Cidades lideram avanços contra mudanças climáticas


"Prefeitos não têm o luxo de só falar dos problemas, eles precisam entregar resultados". A afirmação é do prefeito da cidade de Nova York, Michael Bloomberg. Segundo ele, os governos nacionais têm falhado para agir, enquanto que os municípios encarnam o espírito de inovação. "Quando se trata de mudanças climáticas, as cidades são os lugares onde o maior progresso está sendo feito", ressaltou ao The Guardian.

                          

Engana-se quem pensa que as alterações do clima afetam apenas no nível no mar. Na verdade, cada cidade tem seus desafios, que vão desde cheias até incêndios, o que também prejudica o meio ambiente e a economia local.

Mais da metade da população mundial vive em cidades que consomem cerca de dois terços da energia global e geram 70% das emissões de carbono. Muitas dessas megacidades estão situadas na costa, o que faz com que as pessoas fiquem vulneráveis a elevação do nível do mar e os efeitos dos ventos, ocasionados pelas mudanças climáticas.

Para Roland Busch, chefe de Cidades e Infraestrutura da Siemens, as áreas urbanas do mundo estão onde há mais oportunidades – as cidades concentram mais de 70% do PIB mundial e estão crescendo mais rápido do que outras partes da economia. "Se quiser fornecer infraestrutura para as pessoas com custo-benefício e de maneira eficaz, a solução está nas cidades", apontou.

Como fazer uma cidade grande?

A consultoria McKinsey lançou o relatório Como tornar uma cidade grande, no qual os líderes que fazem avanços importantes na melhoria das suas cidades costumam ser pautados por três princípios básicos: garantir um crescimento inteligente, fazer mais com menos e ganhar apoio para as mudanças.

Segundo o documento, em 2030, cerca de 5 bilhões de pessoas (60% da população mundial) viverá em cidades – atualmente são 3,6 bilhões. Para atender a essa demanda, líderes de países em desenvolvimento devem lidar com a urbanização em escala sem precedentes, enquanto os países desenvolvidos precisarão lutar contra o envelhecimento das infraestruturas e orçamentos esticados.

"Todos estão lutando para garantir ou manter a competitividade de suas cidades e os meios de vida das pessoas que vivem nelas. E todos estão conscientes do legado ambiental que eles devem deixar, e para isso é necessário encontrar formas mais sustentáveis, com recursos eficientes de gestão destas cidades", sugere o relatório.

– Leia o relatório na íntegra (em inglês) –

Fonte: EcoDesenvolvimento

Os limites da Terra e os desafios financeiros e ambientais


                

Os problemas ambientais do mundo já ultrapassaram os limites da Terra e a possível continuidade da melhora dos indicadores sociais estão ameaçados pela crise financeira. Nos últimos duzentos anos, o ser humano tem retirado recursos ambientais da Terra, transformando as riquezas naturais em artigos de luxo e devolvido tudo em forma de lixo, para a tristeza do Planeta. Há quem diga que os seres humanos são os vândalos do meio ambiente.

A metodologia da Pegada Ecológica mostra que a humanidade já superou em 50% o uso sustentável da biocapacidade. A metodologia das Fronteiras Planetárias mostra que estamos ultrapassando os limites seguros para a vida na Terra. O IPCC mostra que o aquecimento global é provocado pelas atividades antrópicas e atingiu os maiores níveis nos últimos 12 mil anos. Em todos os cenários, o quadro é de insustentabilidade do modelo de crescimento da produção e consumo, em um quadro de uma população e renda per capita em expansão.

Em pouco mais de dois séculos, a humanidade teve um impacto maior sobre a biosfera do que nos 200 mil anos anteriores da história do homo sapiens. Entramos na Era do Antropoceno, isto é, da dominação humana sobre a Terra e sobre as demais espécies animais e florestais. Mas ao mesmo tempo os ganhos de escala da economia estão virando deseconomias de escala e a sinergia virando entropia. As mudanças climáticas têm provocado diversos desastres naturais e têm aumentado o sofrimento dos refugiados do clima.

Levantamento da FAO mostra que 200 quilômetros quadrados de florestas foram dizimadas por dia no mundo, entre 2000 e 2005, com perda de 7,3 milhões de hectares. Somente o Brasil destruiu 3,1 milhões de hectares de florestas nesse período de 5 anos. Entre 2000 e 2010 aproximadamente 13 milhões de hectares de florestas foram convertidos para outros usos ou perdidos. Aliás, o Brasil já destruiu 93% da Mata Atlântica, mais de 50% do Cerrado e a Amazônia está sendo saqueada de suas madeiras de lei e invadida pela pecuária, as plantações de soja e agora o Congresso permite a plantação de cana-de-açúcar na região. Os ecossistemas brasileiros estão sendo depredados e destruídos.

Segundo o relatório Povos resilientes, Planeta resiliente: “a sobrepesca fez com que 85% de todos os estoques de peixes fossem atualmente classificados como sobre-explorados, esgotados, em recuperação ou totalmente explorados, uma situação substancialmente pior do que há duas décadas. Enquanto isto, os escoamentos agrícolas significam que os níveis de nitrogênio e fósforo nos oceanos triplicaram desde a época pré-industrial, levando a aumentos maciços das zonas mortas costeiras. Os oceanos do mundo também estão se tornando mais ácidos em consequência da absorção de 26% do dióxido de carbono emitido na atmosfera, afetando tanto as cadeias alimentares marinhas quanto a resiliência dos recifes de corais. Se a acidificação dos oceanos continuar, é provável que haja alterações nas cadeias alimentares bem como impactos diretos e indiretos sobre diversas espécies, com consequente risco para a segurança alimentar, afetando as dietas baseadas em alimentos marinhos de bilhões de pessoas em todo o mundo” (p. 30).

Diversos rios e lagos do globo estão sendo destruídos, contaminados ou desviados para diversos usos. O rio Colorado nos Estados Unidos não chega mais ao mar. Os rios da China estão sendo represados e poluídos, gerando conflitos hidropolíticos. Nas grandes cidades brasileiras a transformação de rios em canais de esgoto segue a ritmo acelerado, como nos casos do rio Arrudas em Belo Horizonte, do rio Carioca no Rio de Janeiro e do rio Tietê em São Paulo. Por tudo isto, cresce a luta pelo “Direito das águas”.

A dependência do petróleo, de produtos químicos e o uso de métodos não-orgânicos na agricultura tem gerado agressões ao meio ambiente, provando erosão, infertilidade, desertificação, contaminação dos solos, das águas, dos animais e dos seres humanos. A pecuária não tem causado menos danos, além de acelerar o desmatamento e elevar a emissão de gás metano. A acidificação do solo e dos oceanos reduz a fertilidade em geral e ameaça a biodiversidade.

O apetite humano tem provocado o sofrimento e o desaparecimento de outras espécies de seres vivos e animais sencientes. Segundo a FAO, cerca de 60 bilhões de animais são mortos todos os anos para enriquecer a dieta dos 7,1 bilhões de habitantes do mundo. Cerca de 30 mil espécies são extintas a cada ano. A perda de biodiversidade prossegue de maneira assustadora, mostrando a gravidade dos problemas ambientais.

O Parque Nacional do Iguaçu, considerado por biólogos um dos locais com as melhores condições de abrigar uma grande população de onças-pintadas no pouco que resta da Mata Atlântica no Brasil, sofreu uma redução de mais de 80% no número de indivíduos do final dos anos 1990 para cá. De uma média de cem onças estimadas em estudo naquele período, hoje se acredita que só restem 18, de acordo com reportagem do jornal o Estado de São Paulo.

Segundo a National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA), dos Estados Unidos, os níveis de dióxido de carbono na atmosfera saltaram 2,67 partes por milhão (ppm) chegando ao montante recorde de 395 ppm, em 2012. O registro do ano passado só ficou atrás do aumento de 2,93 ppm ocorrido em 1998. Sem surpresas, em maio de 2013, os níveis de CO2 chegaram ao limite crítico de 400 ppm. Controlar o aquecimento global nos limites dos 2 graus está ficando cada vez mais difícil.

Para agravar tudo isto, os governos continuam emitindo moeda e se endividando para elevar a “demanda agregada” (os níveis de investimento e consumo), com a boa intenção de reduzir o desemprego. Mas gerar crédito fictício pode minorar os problemas do curto prazo, mas não vai resolver os problemas de longo prazo da economia. Os Estados Unidos, por exemplo, estão paralisados pelo debate interminável sobre o teto da dívida pública (a dívida está em US$ 16,7 trilhões atualmente, mas crescendo).

Tanto as economias desenvolvidas quanto as chamadas economia emergentes estão passando por grandes incertezas e redução do crescimento. Enquanto o clima esquenta, a economia esfria. Nunca o mundo se viu diante de tão graves problemas ambientais e financeiros. Não vai ser fácil resolver esta dupla crise.

Referências:

TVERBERG, Gail. Oil Limits and Climate Change. Posted on May 23, 2013

TVERBERG, Gail. Oil Prices Lead to Hard Financial Limits, Posted on August 28, 2013

Kate Raworth. Um espaço seguro e justo para a humanidade: Podemos viver dentro de um “Donut”? Textos para Discussão da Oxfam, 2012

WWF. Relatório Planeta Vivo 2012

ALVES, JED. A destruição dos ecossistemas brasileiros, EcoDebate, Rio de Janeiro, 07/03/2013

ALVES, JED. O Decrescimento Demo-Econômico e a Sustentabilidade Ambiental. XI ENABER – XI Encontro da Associação Brasileira de Estudos Regionais e Urbanos, Foz do Iguaçu, 02 a 04/10/2013

 

* José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

** Publicado originalmente no EcoDebate e retirado do site CarbonoBrasil.

Fonte: Envolverde

Mais doutores para o desenvolvimento sustentável


O papel da educação superior, em especial o da Engenharia, para alcançar as metas de sustentabilidade global foi uma das tônicas das discussões no segundo dia do 6º Fórum Mundial de Ciências (FMC), que terminou na quarta-feira (27/11) no Rio de Janeiro.
 

                                              

“O mundo está produzindo mais doutores do que nunca. Boa parte dos países, tanto os desenvolvidos como os em desenvolvimento, estimula os sistemas de pós-graduação porque enxerga a mão de obra mais qualificada como uma chave para o crescimento econômico”, afirmou o engenheiro sul-africano Daya Reddy, presidente da Academia de Ciências da África do Sul e professor da Universidade da Cidade do Cabo, que participou da sessão plenária sobre “Ciência e Educação em Engenharia”.

A questão, segundo Reddy, é que em alguns países, incluindo Estados Unidos e Japão, os graduados enfrentam um setor industrial incapaz de absorvê-los. A oferta ultrapassa a demanda.

Dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD, na sigla em inglês) mostram que os EUA formam 20 mil doutores por ano, com crescimento anual de 2,5%.

No Japão, nos anos de 1990, o governo estabeleceu uma política para triplicar o número de PhDs, visando tornar a ciência japonesa mais competitiva com a do Ocidente. O governo conseguiu alcançar sua meta. “O problema agora é para onde mandar os pós-graduados, já que não há lugar para eles nem na Academia nem nas empresas”, afirmou Reddy.

Na China, o número de doutores alcançou a cifra de 50 mil ao ano – um crescimento anual de 40% –, número que ultrapassa o de todos os outros países. A mão de obra é largamente absorvida, resultado do boom na economia chinesa. “Para eles, é relativamente mais fácil encontrar trabalho em seu país", disse Reddy.

Em outros países em desenvolvimento a situação é diferente. Em 2004, a Índia produziu cerca de 5.900 doutores em ciência, tecnologia e engenharia, número que aumentou para 9 mil ao ano, em um crescimento anual de 8,5%. “O número ainda se encontra abaixo da demanda da indústria e o país precisa de mais doutores para corresponder ao crescimento de sua economia e de sua população, que já chegou a 1,23 bilhão”, avaliou o pesquisador. A meta agora é fazer 20 mil PhDs até 2020.

Na África do Sul, de acordo com Reddy, o Plano Nacional de Desenvolvimento estabelece uma meta de 100 PhDs por mil habitantes até 2030, o equivalente a 5 mil por ano. Atualmente, o país forma 30 doutores por cada mil habitantes, ou seja, mil por ano. “Temos uma população de cerca de 50 milhões de habitantes, então o número é bem razoável”, avaliou o pesquisador sul-africano.

O Brasil forma mais de 10 mil doutores por ano (equivalente a um crescimento anual de 11%). Desse número, 53% são doutores em ciências e engenharias e 47% em outras áreas, como humanas.

O país, no entanto, tem ainda menos de dois doutores por mil habitantes. As mulheres brasileiras passaram a ser maioria entre os doutores titulados no país a partir de 2004, com 51% do total, porcentagem que vem se mantendo desde então.

“Para um país cuja pós-graduação tem apenas 50 anos, o número não deixa de ser um progresso, embora ainda careçamos de 20 mil engenheiros a cada ano”, destacou Jacob Palis, presidente da Academia Brasileira de Ciências.

Se ter mais e mais doutores é visto pelos países como o segredo para impulsionar suas economias, para os pesquisadores reunidos no 6º FMC o desafio é alcançar o desenvolvimento de forma sustentável e inclusiva, em um mundo que apresenta problemas como superpopulação, pobreza, urbanização acelerada, mudanças climáticas, crescente demanda por energia, comida e água e vulnerabilidade da população a doenças infecciosas e a desastres naturais, conforme afirmou o engenheiro Tariq Durrani, vice-presidente da Royal Society de Edinburgh, também palestrante do Fórum Mundial da Ciência.

Mais informações sobre o Fórum: www.sciforum.hu/index.html

Fonte: Washington Castilhos – Agência Fapesp

Publicado em: Mundo da Sustentabilidade

O mal-estar social e uma herança de desigualdades: desafios a serem superados.


Entrevista especial com Tânia Bacelar de Araújo

    

“A situação social melhorou um pouco, mas a grande maioria da população vive em condições sociais muito adversas e o tamanho da melhora não é suficiente para o tamanho das dificuldades que temos de enfrentar”, avalia a economista.

“O governo é um ente que, quando entra na economia, não gera renda; ele apropria a renda que a economia gera. Quando dizemos que o governo paga, alguém está pagando pelo governo, e geralmente são os que têm menos poder de pressão no governo que pagam”. A ponderação é da economista Tânia Bacelar de Araújo, em entrevista concedida pessoalmente à IHU On-Line, na última quinta-feira, quando esteve na Unisinos, participando do XV Simpósio Internacional IHU. Alimento e Nutrição no contexto dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio.

Interferências como essa, acompanhadas de complicadores externos e internos, geraram a “espiral em que estamos há duas décadas”, com uma elevada dívida pública, pontua. A solução para resolver essa questão, contudo, não consiste na manutenção de um estado mínimo, mas, sim, em “reequilibrar a conta do governo. E isso deve ser feito a médio prazo, porque não dá para fazer isso no curto prazo”, assegura. Apesar de a resposta parecer simples, “esse é um grande problema”, diz Tânia Bacelar de Araújo, na entrevista a seguir.

Na avaliação da economista, os impactos da dívida pública são sentidos em todas as áreas sociais, “porque o governo fecha no vermelho e precisa se financiar. Para isso, ele emite títulos para quem tem dinheiro financiá-lo e paga uma taxa de juros muito alta a essas pessoas”. Por isso, acentua, há cortes na saúde, na educação, nos investimentos, “porque não dá para cortar a parte do investidor, já que o governo depende dele para continuar se financiando”.

Apesar das conquistas sociais dos últimos anos, Tânia também identifica um mal-estar na sociedade brasileira, o qual emergiu nas manifestações de junho do ano passado. Essa insatisfação está relacionada com a “herança de desigualdades” do país e com o fato de o Brasil não ter superado esse passado. “Quando as pessoas melhoram de condição de vida, elas querem mais. É uma condição da natureza humana querer melhorar. E como se teve uma melhora, se viu que é possível melhorar, e isso estimula cobrar mais”, assinala.

Tânia Bacelar possui graduação em Ciências Sociais pela Faculdade Frassinetti do Recife, graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Católica de Pernambuco, diploma de Estudos Aprofundados – D.E.A. pela Universidade de Paris I, Panthéon-Sorbonne e doutorado em Economia Pública, Planejamento e Organização do Espaço pela Universidade de Paris I, Panthéon-Sorbonne. Exerceu vários cargos públicos e atualmente é professora do Departamento de Geografia da Universidade Federal de Pernambuco, sendo também sócia da Consultoria Econômica e Planejamento – CEPLAN.

Confira a entrevista. 

IHU On-Line – Que momento o Brasil vive em relação à economia? Qual seu diagnóstico de como o governo Dilma tem conduzido a economia do país?

Tânia Bacelar de Araújo – O Brasil vive um momento de dificuldades. O contexto em que a presidente Dilma assumiu a presidência é diferente do contexto em que o presidente Lula governou. É o mesmo partido que domina o governo, é a mesma coligação política, mas o contexto em que eles assumiram é muito diferente. Foi muito mais favorável no governo Lula e menos favorável no governo Dilma. O elemento de definição disso é a crise de 2008, que foi se aprofundando e a partir de 2010 a economia brasileira sentiu mais os impactos da crise mundial. A presidente também cometeu alguns equívocos e estamos pagando um preço por isso.

IHU On-Line – Quais equívocos?

Tânia Bacelar – Por exemplo, ter baixado a taxa de juros, que é uma coisa que Lula não fez, mas ela fez. O caso é que ela fez sozinha.

IHU On-Line – Ela não teve apoio? Não deveria ter baixado a taxa de juros?

Tânia Bacelar de Araújo – Poderia, mas a conjuntura em que isso aconteceu era mais adversa e ela preparou pouco, politicamente, essa atitude para o tamanho da ousadia que iria patrocinar.

Aí ela teve de recuar e perdeu a batalha, tendo que voltar as taxas de juros a um patamar muito elevado, e esse é um dos problemas da economia brasileira. Como o governo brasileiro é deficitário, ele depende de financiamento, através da emissão de títulos, para poder fechar as suas contas. O tamanho da dívida pública brasileira é muito alto, e como a taxa de juro também é muito alta, quanto mais se eleva a taxa de juros, mais o governo paga de rendimentos a quem empresta dinheiro a ele. Então, é bom para quem tem excedente financeiro e péssimo para a maioria da população e para o país no seu conjunto. O Brasil não conseguiu sair dessa situação.

 

"Identifico uma situação de crise, mas não diria que é desindustrialização"

IHU On-Line – Nesse sentido, são mais os fatores externos ou internos que determinam a situação econômica do Brasil atualmente? À época do governo Lula havia bastante expectativa de crescimento no longo prazo por conta do crescimento do PIB de 7%, mas, por outro lado, havia algumas críticas no sentido de que esse crescimento era causado por conta da situação externa e não interna. Além da crise internacional e da dívida pública brasileira, quais são os outros fatores que fazem com que o Brasil se encontre nessa situação econômica?

 

Tânia Bacelar de Araújo – O contexto externo teve uma força grande, mas a presidente Dilma entrou no governo em 2011 com o “freio na mão”, pressionada por fazer o ajuste das contas públicas. Teve, portanto, nesse sentido, problemas internos, e não somente problemas externos. Também tem a força de alguns setores dentro do país; não é só o governo. A força da indústria automobilística, por exemplo, tem um peso muito grande na economia, então, tanto Lula quanto Dilma deram subsídio para as pessoas comprarem mais carros. Essa medida é boa no curto prazo, porque gera emprego, mas é ruim no longo prazo, porque vai na contramão das tendências do século XXI e está criando um problema de mobilidade.

"O Brasil tem uma renda média muito baixa. O que Lula fez foi aumentá-la um pouquinho"

IHU On-Line – A senhora também identifica um cenário de desindustrialização?

Tânia Bacelar de Araújo – Identifico uma situação de crise, mas não diria que é desindustrialização. Há um problema de competitividade industrial brasileira, que foi onde o Estado fez a principal aposta no século XX, mas não localizo esse problema no período recente. Essa dificuldade se coloca com muita força na década de 1990, quando o governo Collor iniciou uma abertura comercial muito rápida. A indústria brasileira era protegida e ele quis desprotegê-la e fez isso muito depressa ao baixar as taxas de importação rapidamente. Isso gerou um choque interno negativo, porque várias das cadeias produtivas industriais brasileiras perderam a competição para outros países, ou seja, o Brasil perdeu mercado interno pelos competidores externos. Esse processo veio se aprofundando na década inicial do século XXI.

Trata-se, portanto, de um processo que já tem duas décadas. Hoje o Brasil perde espaço para a China, por exemplo, com muita força, em vários segmentos em que a indústria brasileira já ocupou esse mercado.

A renda melhorou, o consumo por bens industriais aumentou e o Brasil cedeu seu mercado à produção externa, perdendo imposto, emprego e mercado externo também. Então, o Brasil tem, sim, um problema a enfrentar na indústria. A discussão é como se enfrenta esse problema. Há um choque de produtividade que precisa ser dado. A indústria brasileira precisa investir mais em inovação, porque os mercados que estão ganhando do mercado brasileiro fizeram isso.

"Todos os segmentos sofrem com isso, porque a sociedade carrega essa dívida"

IHU On-Line – Então, o baixo índice de expressividade da indústria, indicado este ano, é consequência de políticas dos anos 1990?

Tânia Bacelar de Araújo – É o desdobramento do que vivemos nos anos 1990, mas com problemas adicionais: a crise reduziu o mercado mundial. E aí os competidores vieram para o Brasil, porque enquanto havia crise no exterior, o país estava crescendo. O Brasil se tornou atrativo para os países mais competidores que tinham como vir para cá; com isso nós perdemos espaço.

IHU On-Line – Em relação à política de crédito para movimentar o consumo interno brasileiro, o governo apostou demais nessa medida ou esteve atento à hora de reduzi-la?

Tânia Bacelar de Araújo – Não, porque o Brasil tem uma renda média muito baixa. O que Lula fez foi aumentá-la um pouquinho. Para ampliar o consumo, tem de juntar renda com crédito, e foi isso que Lula fez. Os limites de endividamento não são tão altos no Brasil e, portanto, ainda há limite de endividamento. A taxa de inadimplência também não é absurda, o que significa que as pessoas tiveram juízo e não comprometeram totalmente a sua renda. A ampliação do crédito em tão curto prazo deu chance para as pessoas adquirirem bens aos quais elas não teriam acesso se não fosse o sistema de crédito. Isso melhorou as condições de vida de muita gente. Nós que somos mulheres sabemos qual é a diferença entre ter e não ter uma máquina de lavar roupa.

"É preciso aprender a ser feliz com outro padrão de consumo"

IHU On-Line – Em que áreas é possível sentir as implicações da dívida pública?

Tânia Bacelar de Araújo – Em todas as áreas, porque o governo fecha no vermelho e precisa se financiar. Para isso, ele emite títulos para quem tem dinheiro financiá-lo e paga uma taxa de juros muito alta a essas pessoas. Então, isso gera uma renda adicional para os que são superavitários e podem emprestar ao governo. Essa situação, hoje — e desde os anos 1980 —, leva à maior parte do gasto do governo. Aí, o que o governo faz? Corta na outra parte.

Então, cada vez que o pessoal que aplica cobra ajuste do governo, está cobrando que ele corte gastos na saúde, na educação, nos investimentos, porque não dá para cortar a parte do investidor, já que o governo depende dele para continuar se financiando.

Todos os segmentos sofrem com isso, porque a sociedade carrega essa dívida. O governo é um ente que, quando entra na economia, não gera renda; ele apropria a renda que a economia gera. Quando dizemos que o governo paga, alguém está pagando pelo governo, e geralmente são os que têm menos poder de pressão no governo que pagam.

IHU On-Line – A alternativa é Estado mínimo na economia, como propõem os neoliberais? Ou o Estado deve atuar de que forma?

Tânia Bacelar de Araújo – Não. Proponho reequilibrar as contas do governo. E isso deve ser feito a médio prazo, pois não dá para fazer isso no curto prazo. Esse é um grande problema, porque, por exemplo, em relação à dívida externa, os mais radicais propõem moratória, mas quando se faz moratória da dívida externa, estoura lá fora. Quando se propõe moratória da dívida interna, estoura na nossa “cabeça”. Então, nenhuma solução radical pode ser dada.

Tem de ter uma solução construída ao longo do tempo. E uma peça chave nesse processo é a taxa de juro mais baixa, porque a taxa de juro muito alta recria a dívida só para pagar os juros, e ficamos nessa espiral em que estamos há duas décadas. Isso precisa ter um escalonamento no tempo. Já melhorou, porque a dívida já foi muito mais alta do que é hoje, mas ainda é muito pesada. Tanto que, quando olhamos o orçamento da União, percebemos que o seu principal gasto continua sendo de despesas com o pagamento da dívida pública. Aí o país precisa de recursos para investir na agricultura familiar, na educação, na saúde, e esse dinheiro disputa com o outro, porque é o mesmo caixa.

"Precisamos saber como domamos o capitalismo hoje"

IHU On-Line – E como a senhora vê, diante desse quadro, a nova estratégia do governo Dilma, de liberar a entrada de mais capital financeiro no país com a justificativa de investir no desenvolvimento?

Tânia Bacelar de Araújo – O dinheiro externo não resolve isso, porque ele se alimenta desses títulos. Então, além de pagar os ricos do Brasil, ainda pagamos os ricos do exterior, e transfere-se mais renda para o exterior. Há dois tipos de dinheiro externo que entram no Brasil: o de curto prazo, que vai para os títulos do governo, e os que entram para investir na economia e ficar no país. O Brasil tem atraído bastante capital externo, mas isso não resolve o problema dele no sentido das contas a serem pagas pelo governo. Resolve no sentido de ampliar e melhorar a economia, gerando emprego, mas, também, por outro lado, desnacionalizando as empresas, que é outro problema.

IHU On-Line – É possível conciliar desenvolvimento econômico, desenvolvimento social e sustentabilidade? Como avalia, nesse sentido, as ações do governo brasileiro, levando em conta essas três questões?

Tânia Bacelar de Araújo – É mais fácil trabalhar só com um lado da questão e dizer, por exemplo, que se a economia cresce, se resolve o problema social. O Brasil já foi um exemplo de economia crescendo muito, com cada vez mais agravamento do problema social. Com isso, aprendemos que essa proposta não era viável, que deveríamos cuidar também da questão social e ter políticas públicas para investir também no social. Essa medida ajudou a melhorar o quadro social brasileiro. Por outro lado, combinar a economia com o ambiental é uma tarefa importante, porque precisamos utilizar a natureza, mas depende da forma como a utilizamos. Como a sociedade precisa sanar as suas necessidades, ela precisa utilizar a natureza, mas a questão é como se utiliza a natureza. Uma variável estratégica é o padrão tecnológico. Então, pode-se precisar explorar uma floresta e passar uma motosserra embaixo e cortar todas as árvores de uma vez só: as maduras e as que estão ainda se desenvolvendo. Mas pode-se aproveitar a mesma floresta com corte seletivo, identificando quais são as árvores maduras, tendo mais trabalho para cortar somente essas. Mas na visão de médio e longo prazo há um ganho com isso, porque não se destruíram as árvores que estavam nascendo, as quais serão usadas quando estiverem maduras. Então, a tecnologia do corte seletivo resolveu o seu problema.

A outra forma de fazer esse diálogo é pensar em como conciliar as necessidades da população com a natureza. A grande variável é o padrão de consumo: não precisa consumir tanto e estragar tanto. Há um padrão de consumo que algumas sociedades construíram no século XX, o qual acabamos copiando. Esse modelo termina gerando um desejo nas pessoas, mas, muitas vezes, trata-se de bens supérfluos e é possível viver muito bem sem eles, ou viver com eles em menor quantidade.

Esse debate acerca do padrão de consumo remete a valores, à visão de mundo, a valores culturais. A mesma sociedade pode viver bem com outro padrão de consumo. Essa é uma discussão importante, porque ajuda a usar a natureza com mais cuidado, porque o perfil de demanda não é mais tão exigente do uso da natureza. É possível, portanto, optar pelo transporte individual — e aí estamos gerando problemas para a natureza —, ou optar por se deslocar com transporte coletivo, gerando menos problema. Existem muitos países que fizeram essa opção antes do Brasil e as pessoas se deslocam melhor do que nós. Precisamos aprender a discutir os nossos valores de consumo. Digo que é preciso aprender a ser feliz com outro padrão de consumo. E é possível.

"O Brasil já foi um exemplo de economia crescendo muito, com cada vez mais agravamento do problema social"

IHU On-Line – É possível identificar a proposta econômica dos candidatos à Presidência da República, Aécio Neves, Eduardo Campos e Dilma Rousseff?

Tânia Bacelar de Araújo – No Brasil recente, há uma bipolarização entre o PSDB e o PT liderando polos opostos. As últimas eleições foram muito marcadas por essa bipolarização. Esses partidos têm projetos de país distintos; mostrou-se isso na década de 1990, quando predominou um e depois predominou outro. Entre os dois têm diferenças importantes. Por exemplo, Aécio está dizendo que vai rever a legislação trabalhista, que é um grande clamor das assim chamadas classes produtoras.

A Dilma não reviu e também não pretende rever. Eduardo disse há poucos dias que, nesse ponto, está ao lado de Dilma. Eduardo tende mais a ter um projeto parecido com o de Dilma, embora hoje ele pareça mais próximo do Aécio. Mas por conta da sua origem, da origem do partido dele e da Marina eles têm mais a ver com o projeto de Dilma. Aécio quer mais flexibilização das leis trabalhistas, mais terceirização. Os sindicatos, por sua vez, querem rever a jornada trabalhista, mas nem Lula nem Dilma toparam rever a jornada de trabalho. Essa é uma bandeira mais dos movimentos sindicais do que dos partidos.

A economia mudaria mais com Aécio do que com Eduardo. Eduardo parece que faria uma política mais parecida com a atual. Os candidatos estão se colocando agora, e Aécio e Eduardo pareciam muito juntos, mas esta semana eles se distinguiram no debate da reforma trabalhista e esse é um ponto importante. Lembro que, na ocasião da crise de 2008, Lula foi a um seminário do qual eu participei em Brasília, e a primeira frase que ele disse foi: “Não me peçam para jogar a crise nas costas dos trabalhadores”. Então, ele tem uma definição política, e aquele era um marco. Isso tem diferença.

"Quando olhamos o orçamento da União, percebemos que o seu principal gasto continua sendo de despesas com o pagamento da dívida pública"

IHU On-Line – Diante desse contexto de melhorias sociais ao longo da última década — como a senhora apontou —, percebe, por outro lado, um mal-estar na sociedade brasileira a partir das manifestações de junho? Quais são as razões disso, se o país melhorou?

Tânia Bacelar de Araújo – Há um mal-estar por conta de duas razões: primeiro, pela história, porque a herança brasileira de desigualdade social é muito grande e, segundo, porque o Brasil continua sendo um dos países mais desiguais, socialmente, do mundo. Só perdia para Honduras e Serra Leoa. Com os anos, o país melhorou, mas hoje ainda se encontra pelo décimo lugar — passamos do terceiro para o décimo, mas ainda estamos entre os dez mais desiguais. Isso tem um peso muito grande.

A situação social melhorou um pouco, mas a grande maioria da população vive em condições sociais muito adversas, e o tamanho da melhora não é suficiente para o tamanho das dificuldades que temos de enfrentar. Essa é uma situação que gera insatisfação. Além disso, quando as pessoas melhoram de condição de vida, elas querem mais. É uma condição da natureza humana querer melhorar. E como se teve uma melhora, se viu que é possível melhorar e isso estimula cobrar mais. Nesse sentido, a sociedade brasileira tem razão: ela quer educação de qualidade. O Brasil não faz estádios no padrão FIFA? Então, a sociedade vai para a rua dizer que também quer educação e saúde no padrão FIFA. A sociedade quer mais, porque não basta Bolsa Família, não basta aumentar um pouquinho a renda. Os pais querem que seus filhos tenham outra perspectiva, querem que, quando se necessita de um atendimento da saúde, se tenha um atendimento decente. Nesse sentido, as manifestações são boas.

"Os sindicatos, por sua vez, querem rever a jornada trabalhista, mas nem Lula nem Dilma toparam rever a jornada de trabalho"

IHU On-Line – A senhora está lendo o livro do Thomas Piketty, Capital in the 21st Century (O capital no século XXI). Quais suas impressões do que já leu e qual a relevância da obra para a discussão acerca do capitalismo e das desigualdades sociais?

Tânia Bacelar de Araújo – Sim, estou lendo e também já assisti a uma palestra dele sobre o livro, disponível no YouTube. A obra é interessante porque, primeiro, ele faz uma denúncia de que a desigualdade está aumentando, e o capitalismo do século XXI é marcado pelas desigualdades. Ele faz uma distinção importante entre a geração de riqueza na produção e a geração de riqueza a partir do patrimônio, somente, sem gerar produção. Ele mostra que estamos num mundo muito complicado, em que a riqueza se gera mais a partir da propriedade do patrimônio do que produzindo. E a grande maioria das pessoas só consegue inserção na vida econômica através da produção. Esse é o problema.

Tem uma denúncia interessante no estudo que ele fez. Trata-se de uma obra respeitada, porque ele lida com estatísticas e não faz um discurso ideológico — mas claro que tem uma visão ideológica em tudo que fazemos —, mas fundamenta a visão que está sustentando a partir de uma base de informações consistentes, a qual deu força ao argumento dele.

Tem uma crítica importante sendo feita a ele, porque no fim do livro a proposta principal é a de que, já que isso está acontecendo, a solução é taxar o patrimônio, e quem é rico não está gostando.

IHU On-Line – É a proposta ideal?

Tânia Bacelar de Araújo – É uma proposta antiga, já vinha sendo defendida pelo Tobin. A taxa Tobin [1] é isso: quando ele percebeu que os fluxos cresceram muito e que as pessoas estavam ganhando muito dinheiro na esfera financeira, ele propôs a taxação financeira. A CPMF era um imposto sobre a circulação financeira. Infelizmente, o Brasil acabou com essa taxação no governo Lula, mas foi uma derrota de Lula; ele foi derrotado no Congresso.

(Por Patricia Fachin)

NOTA
[1] Taxa Tobin: é um tributo proposto pelo economista americano James Tobin, da Universidade de Yale, laureado com o Prêmio Nobel de Economia em 1981. Esse tributo incidiria sobre as movimentações financeiras internacionais de caráter especulativo.

 

Fonte: IHU – Unisinos