Por Túlio Caricatti
Tornou-se frequente encontrar aqueles que se vangloriam pela criação de uma garrafa plástica de refrigerante que utiliza 30% de material renovável a partir de cana-de-açúcar, por exemplo. Raro é encontrar quem critique esse modelo tido como sustentável. O arquiteto inglês Michael Pawlyn é um deles. Ao contrário das empresas e associações que acreditam que reduzir os danos seja a política ideal de desenvolvimento, Michael defende uma postura mais radical: a construção de estruturas e materiais 100% ecológicos.
Misturando biologia e arquitetura desde 1997, Pawlyn é um dos expoentes do biomimetismo (bio = vida; mimetismo = imitação, adaptação) pelo mundo. Esta prática prevê que o homem imitará a natureza para encontrar soluções que vão não só resolver os problemas do mundo, mas também recuperar os ecossistemas do planeta. Neste grupo de invenções biomiméticas estão, por exemplo, uma folha artificial que imita a fotossíntese para gerar eletricidade e telas que copiam a luz refletida nas escamas das borboletas para produzir imagens sem gastar energia. Além delas, muitas outras tecnologias estão em desenvolvimento por empresas e universidades do mundo.
O especialista é autor do livro Biommimicry in Architeture ("Biomimética na Arquitetura", ainda sem edição brasileira) e em 2011 deu uma palestra sobre o assunto no TED, uma das mais importantes conferências sobre tecnologia entretenimento e design do mundo. Pawlyn foi entrevistado pela Revista Galileu para explicar como a será o principal instrumento de inovação para recuperar o planeta dos danos causados pela "era dos combustíveis fósseis".
Por que a biomimética demorou tanto a acontecer?
Pawlyn: A demora tem a ver com o nosso entendimento da natureza. Não sabíamos como essas adaptações incríveis funcionariam. Ela também está relacionada com a era dos combustíveis fósseis. Esse período nos deixou preguiçosos. Tem sido tão fácil queimar combustível para atender nossas demandas que deixamos a engenhosidade de lado.
A era dos combustíveis fósseis está acabando?
Pawlyn: Sim, com certeza. Estamos entrando em uma era muito empolgante: a era ecológica. Teremos o ressurgimento da engenhosidade. Nossas soluções serão mais inventivas. Precisamos encontrar formas mais eficientes de resolver nossos problemas porque os recursos naturais do planeta estão acabando. Por isso a biomimética é tão importante. Ela será uma das ferramentas mais importantes para facilitar a transição da era industrial para a era ecológica.
Quais são as características mais importantes dessa nova era?
Pawlyn: Teremos um aumento radical na eficiência dos recursos que utilizamos para produzir nossos materiais e produtos. Essa é a área em que a biomimética terá um papel fundamental. Além disso, vamos explorar cada vez mais modelos de laço fechado. Isso significa, por exemplo, que o lixo produzido por um prédio pode servir de matéria prima para uma usina que gera energia para o próprio prédio que produziu o lixo. A era ecológica também será marcada pela transição dos combustíveis fósseis para uma economia solar.
A energia solar ainda não se inseriu de maneira definitiva no mundo. Por que estamos demorando tanto a fazer a transição?
Pawlyn: A energia que recebemos do Sol é sete mil vezes maior do que precisamos para abastecer a humanidade. Isso quer dizer que nossos problemas de energia não são insuperáveis, trata-se de um desafio para a engenhosidade. O progresso tem sido lento, sobretudo por causa da inércia e do poder sobrepujante da indústria de combustíveis fósseis. Os subsídios para eles são maiores do que para os combustíveis renováveis. Contudo, estamos chegando lá. As células fotovoltaicas ficam 20% mais baratas cada vez que a indústria dobra de tamanho. Outras células custam um quinto do que custavam há 20 anos. É uma questão de tempo.
Mas o tempo está acabando…
Pawlyn: É também uma questão de vontade. Não é uma tarefa difícil, quer ver? Produzimos 75 milhões de carros por ano e temos três bilhões de celulares do mundo. Ou seja, há um esforço manufatureiro em outros campos. Na Segunda Guerra Mundial fábricas foram transformadas da noite para o dia para a produção de material bélico. Os obstáculos que temos são basicamente políticos.
O mercado e as universidades estão preparados para receber e formar profissionais da biomimética?
Pawlyn: A biomimética é um nicho pequeno ainda. A maior parte das pessoas se identifica quando a conhece, mas não se trata de algo amplamente debatido. A sustentabilidade está mais estabelecida. Contudo, não estamos mais satisfeitos com o termo sustentabilidade. Temos que ir além, para chegar em soluções de arquitetura, design e engenharia que sejam capazes de restaurar o planeta. A biomimética é a melhor forma de inovação para fazer essa mudança.
Qual a diferença entre o design sustentável e o de restauração?
Pawlyn: Sustentável implica em algo que poderá continuar indefinidamente. Porém, em muitos momentos, isso tem a ver com mitigação, em fazer com que algo fique um pouco menos pior. Continuamos com o modelo velho, mas o tornamos menos agressivo ao ambiente. Por outro lado, o design de restauração procura soluções que recuperam os ecossistemas.
Poderia dar um exemplo de design sustentável e outro que seja de restauração?
Pawlyn: Digamos que um prédio de escritórios usa 30% menos energia elétrica, tem 20% menos concreto e janelas que conseguem filtrar a luz solar. Essas janelas, por exemplo, misturam diferentes materiais e todo o vidro que vai parar no ambiente não é reciclável. O concreto, mesmo em menor quantidade, continua sendo concreto, que é um material cuja produção emite muito gás carbônico. A conclusão é que apesar de ser menos agressivo, o prédio não contribui para a recuperação do ambiente. Ele apenas torna a agressão mais lenta.
Como seria esse prédio se ele tivesse sido concebido a partir de conceitos de restauração?
Pawlyn: Um prédio assim tem o objetivo de aumentar a produtividade das pessoas, criando níveis de luz ambiente e melhorando a qualidade interna do ar, por exemplo. O ar que sai do prédio precisa ser tão limpo quanto o que entra. Isso pode ser feito usando plantas. É preciso também usar materiais que reduzem os níveis de poeira. A luz solar não aproveitada para iluminação é transformada em eletricidade para o prédio. A conclusão é que devemos ir além do conceito comum de sustentabilidade e recuperar o sistema agredido. Temos que sair de um nível estático, em que consumimos os recursos naturais de forma inconsequente, e sermos produtores dinâmicos de recursos.