sua análise, "a produtividade agrícola depende da conservação de ecossistemas nativos para a estabilidade climática".

Não só Amazônia

Os cientistas destacam que as mudanças afetam a conservação em todos os biomas brasileiros, incluindo a Amazônia, Cerrado e Mata Atlântica. "O Brasil tem feito um grande trabalho de redução do desmatamento na Amazônia , mas nos outros biomas têm sido aquém do esperado no processo", observa Márcia Macedo, também da UFMG.  Apenas 50% do Cerrado permanece intacto e o desmatamento só aumenta. Segundo o estudo, a nova lei permite o desmatamento legal de mais 400 mil km2 de Cerrado. "Essa é uma área quase do tamanho da Califórnia . Permitir que isso seria um desastre ambiental", enfatiza Macedo.

Pontos positivos

O estudo aponta ainda que a lei introduziu duas medidas de conservação que podem abrir caminho para a "commoditização" das florestas em pé em todos os biomas. Primeiro, ele cria um novo mercado que permite que proprietários de terras usem florestas excedentes (aqueles que poderiam ser legalmente desmatadas) em uma propriedade para compensar a restauração necessária em outra. O estudo constatou que, se isso for totalmente implementado, poderia-se reduzir as áreas que necessitam de restauração a 5.500 km2 de terras aráveis.

A nova lei também cria um sistema de cadastro online que agiliza o processo para os proprietários de terras registrarem os limites de suas propriedades e de informações ambientais. Um monitoramento mais avançado e documentação de mais de 5 milhões de propriedades rurais irão melhorar drasticamente os esforços para preservar o meio ambiente.

"Para ser eficaz, o Código Florestal deve ser vinculado a incentivos econômicos para os proprietários que conservem a vegetação nativa", diz outro co- autor, Raoni Rajão da UFMG.

O estudo aponta ainda que iniciativas privadas e públicas surgiram para apoiar o cumprimento das normas. Uma delas é o Programa de Agricultura de Baixo Carbono que oferece US$ 1,5 bilhão em empréstimos subsidiados anuais para melhorar a produção agrícola, reduzindo as emissões de carbono. "Tais iniciativas serão fundamentais se o Brasil espera ter sucesso em conciliar conservação ambiental e desenvolvimento agrícola", diz o estudo.

Fonte: UOL Meio Ambiente ; jus.com.br

Laísa Mangelli 

José Eli da Veiga: O debate sobre o Código Florestal continuará


                           

O professor dos programas de pós-graduação do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (IRI/USP), José Eli da Veiga, 63 anos, acompanhou cada debate relacionado ao “novo” Código Florestal publicando uma série de artigos na imprensa brasileira. A compilação desses textos está em seu mais novo livro, dos 20 que já tem publicado: “Os Estertores do Código Florestal”, da Armazém da Cultura. A seguir, acompanhe sua entrevista exclusiva sobre Código Florestal, Cadastro Ambiental Rural (CAR) e propriedades rurais.

Como podemos usar o “novo” Código Florestal ou as ferramentas legais para resguardar as áreas e até recuperar outras?
Não existe mais Código Florestal. Essa lei é um desastre, não houve respeito nenhum às Áreas de Preservação Permanente (APPs), um prejuízo legitimado. Tenho impressão que qualquer agrônomo concordaria que a conservação de área de APP deveria ser considerada indiscutível. Já a Reserva Legal (RL), que toda propriedade precisa ter, é mais discutível. Deveria ser possível fazer a compensação dela. Outro problema do Código Florestal, na tentativa de dizer que estava tentando ajudar o agricultor familiar, foi usar a ideia de imóveis rurais em módulos. Isso favoreceu a especulação imobiliária, pois sítios de lazer se enquadram nesses módulos.

O que se aproveita da Lei Florestal?
Só o CAR, se for implantado com rigor. É um escândalo as propriedades ainda não terem cadastro. No Brasil, praticamente, não se paga imposto por se ter propriedade rural. O CAR ajudará nessa questão, por isso notamos certa resistência a ele. Infelizmente, houve uma derrota de quem era pela sustentabilidade, por conta das contradições e da dificuldade de explicar o problema da Lei Florestal à opinião pública. Por exemplo, uma das coisas mais chocantes, acho que nem citei no livro, é que o empresariado brasileiro meio que quis lavar as mãos.

Por que isso aconteceu?
Ainda hoje me pergunto. Na lista dos 200 maiores grupos, do Valor Econômico, apenas cerca de dez têm agronegócio. Embora não atue na área, o empresário pode ter algum tipo de ligação. Às vezes, ele mesmo é fazendeiro. Outra possível explicação é a complexidade do assunto. Mais grave é o fato de algumas empresas terem conselho de meio ambiente e, mesmo assim, acho que eles nem chegaram a discutir o tema.

Como os negócios no campo podem existir em harmonia com a preservação ambiental?
Planejando. A primeira coisa é procurar respeitar as aptidões da propriedade. Não adianta plantar algo exigente em uma terra que não corresponde. Aliás, estas áreas deveriam ser preservadas, como é o escandaloso caso do cerrado. O mecanismo, neste caso, seria a compensação.

Qual a sua opinião sobre pagamento por serviços ambientais (PSA)?
Estou ainda à procura de experiências concretas que me deem mais clareza. Ainda não acredito que tenha se tornado um incentivo econômico como era a intenção.

Há um questionamento de ordem ética sobre o PSA afirmando que a pessoa vai ser paga para simplesmente cumprir a lei. O que o senhor acha?
É um raciocínio bacana se não estivéssemos em uma sociedade capitalista. Muitos casos só vão andar se assumirem essa lógica de mercadoria. Se for de interesse público, que vire reserva. Como o estado não é capaz de viabilizar a desapropriação de várias áreas, você fica de mãos atadas se for purista.

Muitos autores dizem que para conseguir recompor é necessário tornar a floresta financeiramente viável dentro do capitalismo. O senhor concorda?
Algum tipo de rentabilidade o proprietário deve ter. Agora, se o local é muito importante para sociedade, ele pode deixar de ser privado. Ninguém paga para as reservas florestais, ecológicas e indígenas serem preservadas. São áreas que fogem dessa lógica.

Os jovens estão deixando o meio rural para morar na cidade. Que impacto isso causa na agricultura familiar?
Não é necessariamente negativo que alguém saia do meio rural. Os jovens são forçosamente atraídos a irem para as cidades para estudar e sair de um ambiente familiar geograficamente isolado com a família. A procura por locais com mais escolhas é um progresso. A discussão é se a família rural teve condições de prepará-lo para que possa fazer essa opção. Se ele teve acesso à educação e, além disso, se gosta de agricultura, provavelmente vai procurar algum meio de voltar ou atuar no campo. Não necessariamente no mesmo lugar e nem diretamente.

O desmatamento é pouco palpável para moradores urbanos. Só com educação poderíamos mudar isso?
Eu discordo dessa palavra “só”, porque educação é uma condição absolutamente necessária. E é um processo sociocultural complexo mudar essa situação. Pesam muito as pressões que a sociedade faz sobre o estado como, por exemplo, esse debate todo sobre o Código Florestal. Havia visões estratégicas completamente diferentes e acabou predominando a mais predatória. Temos que ter paciência porque não vai demorar muito para sociedade se dar conta da grande besteira que foi feita, dessa mudança no código. Os especuladores de terra que se disfarçam de agronegócio tiraram vantagem. Vai chegar esse momento, tenho certeza disso e vamos ter outra vez esse debate. Os que perderam, vão ganhar.

 

*Entrevista publicada na revista Plantando Águas, patrocinada pela Petrobras. Baixe a publicação neste link.

Fonte: Iniciativa Verde

Uma interpretação do Código Florestal pode anistiar quem desmatou o Cerrado


Se essa interpretação valer, a maioria dos fazendeiros estará livre de qualquer obrigação de recuperar as áreas de reserva legal do Cerrado, bioma fundamental para garantir a água e o clima do país

Canavial no interior de São Paulo. Sobrou pouco do Cerrado original (Foto: José Reynaldo da Fonseca/ Wikimedia Commons)

Uma interpretação jurídica do Código Florestal pode anistiar quase toda a devastação que aconteceu no Cerrado brasileiro. Se essa interpretação valer, a maioria dos fazendeiros estará liberada de qualquer obrigação de recuperar as áreas de reserva legal do Cerrado.O bioma, um dos mais maltratados do país, fundamental para manutenção do clima e reabastecimento dos rios e aquíferos, pode ter sua regeneração ameaçada.

>> O Cerrado perdeu biodiversidade além do limite seguro

A polêmica envolve a segunda fase do maior esforço nacional para regularizar a situação ambiental das propriedades rurais. Na primeira fase da empreitada, os fazendeiros preenchem o Cadastro Ambiental Rural (CAR). Ali declaram as medidas e a localização de seu terreno. Indicam detalhes como rios e florestas. E apontam como estão as áreas de preservação permanente (como margens de rios ou topos de morro) e a reserva legal (parte da área que precisa guardar vegetação nativa). Depois que o CAR é aprovado pela autoridade responsável (geralmente o órgão estadual de meio ambiente), o fazendeiro parte para uma regularização do terreno. Se ele tiver desmatado mais do que podia, precisa recuperar ou comprar créditos de quem tem vegetação sobrando. É o Programa de Regularização Ambiental (PRA). O PRA segue regras que são estabelecidas para cada estado em leis próprias. Os estados têm liberdade para fazer essas leis, desde que não entre em conflito com a lei nacional, o Código Florestal, aprovado em 2012.

>> O impacto do desmatamento desordenado do Cerrado

A disputa gira em torno dessa regulamentação estadual do PRA, que determina entre outras coisas o que deve ser restaurado nas áreas de Cerrado. A obrigação de recuperar depende do que dizia a lei quando foi feito o desmatamento. Quem tirou a vegetação original antes da obrigação de conservar não está em desacordo com a lei. Segundo o Código Florestal de 2012, “os proprietários ou possuidores de imóveis rurais que realizaram supressão de vegetação nativa respeitando os percentuais de Reserva Legal previstos pela legislação em vigor à época em que ocorreu a supressão são dispensados de promover a recomposição, compensação ou regeneração para os percentuais exigidos nesta Lei”.

>> Como o Cerrado afeta o ciclo das chuvas

O primeiro Código Florestal do Brasil foi aprovado em 1934 em pleno ciclo do café no Sudeste do país. A preocupação na época era evitar a falta de lenha. O Código obrigava os proprietários a manter 25% da área dos imóveis com a cobertura de mata original. O problema é entender o significado semântico da palavra “mata” nos anos 1930.

O Código de 1934 foi complementado pelo de 1965 promulgado pelo presidente Castello Branco. Essa nova lei não fala de reservas legais, mas cria a figura das áreas de preservação permanente, que devem ser resguardadas. Diz a lei: “As florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação, reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do País”. Ou seja, a lei inclui não só florestas, mas outras formas de vegetação. A lei diz que será considerada área de preservação permanente a vegetação ao longo de rios, ao redor de lagoas, no topo de morros, nas encostas, nas restingas e em altitude acima de 1.800 metros. Se o termo “demais formas de vegetação” incluir o Cerrado, a lei de 1965 passa a impedir o desmatamento desse bioma nas áreas de preservação permanente.

>> O combate ao desmatamento precisa se concentrar no Cerrado

A primeira menção explícita ao Cerrado em algum Código Florestal nacional é de 1989. Ela apareceu na Lei 7.803 que foi inserida no Código Florestal antigo de 1965. A lei de 1989, assinada pelo presidente José Sarney, declara a necessidade de preservar a reserva legal de imóveis rurais em area de Cerrado. Diz: “Aplica-se às áreas de cerrado a reserva legal de 20% para todos os efeitos de lei”. Diante disso, alguns argumentam que quem desmatou o Cerrado até 1989 estava de acordo com a lei vigente e não precisa recuperar nada agora.

Segundo o advogado Paulo Daetwyler Junqueira, do departamento jurídico da Sociedade Rural Brasileira, o termo “mata” do Código de 1934 excluiria o Cerrado. “Logo, no nosso entendimento, a área de Cerrado poderia sim ser utilizada.” Para ele, isso isenta quem desmatou antes de 1989 de qualquer obrigação. “Para nós, quem usou área de Cerrado antes de 1989 não precisa recompô-la”, diz.

>> As florestas invisíveis do Brasil

O principal terreno da disputa legal é o estado de São Paulo. Não que São Paulo seja pioneiro na regulamentação do PRA. Outros estados como Mato Grosso, Pará, Rondônia, Goiás e Bahia já fizeram suas leis. Mas a decisão de São Paulo têm consequências nacionais. Primeiro, ela é usada para balizar a legislação em outros estados. Além disso, São Paulo importa porque pode alimentar o mercado de créditos ambientais. “São Paulo tem o agronegócio mais rico do país”, diz Roberto Resende, da Iniciativa Verde. “Se os produtores paulistas tiverem demanda de compensação em áreas de Cerrado, eles podem alimentar o mercado de créditos no Cerrado de outros estados como Bahia e Goiás. Podem ajudar a incentivar e financiar as áreas de Cerrado no resto do Brasil.”

No caso de São Paulo, há leis estaduais complementam o Código Florestal nacional e podem aumentar a proteção do Cerrado antes de 1989. A referência mais antiga é a lei estadual de 1927. É anterior ao Código de 1934. Ela diz que: “Os proprietarios dos terrenos de área superior a cem hectares em que existam mattas, são obrigados a reservar dez por cento da área total em florestas, salvo quando se tratar de mattas homogeneas, que se refaçam, ou se regenerem por brotação espontaneas, as quaes ficam insentas desta condição”. A lei fala que a regra dos 10% são aplicáveis a “mattas”, ou “matas” na grafia atual. O proprietário é obrigado a reservar área em “floresta”. Não está claro se essa descrição de “floresta” e “mata” inclui algum tipo de Cerrado.

A primeira menção direta ao Cerrado na lei estadual de São Paulo é no Decreto 49.141 de 1967. Ele cria regras para a exploração dependendo do tipo de Cerrado. Esse decreto exige a preservação de 20% do que é considerado cerradão. Esse cerradão é descrito como  “a formação vegetal constituída de três andares distintos”. O primeiro andar tem espécies rasteiras, o segundo tem arbustos e pequenas árvores. O terceiro andar é a floresta com “árvores geralmente de 5 a 6 até 18 a 20 metros de altura, de troncos menos tortuosos, com predominância de madeiras duras”. Os outros tipos de Cerrado, com predominância de vegetação rasteira ou arbustiva, não contam com a mesma proteção legal.

Vários ambientalistas se amparam nessa na lei de 1927 e no decreto de 1967 para defender que o Cerrado em São Paulo já estava protegido antes de 1989. E que quem desmatou antes disso precisa recompor. “Setores atrasados do país estão dizendo que só se aplica a proteção desde 1989”, diz o advogado e ambientalista Fábio Feldmann. “Mas São Paulo foi o primeiro estado a criar a reserva legal, de 10%, em 1827.”

O problema é que a lei de 1927 fala em “mata” e o decreto de 1965 só protege o cerradão. O resultado prático é que mesmo com a proteção legal do Cerrado florestal, o cerradão, vai ser difícil recuperar o que foi devastado. Provar o que era cerradão e não outro tipo de cerrado antes de ter sido destruído há várias décadas, dentro de terras privadas, é uma tarefa bem complicada. O mais provável é que os fazendeiros que desmataram antes de 1989 digam que cortaram áreas dominadas por gramíneas ou arbustos para escapar de qualquer obrigação agora. Por falta de informação sincera ou má-fé? Quem vai saber? A própria Sociedade Rural Brasileira admite que é difícil saber o tipo de fisionomia de cerrado que existia na fazenda. “Em muitos casos chegaremos a uma situação onde não será possível lembrar qual era a vegetação antes, se cerradão ou campo limpo”, diz Francisco Godoy Bueno, vice-presidente da Sociedade. “Na dúvida, não poderemos condenar o produtor rural. Não se pode assumir que ele cometeu um crime ambiental”, afirma. “Um dos princípios do Código Florestal é procurar manter as áreas produtivas como tais. E não transformar áreas antropizadas em áreas de preservação.”

Mesmo que a interpretação do Código Florestal e das leis estaduais só considere o Cerrado protegido a partir de 1989, há muito desmatamento feito depois disso para recuperar. Segundo dados do Projeto de Monitoramento do Desmatamento dos Biomas Brasileiros por Satélite o Cerrado paulista perdeu 72.108 quilômetros quadrados até 2011. Isso significa que 89% da área total do bioma no estado foi devastada. A mesma pesquisa mostra que as áreas ocupadas por lavouras temporárias e permanentes aumentaram uma vez e meia entre 1975 e 2006. Essas áreas foram abertas em cima da vegetação nativa já depois do código de 1989 em vigor.

Aí o problema é quem faz a interpretação do Cadastro Ambiental Rural para determinar se o produtor precisa recuperar algo. Há possibilidade de deixar quem desmatou escapar impune. A primeira tentativa de o estado de São Paulo regulamentar a regularização ambiental (o PRA), a Lei 15.684 de 2015 não foi bem-sucedida. A lei abria várias brechas para anistiar os desmatadores. Foi suspensa pela Justiça depois que o Ministério Público de São Paulo entrou com uma ação de inconstitucionalidade. O MP alegou que a lei estadual era mais permissiva do que o Código Florestal nacional, o que vai contra a Constitutição.

Uma coalização de ONGs lançou uma campanha, o Movimento Mais Florestas PRA São Paulo, na tentativa de garantir uma regulamentação do PRA que não perdoe todos que desmataram o Cerrado ilegalmente – ou em situação legal ambígua. A recuperação do Cerrado é importante para o estado e para o país. O Cerrado paulista é a área de recarga da maior parte do Aquífero Guarani. Do Cerrado dependem as nascentes que abastecem regiões de cidades como Bauru, Araçatuba e Ribeirão Preto. Em várias regiões do estado, há menos de 5% do Cerrado remanescente. Isso é insuficiente para garantir que a vegetação mantenha o equilíbrio climático e proteja espécies endêmicas. Sem recuperar o Cerrado, o Brasil não vai atingir a meta de combate às mudanças climáticas prometida no Acordo de Paris, diz Roberto Resende, do Movimento Mais Florestas PRA São Paulo. Ainda por cima, o Cerrado é fundamental para os próprios agricultores. Segundo pesquisas recentes, a saúde do Cerrado garante o ciclo de chuvas que alimenta a própria lavoura.

Fonte: Época

Cadastro Ambiental Rural: não dá mais para esperar


"Certamente, o maior ganho em todo o debate sobre o Código Florestal foi a criação desse importante instrumento, que permitirá que o país tenha um registro de todas as suas propriedades rurais com informações sobre o imóvel e as respectivas APP – Áreas de Preservação Permanente e Reservas Legais", Fabio Feldmann, consultor ambiental, publicado pelo jornal Brasil Econômico, 03-04-2014.

 

Eis o artigo.

 

             

 

Na semana anterior participei de um debate importante sobre a regulamentação infraconstitucional do Artigo 225 daConstituição Federal, no que tange à consideração de que alguns biomas brasileiros são considerados “Patrimônio Nacional”: Mata Atlântica, Floresta Amazônica, Serra do Mar e Zona Costeira.

 

Assembléia Nacional Constituinte deixou de contemplar o Cerrado e a Caatinga nesta categoria. Em 1993, na mal sucedida revisão constitucional, houve uma tentativa de se reparar essa omissão, estando em tramitação noCongresso Nacional algumas Propostas de Emenda Constitucional (PECs) que objetivam suprir essa lacuna.

 

Infelizmente, apenas o bioma Mata Atlântica foi objeto de uma legislação específica, editada em 2006, após quatorze anos de tramitação. Ou seja, o Congresso Nacional e o Executivo Federal têm sido absolutamente omissos no que tange a essa matéria, especialmente se levarmos em conta que a Constituição Federal está prestes a completar seu 26° aniversário.

 

Esta omissão tem sido responsável, em minha opinião, por uma relação extremamente litigiosa entre ambientalistas e ruralistas, pelo fato de que o único instrumento legal existente para proteger os biomas brasileiros é o Código Florestal. Desse modo, o país perde a oportunidade de editar legislações que permitam atender a complexidade intrínseca aos biomas, dispensando o uso e o conhecimento da ciência sobre os mesmos.

 

Apenas a título de exemplo, uma legislação que trate do Pantanal deve levar em conta o regime hídrico do bioma, a sua topografia e condições de solo, bem como os impactos prováveis do aquecimento global. Significa dizer que nos dias atuais, um legislador responsável deve escolher um modelo de legislação diferente do velho e atual CódigoFlorestal.

 

Outro exemplo importante diz respeito à regulamentação infraconstitucional da Serra do Mar, também considerada “Patrimônio Nacional”: dada à sua reconhecida instabilidade geológica, potencialmente causadora de tragédias nos períodos de chuvas, caberia ao legislador nacional criar um marco regulatório que impedisse a ocupação inadequada, como vem ocorrendo nas últimas décadas.

 

Independentemente da necessidade dessa legislação sobre os biomas inseridos na categoria “Patrimônio Nacional”, o instrumento mais importante do novo Código Florestal está pendente de regulamentação: o CAR – Cadastro Ambiental Rural.

 

Certamente, o maior ganho em todo o debate sobre o Código Florestal foi a criação desse importante instrumento, que permitirá que o país tenha um registro de todas as suas propriedades rurais com informações sobre o imóvel e as respectivas APP – Áreas de Preservação Permanente e Reservas Legais. Com isso, será possível indicar com precisão os passivos e ativos ambientais, propriedade a propriedade. Essa informação, com certeza, será um instrumento efetivo de cumprimento da legislação e possibilitará o desenho de boas políticas públicas.

 

Boas políticas públicas que protejam os vários interesses em jogo. Desde a segurança jurídica necessária aos proprietários rurais, passando pela garantia de que esses biomas continuarão prestando os serviços ambientais tão necessários à Humanidade. No Brasil, nos dias atuais, é a garantia de que continuaremos a ter água.

 

Fonte: IHU – Unisinos

Compensação de áreas desmatadas


Compensação de áreas desmatadas, artigo de Roberto Naime

desmatamento

 

[EcoDebate] O novo código florestal, tema das maiores contendas já registradas no Congresso Nacional nos últimos tempos, permite regularizar de três formas legais as áreas de reserva legal. Pela recomposição induzida pelo plantio de espécies, pela regeneração natural, muitas vezes obtida com a proteção da área desmatada, ou por mecanismos de compensação da área anteriormente desmatada, em um mesmo bioma ou ecossistema considerado, ainda que em outro estado da federação.

A recomposição pode ser feita pelo próprio proprietário ou empreendedor considerado, com o plantio de espécies nativas, conjugado com a regeneração natural, em prazos não superiores a 20 anos, conforme entendimento criterioso do órgão ambiental responsável. As espécies consideradas exóticas não devem ocupar mais de 50% do total da área, conforme registra nota da secretaria de comunicação social do senado federal.

Na regeneração natural, toda e qualquer atividade econômica existente, deve ser interrompida e a área deve ser protegida para obtenção de resultados relevantes. Já a compensação ambiental é um mecanismo prático, agora ampliado e institucionalizado, pelo qual os proprietários das áreas podem recuperar suas reservas legais, adquirindo áreas remanescentes, cobertas com vegetação natural em um mesmo bioma, mas em outro local. Os mecanismos de materialização destas reservas legais complementares, pode ser tanto por aquisição, quanto por arrendamento ou doação das áreas.

O arrendamento pode ser realizado por intermédio de servidão ambiental, mecanismo legal quando o proprietário do imóvel rural destina a área excedente de cobertura vegetal, para a reserva de imóvel rural de terceiro, desde que esteja localizada no mesmo bioma considerado. Este prático mecanismo vem incentivando a atividade de “bolsas verdes” muito atuantes, que facilitam o encontro entre aqueles que dispõem de áreas de reserva legal e aqueles que necessitam adquirir áreas de reservas legais para complementarem suas necessidades.

Esta situação, passado algum tempo da sua institucionalização, tem patrocinado situações de extrema peculiaridade, antes inimagináveis. Hoje é comum a interação de ecologistas, com representantes de sindicatos rurais e operadores ou representantes de mercados financeiros, que agilizam operações em bolsas. Um caso notório ocorre no município paraense de Paragominas, pioneiro nas atividades de regularização. Toda esta movimentação de alguma forma “desanuvia” o clima e estabelece para todas as partes envolvidas que é preciso “compartilhar o mesmo barco” que é o planeta Terra. Não só o estado da federação ou o país.

Situado nas proximidades da capital do estado, a recuperação ou a regeneração da vegetação natural na área não gerava atrativos, assim como em outras áreas rurais próximas a núcleos urbanos, onde a compensação com áreas vegetadas do mesmo bioma é mecanismo mais atraente. Na Amazônia Legal, é permitida a utilização como área de servidão ambiental, o percentual de vegetação que exceder a 50% nas áreas de floresta e a 20% nas áreas de Cerrado.

A cota de reserva ambiental (também conhecida pela sigla CRA), é um título representativo de vegetação nativa sob regime de servidão ambiental, reserva particular do patrimônio natural (RPPN) ou reserva legal instituída em regime voluntário sobre a vegetação excedente, visando especificamente a comercialização. No caso, os proprietários das áreas poderão realizar plano de manejo, permanecendo responsáveis pela exploração da gleba conforme diretrizes emanadas pelo licenciamento.

A terceira e última forma de compensação ambiental é a doação ao poder público de área localizada no interior de unidade de conservação que ainda esteja pendente de regularização fundiária completa e implantação plena, podendo ainda se materializar em contribuição a fundo de natureza pública, que tenha como objetivo expresso, a mesma finalidade.

Notícia expressa pela agência Senado, manifesta que o Sr.Virgílio Viana, superintendente da Fundação Amazonas Sustentável considera positiva a compensação de áreas conforme previsto, incentivando uma economia virtuosa que incentiva a interação entre os agentes do agronegócio com os agentes ecológicos.

A grande discussão é sobre a data de 22 de julho de 2.008, como marco de referência para áreas que devem se submeter ou não a processos de recomposição e compensação. Mas lei se cumpre e não se opina ou discute. As pequenas propriedades mantiveram o atributo de não precisar recuperar áreas desmatadas antes desta data. Para a regularização das áreas desmatadas até a data limite considerada, os proprietários podem recompor a área com o plantio intercalado de espécies nativas e exóticas; isolar a área para que ocorra a regeneração natural; ou ainda compensar a reserva legal em outra propriedade. Em qualquer das possibilidades consideradas, será obrigatória a inscrição do imóvel no Cadastro Ambiental Rural (CAR).

A discussão sobre a viabilidade de identificar se o desmatamento foi anterior ou posterior a data limite considerada, se torna matéria vencida dentro da realidade materializada neste contexto. Para a compensação, cuja previsão é que também possa ser realizada em outro estado, também é necessário que a área escolhida seja considerada prioritária. Essa definição de prioridade deverá ser feita pela União e pelos estados, para a conservação e recuperação de ecossistemas ou espécies vegetais ou animais que estejam ameaçadas.

Em propriedades de até quatro módulos fiscais, tamanho este que pode variar entre os municípios, as regras são diferenciadas. Essas pequenas propriedades serão regularizadas com a porcentagem de mata nativa existente em 2008, mesmo que inferior ao percentual exigido na lei. A notícia da agência Senado destaca que para o senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF), a medida não significa anistia irrestrita, mas um benefício aos pequenos produtores, que têm menos condições econômicas de recuperar as áreas.

As regras continuaram as mesmas sobre os montantes das reservas legais. Em imóveis rurais localizados na Amazônia Legal, a reserva será de 80% da propriedade nas áreas de florestas, sendo de 35% nas de cerrado; e prosseguindo com 20% para os imóveis em áreas de campos gerais. Nas demais regiões do país, independentemente do tipo de vegetação, a área mínima de reserva é de 20%.

Este fortalecimento do mercado de compensação florestal que já se observa no país, segundo pesquisadores citados pela agência Senado, representa importante mecanismo de distribuição de renda. A resiliência apresentada pelos ecossistemas do país deverá contribuir para que a autorregeneração seja hegemônica. Os mecanismos das bolsas será muito importante, tanto para viabilizar mecanismos de distribuição de renda, como para viabilizar o encontro de cerca de 1 milhão de propriedades com excedentes de reserva legal, com as 4 milhões de propriedades, que são estimadas com necessidades de complementação.

Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.

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in EcoDebate, 24/09/2015

O Código Florestal e a sustentabilidade da agricultura brasileira


Em 28 de abril passado, a Agroicone promoveu o evento “O Código Florestal e a Sustentabilidade do Agronegócio”, reunindo especialistas, representantes dos setores produtivos e financeiros, do governo federal, de associações e de organizações não-governamentais para refletir sobre a importância do Cadastro Ambiental Rural (CAR) como pré-requisito para a implementação do Código Florestal e seus benefícios para o planejamento da agricultura e gestão do território.

A coordenadora do programa Finanças Sustentáveis do GVces, Annelise Vendramini, foi uma das convidadas do evento e gravou uma entrevista destacando a relevância do Código Florestal para a gestão do território brasileiro. “Com ele, vamos poder fazer a gestão da base de dados sobre a terra. No longo prazo, isso vai permitir que o Brasil avance com as políticas públicas de gestão e fiscalização do território”, disse Annelise.

Confira abaixo a entrevista de Annelise e clique aqui para saber mais sobre o evento e assistir às demais entrevistas.