Cobertura sobre a 4ª Semana de Estudos Amazônicos


O evento acontece entre os dias 29 de outubro e 1º de novembro em diversas instituições ligadas à Companhia de Jesus (Thiago Ventura/DomTotal)

Centro das atenções mundiais nos últimos tempos, a Amazônia ainda é uma grande desconhecida da população brasileira. Reunindo representantes da sociedade civil, do poder público, dos povos amazônicos, de instituições eclesiais e da comunidade acadêmica, a 4ª Semana de Estudos Amazônicos (Semea) é uma resposta a essa lacuna. O evento acontece entre os dias 29 de outubro e 1º de novembro em diversas instituições ligadas à Companhia de Jesus na região de Belo Horizonte, entre elas a Dom Helder Escola de Direito, que recebe grande parte das atividades.

Confira abaixo a cobertura completa do Semea!

Veja também:

Funai reconhece território tradicional do povo Munduruku no rio Tapajós


Na data em que se celebra o Dia do Índio, a Funai publicou, no Diário Oficial da União, o Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação da Terra Indígena Sawré Muybu, do povo Munduruku, e de outras três terras indígenas no Brasil, permitindo o prosseguimento da demarcação desses territórios

 

Menino Munduruku durante reunião do povo (©Fábio Nascimento/Greenpeace)

 

 

Hoje os Munduruku de Sawré Muybu vivem o que provavelmente será o Dia do Índio mais importante de sua história: finalmente, mais de uma década após o início do processo de demarcação da Terra Indígena (TI) Sawré Muybu – com 178 mil hectares, localizada nos municípios de Itaituba e Trairão, no Pará -, a Funai deu continuidade à demarcação, com a publicação do “Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação”, que reconhece o território.

“Essa vitória é fruto da união de nosso povo, que se fortaleceu para buscar os parceiros que apoiam a nossa luta e que tiveram uma contribuição muito grande. Nessa data especial que é o Dia do Índio, ele [o presidente da Funai] não assinou [o relatório] porque ele quis, mas sim por conta da pressão que há muitos anos a gente vem fazendo. Esse é o primeiro passo de vitória, mas a gente vai continuar nossa luta. Sabemos que depois vem a contestação, e sabemos dos outros projetos que vão impactar nossa vida e nossa cultura, como a hidrelétrica que querem construir no Tapajós. Estamos lutando pelo território e por uma coisa boa para a humanidade. Queremos que as pessoas juntem-se a nós porque estamos lutando por um futuro melhor que é de todos”, afirma Rozeninho Saw Munduruku.

Hidrelétrica

A demarcação da TI Sawré Muybu é uma antiga reivindicação do povo Munduruku, que vive no rio Tapajós há gerações. No entanto, o processo estava paralisado desde 2013, justamente porque a Funai não havia publicado o relatório circunstanciado que, na prática, confirma a ocupação tradicional dos índios neste território. Na época, a então presidente interina da Funai, Maria Augusta Assirati, chegou a declarar que o relatório estava aprovado, mas não tinha sido publicado por envolver outros interesses do governo.

Nos últimos anos, por pressão do setor energético, uma hidrelétrica foi colocada no caminho da demarcação de Sawré Muybu. Desde maio de 2011, São Luiz do Tapajós passou a figurar como obra prioritária do governo. Se construída, ela poderá alagar parte do território indígena, comprometendo a sobrevivência física e cultural do povo Munduruku, devido aos impactos sobre a flora, a fauna e sobre os locais sagrados do povo, e forçando a remoção da população que habita o território de Sawré Muybu. De acordo com o Artigo 231 da Constituição Federal, é vedada a remoção de grupos indígenas de suas terras, salvo em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, e garantindo o retorno imediato logo que cesse o risco.

“A publicação do relatório é realmente um passo importante para que a demarcação prossiga rumo aos momentos finais, sendo considerada uma importante vitória que honra a tradição de luta do povo Munduruku e premia o esforço de articulação realizado pelo povo no sentido garantir seus direitos constitucionais e contra a construção de hidrelétricas no rio Tapajós”, afirma Danicley de Aguiar, da Campanha da Amazônia do Greenpeace.

Autodemarcação

Em 2014 e 2015, os Munduruku realizaram a autodemarcação da TI Sawré Muybu, confirmando os limites da terra de acordo com o que consta no próprio relatório que agora foi publicado. Nesse processo, eles exigiam não só o reconhecimento de sua existência, mas também de seus direitos: “A publicação do Relatório ocorre depois de muita luta e pressão do povo Munduruku, que nunca desistiu de lutar por seus direitos. A demarcação da TI Sawré Muybu é importantíssima não só por garantir a proteção do território e da floresta, mas por assegurar a prevalência dos direitos indígenas em relação aos projetos hidrelétricos nos rios da Amazônia”, completa Aguiar.

Para os Munduruku, Sawré Muybu é muito mais do que um simples pedaço de terra. É lá que eles têm a base de sua cultura e alimentação, e é o rio Tapajós que abriga diversos locais sagrados que poderão ser destruídos caso a construção da hidrelétrica ocorra. A publicação do relatório foi um importante passo no sentido de garantir a proteção do território, mas ainda é preciso lutar para que a demarcação seja finalizada e para que o governo desista dos planos de construir as dezenas de hidrelétricas previstas para a bacia do Tapajós.

“A gente conserva a floresta andando nela, por terra, debaixo dela, e não só de cima, onde muitas vezes não dá para ver nada. A autodemarcação para nós é isso, é cuidar da floresta, impedir que tirem madeira e conservar os frutos e a caça”, afirmou o cacique Juarez Saw Munduruku, em entrevista ao Greenpeace em 2015, explicando que o direito à terra é fundamental para a sobrevivência de seu povo.

Mais terras indígenas rumo à demarcação

Outras três terras indígenas também tiveram seus Relatórios Circunstanciados publicados no Diário Oficial hoje: a TI Ypoi/Triunfo, do povo Guarani Ñandéva, no Mato Grosso do Sul; a TI Sambaqui, do povo Guarani Mbyá, no Paraná; e a TI Jurubaxi-Téa, dos povos Baré, Tukano, Baniwa, Nadöb, Pira-Tapuya, Arapaso, Tariana, Tikuna, Coripaco e Desana, no Amazonas. No total, nesse pacote foram declarados 1.4 milhões de hectares. Ainda assim, o governo de Dilma Rousseff é um dos que menos demarcou terras indígenas na história do Brasil.

Fonte: Greenpeace

Tupi or not tupi


Cada língua indígena extinta representa a perda de riqueza biológica e cultural, além de afastar o homem da natureza

A língua dos índios Aikanã, da Bacia do Rio Guaporé, em Rondônia, é bastante complexa. As palavras possuem regras que qualificam o objeto para além do singular ou plural, do masculino ou feminino. Elas contêm indicadores que caracterizam o atributo de ser jovem ou velho; grande ou pequeno, bonito ou feio. Assim, como no vocabulário de outros povos indígenas, não existe um termo que, por exemplo, transmite unicamente o significado geral de “café” – há uma palavra específica para o café na forma bebida, outra para café em pó, e assim por diante.

Entender essas peculiaridades pode parecer uma preocupação fora de propósito para quem vive na cidade grande com planos de aprender inglês, francês, alemão e demais idiomas que representam o poder econômico dominante e ajudam a conseguir um bom emprego ou a avançar na carreira. Mas, para Hein van der Voort, pesquisador do Museu Paraense Emílio Goeldi, em Belém (PA), destrinchar o quebra-cabeça de uma língua falada por apenas 200 pessoas, como é o caso dos Aikanã, faz todo sentido: “Ela expressa a identidade e o conhecimento de povos que têm muito a nos ensinar na relação com a natureza”.

Soma-se a isso o valor cultural. “É como uma obra de arte que demorou centenas ou milhares de anos para ser construída e corre o risco de desaparecer”, compara Voort, linguista que hoje documenta com gravações de áudio e vídeo falas, músicas e outras expressões daquela etnia indígena, com o objetivo de escrever uma gramática para a língua. Uma floresta destruída pode até se recuperar após determinado tempo; mas no caso de línguas praticamente extintas a revitalização é muito difícil: “Há necessidade de que antes sejam completamente descritas”.

Etnias, como a Terena, em Mato Grosso do Sul, têm dicionário e cartilha na língua materna, mas ainda é pouco. Para Voort, o Brasil segue o caminho de países onde grupos lamentam a perda de suas raízes étnicas, devido ao desaparecimento da língua, o “que é bastante ruim para a sociedade como um todo, que se torna mais empobrecida”.

Na época do Descobrimento, existiam entre 1 mil e 1,5 mil línguas indígenas. Hoje restam 181, de acordo com levantamento do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Já a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) [1] lista 190 línguas no Brasil, todas com algum grau de ameaça. Quinze delas têm menos de cinco falantes; estão em “perigo crítico”, faladas apenas por idosos com menor chance ser passadas adiante para as próximas gerações. “Salvar esse patrimônio, em processo completo de erosão, deveria ser uma política de Estado e não de um órgão do governo”, reconhece José Carlos Levinho, diretor do Museu do Índio, no Rio de Janeiro.

[1] Das cerca de 6 mil línguas existentes no mundo, quase 2,5 mil estão em perigo, e entre estas 199 têm menos de 10 falantes, segundo a Unesco. A cada duas semanas pelo menos uma língua desaparece no planeta

A estratégia tem sido documentar línguas [2] e culturas para que o acervo sirva a trabalhos de revitalização – ou pelo menos seja conservado como amostra da diversidade brasileira às próximas gerações. Registros audiovisuais são essenciais para captar a fala e entender como o som é articulado pela boca. “Os resultados, no entanto, são ainda inconsistentes, porque é preciso fazer estudos linguísticos de longo prazo, e agora queremos mostrar que isso é possível”, diz Levinho.

[2] Nos últimos dois anos, o Museu do Índio concentrou esforços em 13 línguas para a construção de cinco gramáticas

O objetivo é a salvaguarda do patrimônio linguístico da região de fronteira, por meio de dez projetos direcionados a povos que tiveram contato mais recente com a nossa sociedade. A iniciativa, apresentada à Unesco, pretende evitar que a vulnerabilidade se agrave. “Hoje, um terço das etnias do Brasil possui menos de 500 habitantes e, dessas, muitas têm menos de 10 pessoas que falam a língua materna”, ressalta o diretor. Para ele, nos dias atuais, “países que têm maior diversidade linguística e sabem lidar com minorias são mais capazes de atrair investimentos e prosperar”.

A riqueza linguística se traduz na diversidade do conhecimento por ela expressada, transmitida de pai para filho, com influência na sociedade em geral. “Na prática já somos beneficiados por esse acervo quando consumimos produtos da biodiversidade, mas falta reconhecê-lo”, completa Levinho. Foi pela fala dos índios que técnicas de cultivo orgânico se mantiveram vivas até chegar ao atual nível de expansão no mercado. E não seria um exagero dizer que o movimento de retorno a processos naturais – como verificado atualmente na indústria química, por exemplo – depende do conhecimento sob domínio de quem fala uma língua diferente da que é reconhecida como padrão.

“A atual distribuição de línguas está relacionada com eventos ocorridos há 8 mil anos – e isso envolve principalmente o modo de produzir e usar a floresta”, afirma o arqueólogo Eduardo Góes Neves, do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (USP). Na Amazônia, reforça o pesquisador, a alta diversidade linguística é comparável à biológica. E isso se deve à complexidade do manejo dos recursos naturais pelos índios primitivos. Antigos sistemas agroecológicos, com plantações de ciclo curto e extrativismo, na linha da permacultura [3] hoje em voga, eram estáveis e fixavam as populações, sem a necessidade de ocupar mais áreas com cultivos. “Assim, devido ao modelo produtivo, uma grande variedade de línguas se concentrou em regiões contíguas”, explica Neves, ao lembrar que a propagação ocorreu somente depois, a partir da expansão do território agrícola.

[3] A palavra vem do inglês permanent agriculture. É um sistema de design para a criação de ambientes humanos sustentáveis e produtivos em equilíbrio e harmonia com a natureza

A conclusão resulta de escavações arqueológicas que recuperaram restos de plantas manejadas por antigas populações. O pesquisador argumenta: “Não à toa o Oeste da Amazônia, região campeã em diversidade biológica, tem também a maior variedade de línguas indígenas”. Para ele, o drama humano de hoje está fortemente associado à perda dos sistemas de conhecimento sobre a floresta expressos nas línguas indígenas. “Estratégias econômicas baseadas na exploração de um único recurso não são sustentáveis.”

Influência africana

Além da influência indígena, palavras hoje comuns no português falado no Brasil têm forte marca de línguas africanas – em especial as de origem bantu, vindas com os primeiros escravos trazidos pelos portugueses da região do Congo e de Angola. Expressões saíram dos guetos e se popularizaram por meio de uma figura-chave na sociedade da época: a mãe-preta, escrava que zelava pelas crianças das famílias tradicionais e assim transmitiam a cultura e o vocabulário, aos poucos incorporado à linguagem coloquial. “Grande parte da influência africana no que falamos hoje vem delas”, explica Renato Araújo, pesquisador do Museu Afro Brasil.

Além da música e uso de objetos da cultura material, a herança linguística é marcante na alimentação – como as palavras “quitanda” e “quitutes” e outras presentes no cardápio afro: “acarajé” e “mugunzá”[4]. São expressões que embutem um modo particular de integrar-se ao mundo e que, inerentes ao vocabulário popular, têm status negativo na sociedade. São alvos de preconceito linguístico. A palavra portuguesa “menino” é entendida de maneira diferente de “moleque”, que tem origem africana. “A melhor forma de reconhecimento para uma língua é valorizar a sua origem e deixá-la livre, porque são vivas e se modificam constantemente.”

[4] Mingau feito de milho branco, conhecido em algumas regiões como canjica, hoje uma iguaria tipicamente nordestina

O poder da palavra na biodiversidade

Nem ovo de codorna,/ catuaba ou tiborna [5],/ não tem jeito não;/ amigo véio/ prá você tem jeito não! Na canção Capim Novo, Luiz Gonzaga brincou com o efeito afrodisíaco de plantas, mas muitos brasileiros podem não ter entendido a mensagem. A catuaba, inspiradora de uma famosa bebida alcoólica “fortificante”, pode ser tanto a Anemopaegma arvensis, da família do ipê, como a Trichilia catigua, da família do mogno. Sim, plantas diferentes podem ter o mesmo nome popular e o uso da opção errada significa riscos de resultados indesejados – ou, simplesmente, nenhum resultado.

[5] Também conhecida como janaúba, janaguba, sucuuba, cola-nota, cancerosa, leiterinha, raivosa, pau-santo, jasmim-manga, pau-de-leite

Há também nomes diferentes para a mesma planta, como a Manihot esculenta, chamada de aipim (Rio de Janeiro, Bahia), mandioca (São Paulo e Sul) e macaxeira (Norte e Nordeste). A planta bolsa-de-pastor no Brasil aplica-se a Zeyheria montana, da família do ipê, e, na Europa, a Capsella bursa-pastoris, da família do repolho, por conta do formato dos frutos que parecem com uma “sacolinha” – plantas totalmente diferentes, com aplicações distintas.

“É preciso dar nome aos ‘bois’; saber sobre o que exatamente está se falando”, ressalta a bióloga Daniela Zappi, diretora do departamento de pesquisa do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, onde funciona o maior herbário do País, com mais de 600 mil amostras. Existe uma disciplina da Biologia, a Taxonomia (do grego, “normas de organização”), que se dedica exatamente a isso: em poucas palavras, dar nomes científicos e identificar e classificar os seres vivos em grupos com base em características comuns.

Lidar com a nomenclatura, identificação e localização das espécies é essencial à pesquisa e ao uso sustentável da biodiversidade. A atividade confere segurança contra os riscos de se comprar gato por lebre, de utilizar uma coisa diferente da que se procura. “Mas os taxonomistas se engajam ao desafio mais por orgulho do que por reconhecimento”, lamenta Zappi. O ofício, indispensável à manutenção das coleções científicas com o registro do patrimônio da biodiversidade brasileira, está praticamente em extinção. Uma das razões é que no mundo acadêmico é grande a cobrança por resultados rápidos que gerem publicações científicas e pontos na carreira – o que não condiz com o minucioso e demorado trabalho dos taxonomistas, que, desestimulados, acabam migrando de atividade.

Mesmo fora de moda, o trabalho com nomenclatura é importante para o País aumentar o conhecimento sobre a sua biodiversidade [6]. Segundo Zappi, o Brasil tem 42 mil espécies da flora registradas, mas o número real é muito maior, quando se estima que somente na Amazônia devem existir 50 novas plantas para cada uma que é identificada. E o desafio não é menor para a fauna. “Há muitas espécies desconhecidas e poucos especialistas para identificá-las”, afirma Teresa Cristina Ávila-Pires, bióloga do Museu Paraense Emílio Goeldi.

[6] Pela Convenção da Diversidade Biológica, os países signatários deverão ter toda a flora descrita até 2020. O trabalho envolve 700 botânicos do Brasil e do mundo

As pessoas em geral não entendem a importância, completa a pesquisadora, mas a nomenclatura dos seres vivos permite, por exemplo, ampliar a busca de substâncias de interesse econômico ou medicinal entre espécies de um grupo em que o efeito já foi identificado. No campo, o trabalho se desenvolve com o suporte de homens que conhecem os segredos da floresta: os mateiros. Eles ajudam os cientistas a acessar e coletar espécies – algumas novas, que nunca foram descritas e precisarão de identificação.

A arte de batizar seres vivos com nome científico por vezes rende homenagem ao mateiro, como o menino Tandai, do município de Benjamin Constant (AM), que ajudou Ávila-Pires a descrever um novo lagarto: oNorops tandai. Com o dinheiro do serviço, o garoto comprou roupas e até hoje não sabe que emprestou o nome ao réptil. Histórias assim fazem jus ao “nome da rosa”, expressão usada na Idade Média para denotar o infinito poder das palavras.

Fonte: Página 22

Índios protestam contra Belo Monte e ocupam prédio da Norte Energia


Grupo pede mais agilidade na construção de escolas e hospitais. Norte diz que só irá se manifestar após conversar com indígenas.

 

Índios armados com arco e flechas ocuparam nesta segunda-feira (3) um prédio administrativo da Norte Energia em Altamira, sudeste do Pará. Os manifestantes querem que a empresa, que é responsável pela construção e opração da Usina Hidrelétrica Belo Monte, em Vitória do Xingu, acelere as obras do Plano Básico Ambiental (PBA), que incluem a construção de escolas, postos de saúde e melhoria nas estradas que dão acesso para as aldeias da região.

O grupo é composto por cerca de 30 índios das etnias Parakanã, Curuanã, Xipaya, Raio de sol e Asuriní. Eles exigem uma reunião com a direnção da Norte e dizem que só irão desocupar a área depois que suas reivindicações sejam atendidas.

A Norte Energia disse que só irá se manifestar após se reunir com os índios, mas ainda não existe uma data prevista para este diálogo.

 

Fonte: G1

A importância dos indígenas na manutenção de florestas


Estudos demonstram a importância dos indígenas na manutenção de florestas

 
Foto: Wikimedia

EBC – O Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) lançou estudo que demonstra a relação dos indígenas com as florestas, os serviços ambientais e o clima. A pesquisa começou em 2013, quando o instituto dialogando com a agência alemã, GIZ, e com apoio da Embaixada Real da Noruega, iniciou o levantamento de dados de precipitação e desmatamento na região. O estudo demonstrou a importância dos povos indígenas quanto a barreira de desmatamento e quanto ao estoque de carbono nas áreas protegidas por esses povos.

De acordo com a pesquisadora do Núcleo Indígena do Ipam e uma das organizadoras dos estudos lançados, Fernanda Bertolotto, as análises dos dados de satélites e pluviométricos interferem diretamente em todas as terras indígenas: “a pesquisa manteve-se mais intensa na região do Parque Indígena do Xingu. Conseguimos dados mais locais, que demonstraram a importância dessas grandes áreas de florestas protegidas pelos povos indígenas, para a manutenção da temperatura e do regime pluviométrico”, ou seja, os resultados dos estudos demonstraram como as áreas de floresta amazônica contribuem para o equilíbrio do clima.

Segundo a pesquisadora, no período de 2000 a 2014, a taxa de desmatamento nas terras indígenas foi de 2% e as áreas, ao redor, que não são protegidas, foi mais de 19%, correlacionando a importância das áreas protegidas para a manutenção de grandes estoques de floresta. Esse desmatamento, também influenciou em outro fator, como a frequência das anomalias de secas ocorridas na Amazônia. Entre 2000 e 2012, mais de 50% do território indígena foi afetado direta ou indiretamente por essas anomalias, podendo levar a impactos na segurança alimentar desses povos, além de maiores incidência de incêndios florestais.

“Com esses estudos, conseguimos demonstrar que a demarcação das terras indígenas, além de ser um direito dos povos indígenas, não só da Amazônia, mas de todo o Brasil, pode ser uma estratégia para a redução do desmatamento e mitigação aos novos impactos das mudanças climáticas, que traz benefícios para a população em geral”, afirma a pesquisadora.

Fernanda Bertolotto explica o objetivo desses estudos: “esperamos que com esses dados, consigamos influenciar que os povos indígenas não fiquem a reboque nas discussões das políticas públicas que estão sendo implementadas, para a redução do desmatamento. Desejamos também, com esses estudos, que demonstrando a importância dos povos indígenas para esses territórios, a gente consiga fortalecer a implementação da Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial Indígena, direcionada para ações de diretrizes para a gestão territorial”.

O Amazônia Brasileira conversou com a pesquisadora do Núcleo Indígena do Ipam e uma das organizadoras dos estudos lançados, Fernanda Bertolotto, que explicou a importância da manutenção das áreas de floresta amazônica para o equilíbrio do clima.

Fonte: Pauta Socioambiental

Violência contra os indígenas é um problema ético


Violência contra os indígenas é um problema ético. Entrevista especial com Lucia Helena Rangel

 

“Vivemos um problema ético no Brasil, porque o não reconhecimento dos direitos indígenas e dos direitos sociais, em geral, é uma questão que só pode ser discutida e colocada no âmbito da ética”, afirma a antropóloga.

 

Foto: Parque da Ciência

“O número de casos de violações e violência contra indígenas aumenta, diminui, aumenta, diminui, mas o padrão da violência contra os indígenas não se modifica”, diz Lucia Helena Rangel à IHU On-Line, na entrevista a seguir, concedia por telefone, em que comenta o Relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil – dados de 2014, lançado peloConselho Indigenista Missionário – Cimi no dia 19-05-2015, na sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, em Brasília. De acordo com a antropóloga, que há anos trabalha em conjunto com oCimi na avaliação dos dados do Relatório, é “bastante delicado” buscar as causas desta violência, porque a relação de causa e efeito “não é tão nítida, na medida em que há uma série de fatores que contribuem para essa situação”.

 

Além dos casos tradicionalmente conhecidos de invasão de terras indígenas e de agressões contra as comunidades,Lucia Helena chama atenção para os índices de mortalidade na infância. Uma relação que explica essa situação é a falta de terras e a introdução de uma alimentação à base de alimentos da cesta básica. “Aquelas comunidades que não têm terra para plantar, e que têm como fonte alimentar a cesta básica, sofrem de subnutrição, porque a cesta básica é composta, sobretudo, de carboidratos e açúcares; tem um pouco de feijão, uma lata de olho, leite em pó, mas não tem proteínas e vitaminas. Contudo, temos de considerar que o padrão alimentar indígena é, sobretudo, advindo das roças, e tem como base o milho, a mandioca, o amendoim. Nesse sentido, quando a comunidade não tem terra para plantar, a alimentação é drasticamente reduzida e as consequências maiores se dão nas crianças, porque elas não suportam uma alimentação tão desbalanceada”, esclarece.

Entre os Yanomami e os Xavantes, a desnutrição e os índices de mortalidade na infância são os mais altos. “A população Xavante é muito grande, e eles estão num processo de retomada de algumas aldeias antigas que ficaram dentro de aldeias apropriadas por grilagem de terras. (…) Na terra dos Yanomami, ao contrário, não há problema de terras, porque eles têm uma área demarcada, têm liberdade de plantar o que quiserem, de caçar para manter o seu padrão reprodutivo. Mas, nos últimos três anos, como não há fiscalização, houve novamente a invasão de garimpeiros ilegais. Quando ocorre a invasão de garimpeiros, as doenças proliferam. Então, quanto mais doenças, mais as crianças sofrem, porque elas são o elemento de maior vulnerabilidade em situações de epidemias e alastramento de doenças”, exemplifica.

Na avaliação da pesquisadora, a situação dos indígenas no país demonstra que o Brasil enfrenta um problema ético à medida que alguns setores sociais não aceitam os direitos indígenas garantidos na Constituição. “Para mudar a mentalidade, nós precisamos de ações que, aos poucos, vão conquistando uma coisa, conquistando outra, e quem sabe um dia construiremos uma boa ética da diversidade”, conclui.

Lucia Helena Rangel é doutora em Antropologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP com a tese Os Jamamadi e as armadilhas do tempo histórico. É professora do Departamento de Antropologia da Faculdade de Ciências Sociais e do Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da PUC-SP. Também é assessora do Conselho Indigenista Missionário – Cimi (Regional Amazônia Ocidental) e do Cimi Nacional.

Confira a entrevista.

 

Foto: TV Brasil / EBC TV

IHU On-Line – A que atribui o aumento da violência e das violações praticadas contra os povos indígenas no Brasil em 2014? Como a senhora situa esse relatório em relação aos anteriores?

 

Lucia Helena Rangel – Primeiro temos de esclarecer um ponto importante: o número de casos de violações e violência contra indígenas aumenta, diminui, aumenta, diminui, mas o padrão da violência contra os indígenas não se modifica. Então, buscar as causas desta situação é algo bastante delicado, porque a relação de causa e efeito não é tão nítida, na medida em que há uma série de fatores que contribuem para essa situação. Ao longo das décadas em que o Cimi registra os casos de violência, percebemos um padrão que se repete, tanto que o Relatório, no atual modelo, segue um mesmo padrão desde os anos 2000, e desde 2003 temos sistematizados os dados da mesma maneira, para poder compará-los.

A partir desses relatórios, podemos perceber que a violência nem diminui nem aumenta, mas há um maior número de ocorrências. Então, em determinados momentos e em algumas situações, sejam elas regionais, locais ou até nacionais, podemos fazer uma relação. Por exemplo, as violências contra o patrimônio indígena, o que inclui a retirada de recursos naturais do patrimônio indígena, sobretudo a madeira, a pesca e o garimpo ilegal. Essa modalidade de violência contra o patrimônio tem uma relação com a aprovação das mudanças no Código Florestal. Dá para estabelecer essa relação, porque desde que começou a discussão da revisão do Código, a retirada de madeira aumentou assustadoramente no Pará, em Mato Grosso e em diversos locais da região Amazônica.

Código Florestal foi aprovado com base no perdão do fato consumado. Então, houve um recrudescimento da retirada de madeira para criar um fato consumado no passado; o artifício é esse. Nesse sentido, o Código Florestalabriu a porteira do desmatamento. Não estou querendo dizer que a causa do desmatamento é somente essa, porque tem um conjunto de outros fatores.

Do mesmo modo, as grandes obras também afetam e atingem diretamente as áreas indígenas. Essas são obras controladas pelo governo federal, executadas por empresas privadas, mas é o aparato estatal que sustenta essas ações. Em Belo Monte, por exemplo, a legitimação dessa obra é dada pelo próprio Estado.

IHU On-Line – A senhora chama atenção para a mortalidade na infância entre os indígenas. Quais são as causas e como esse problema tem sido tratado pelos órgãos responsáveis?

Lucia Helena Rangel – Registramos um aumento muito grande de mortalidade na infância, que corresponde à mortalidade de 0 a 5 anos. A Organização Mundial da Saúde – OMS caracteriza mortalidade infantil como sendo entre 0 e 12 meses. Nós estamos chamando de mortalidade na infância porque registramos muitos casos de mortes de crianças com dois, três anos. Fizemos isso para sistematizar os dados de maneira mais clara, porque o bebê que mama está relativamente bem protegido, mas as crianças começam a ficar doentes e a ter desnutrição quando passam a comer comida sólida.

Um fator que também não está muito claro, mas para o qual há uma correlação possível de ser feita, é que daquelascomunidades que não têm terra para plantar, e que têm como fonte alimentar a cesta básica, sofrem de subnutrição, porque a cesta básica é composta, sobretudo, de carboidratos e açúcares; tem um pouco de feijão, uma lata de olho, leite em pó, mas não tem proteínas e vitaminas. Contudo, temos de considerar que o padrão alimentar indígena é, sobretudo, advindo das roças, e tem como base o milho, a mandioca, o amendoim. Nesse sentido, quando a comunidade não tem terra para plantar, a alimentação é drasticamente reduzida e as consequências maiores se dão nas crianças, porque elas não suportam uma alimentação tão desbalanceada. A cesta básica não prevê uma alimentação correta para as crianças no sentido de prever que elas precisam comer vitaminas, proteínas, etc.

No ano passado registramos duas situações em que a mortalidade na infância foi muito alta: uma foi entre osYanomami e outra foi entre os Xavantes. No caso dos Xavantes, já faz tempo que tem ocorrido esse problema, porque eles estão cerceados, suas terras foram reduzidas. A população Xavante é muito grande, e eles estão num processo de retomada de algumas aldeias antigas que ficaram dentro de aldeias apropriadas por grilagem de terras. O fato de as crianças estarem mais vulneráveis e mal alimentadas faz com que elas fiquem mais doentes e isso, consequentemente, gera um agravamento das doenças.

Na terra dos Yanomami, ao contrário, não há problema de terras, porque eles têm uma área demarcada, têm liberdade de plantar o que quiserem, de caçar para manter o seu padrão reprodutivo. Mas, nos últimos três anos, como não há fiscalização, houve novamente a invasão de garimpeiros ilegais. Quando ocorre a invasão de garimpeiros, as doenças proliferam. Então, quanto mais doenças, mais as crianças sofrem, porque elas são o elemento de maior vulnerabilidade em situações de epidemias e alastramento de doenças. Nesse caso, podemos fazer uma relação séria entre essas situações. 

"No ano passado registramos duas situações em que a mortalidade na infância foi muito alta"

 

 

IHU On-Line – Como a senhora interpreta o dado de que 135 indígenas cometeram suicídio em 2014? É possível identificar as razões que estão por trás desses suicídios?

Lucia Helena Rangel – Os casos de suicídios atingem, sobretudo, os jovens, que se autoinfligem essa violência, que é uma escolha complicada. É claro que o suicídio é parte do livre-arbítrio, que é algo intrínseco ao ser humano. Obviamente, não vamos dizer que o suicídio é algo excepcional; ele sempre existiu desde a antiguidade, mas quando você vê que o número de suicídio entre jovens está muito alto, trata-se de algo preocupante. O caso mais agudo e emblemático foi o de Mato Grosso do Sul, com o povo Kaiowá-Guarani. Dos 135 casos de suicídios registrados no ano passado, só em Mato Grosso do Sul foram registrados 48. No Alto Solimões foram registrados 37 casos; é um número alto. O que está acontecendo?

Já registramos casos no Alto Rio Negro, e no Alto Solimões não é a primeira vez que ocorrem esses registros. Mas, se em Mato Grosso do Sul temos uma situação de violência endêmica — que o Cimi denuncia há muitas décadas — e já identificamos uma situação de genocídio, porque o índice de mortes é muito alto, podemos fazer essa relação entre o cenário da violência com todos os fatores implicados na sociedade Kaiowá-Guarani em função da pressão social que eles vivem. Neste caso, podemos entender que os jovens parecem estar preferindo se livrar dessa opressão de outra maneira. Alguns vão embora, mas outros acabam cometendo suicídio, porque acabam ficando sem perspectiva.

No Alto Rio Negro os indígenas têm terras, poderiam estar produzindo. A população Ticuna, que é o povo mais numeroso dessa região, é enorme, tem mais de 30 mil pessoas. Mas ali tem desmatamento, tráfico de drogas e uma mistura entre as aldeias e a cidade. Algumas aldeias se transformaram em cidades, com muitas pessoas aglomeradas. Nesse contexto de fronteira, com uma série de fatores fortes do ponto de vista dos valores sociais, existe a emergência de um racismo muito grande: há muitas religiões, cultos religiosos, influências das mais variadas, como o tráfico de drogas, e aí quando se vê o que está acontecendo com os jovens, é possível fazer a relação com o contexto, por conta do racismo.

Os jovens são muito pressionados por um moralismo esdrúxulo que se instala nessas realidades que não são só híbridas, mas são difíceis por causa desses fatores que envolvem o tráfico, o dinheiro. Há um contexto de violência nas mais variadas regiões do país, mas em cada local há um tipo de consequência. No entanto, quando vamos ver, as consequências são semelhantes, como suicídio, assassinato, mortalidade na infância. Ao analisar essas situações, constatamos problemas que já deveriam ter sido solucionados, mas ainda não foram.

IHU On-Line – Quantas comunidades vivem em isolamento? A violação de direitos também já atinge esses povos?

Lucia Helena Rangel – Atualmente achamos que mais de 90 comunidades estariam nessa categoria de povos isolados ou de pouco contato. Nós não podemos dizer que são 90 povos porque, talvez, muito provavelmente, algumas comunidades pertençam a um mesmo povo. Essa situação é presente em nossa realidade latino-americana, sobretudo na Amazônia, e os indícios de que existem comunidades isoladas são encontrados constantemente: ou porque houve uma fumaça ou porque foi encontrada uma flecha ou porque um roçado foi roubado. Esses são indícios concretos, não estamos falando de suposições, e talvez pudéssemos dobrar esse número.

O que parece é que essas são comunidades, são grupos que se isolam no sentido de se protegerem dos ataques que sofreram. Quando houve a retirada de produtos da floresta, como seringa, madeira, quando pessoas se instalaram nas fazendas e mataram os que moravam nelas, como aconteceu em Rondônia e em Mato Grosso, algumas comunidades se isolaram. Os capangas das fazendas colocavam açúcar no caminho dos índios e depois misturavam esse açúcar com arsênico e matavam todo mundo. Inclusive houve casos em que atacaram as aldeias, colocando fogo nas casas. Nessas situações, provavelmente, nem todos morreram e os que conseguiram fugir se agruparam e foram se embrenhando cada vez mais dentro da mata, se distanciando desses ataques.

Parece, ao que tudo indica, que a maior parte dessa comunidade esteja se protegendo desses ataques e por isso é difícil encontrá-los, porque o afastamento é deliberado. Dessa forma, o contato fica difícil, porque depende da boa vontade deles de aparecerem e de não desconfiarem. Quando a Funai manda uma frente de atração, ou mesmo o próprio pessoal do Cimi vai para a Amazônia e tenta estabelecer contato, é bem difícil, porque até eles perderem a desconfiança, demora.

Os povos mais vulneráveis talvez sejam esses. O que acontece no Vale do Javari, no Amazonas, por exemplo, é uma situação também muito aguda. Ali tem uma terra enorme demarcada, é área de proteção, a qual a Funai chama de proteção etnoambiental, onde há um posto de atendimento, com antena, rádio, com alguns equipamentos de saúde, há equipes de saúde trabalhando, mas nem todas as aldeias da região foram contatadas, e ninguém nem sabe, de fato, quantas aldeias existem ali. Portanto, trata-se de uma região em que as comunidades vivem de forma bastante vulnerável. Ali no Vale do Javari começou a ter uma situação extremamente grave de doenças, como hepatite e malária, mas a hepatite é endêmica, é uma coisa terrível, e as crianças sofreram demais com essas viroses, gripes, com agravamento dos sintomas e evolução das doenças. E essa situação contribui para que os índices de mortalidade sejam muito altos.

 

"Os três Poderes – o Executivo, o Legislativo e o Judiciário – são contra os direitos indígenas"

IHU On-Line – O que os dados do Relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil – dados de 2014 revelam sobre a política indigenista no país?

Lucia Helena Rangel – Sobre isso, podemos dizer o seguinte: os três Poderes — o Executivo, o Legislativo e o Judiciário — sãocontra os direitos indígenas. Então, há juízes que entendem do problema, o Ministério Público acode, mas a maior parte dos juízes dá ganho de causa para fazendeiros, impedindo o registro de uma terra que foi homologada pelo Presidente da República. No Congresso Nacional, deputados e senadores tentammodificar os direitos constitucionais e o Executivo federal, estadual e municipal também se coloca contra a população indígena. Há casos de prefeituras que recebem dinheiro porque têm escola indígena no município, mas não fazem o repasse da verba, o atendimento de saúde é precário e ainda há muita invasão de terras indígenas.

Neste ano está sendo preparada a Conferência de Política Indigenista, e as lideranças indígenas de todos os estados estão envolvidas nas primeiras discussões que vão culminar, em novembro, em um Fórum Nacional para construir uma política indigenista mais favorável aos indígenas. Trata-se de uma mobilização muito necessária, porque as ações contra os indígenas são muito fortes no país inteiro.

IHU On-Line – O que seria uma alternativa para resolver as questões indígenas no país?

Lucia Helena Rangel – Os problemas das comunidades indígenas se arrastam há séculos e, de 1960 para cá, os índios só perderam. Quando surge alguma proposta de demarcação de terras, como foi a do Parque dos Yanomami, oParque do Xingu, as pessoas perguntam por que tem de se dar tanta terra para poucos índios e afirmam que eles não sabem trabalhar. Mas não é nada disso, pelo contrário, essa terra é um resto do que sobrou.

Vivemos um problema ético no Brasil, porque o não reconhecimento dos direitos indígenas e dos direitos sociais, em geral, é uma questão que só pode ser discutida e colocada no âmbito da ética. A sociedade, digamos assim, e suas elites, não admitem esses direitos. Como faz para mudar uma mentalidade? Irá decretar? O decreto está feito, a Constituinte abrigou esses direitos e os colocou na Constituição, mas não há meio de as elites concordarem com isso. Elas não admitem esses direitos, toda hora querem mudá-los. Para mudar a mentalidade nós precisamos de ações que, aos poucos, vão conquistando uma coisa, conquistando outra e quem sabe um dia construiremos uma boa ética da diversidade.

Por Patrícia Fachin

Fonte: IHU

Surto de garimpo destrói floresta amazônica e divide índios no Pará


               

Alimentado pelos preços em alta do ouro, um novo surto de garimpo ilegal está se alastrando com rapidez e gerando destruição numa das últimas áreas de floresta amazônica no sudeste do Pará. Com máquinas pesadas, os garimpeiros avançam por territórios habitados pelo povo kayapó e assediam os índios, que estão divididos quanto à atividade.

Alguns líderes kayapós passaram a tolerar o garimpo em suas terras em troca de um percentual dos lucros. Eles dizem precisar dos recursos para sustentar as aldeias e cobram do governo políticas que lhes permitam abrir mão das receitas.

A atividade, porém, é ilegal, e seu combate compete ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e à Fundação Nacional do Índio (Funai).

Segundo Thaís Dias Gonçalves, coordenadora geral de monitoramento territorial da Funai, a Terra Indígena (TI) Kayapó, em Ourilândia do Norte, é a área indígena do país onde a atividade garimpeira é mais intensa.

A Funai diz que há por volta de 25 frentes ativas de garimpo dentro da TI. O território – que ocupa cerca de 33 mil quilômetros quadrados, área equivalente à de Alagoas e do Distrito Federal somados – é quase inteiramente coberto por mata nativa.

A TI Kayapó convive com surtos esporádicos de garimpo há décadas. Segundo a Funai, porém, a atividade alcançou níveis sem precedentes nos últimos meses.

A BBC Brasil acompanhou uma operação contra o garimpo na área na semana passada. De helicóptero ou avião, veem-se as enormes clareiras com lagos artificiais abertos pelas escavadeiras. Algumas frentes de garimpo têm cerca de 40 quilômetros quadrados, o equivalente a dez campos de futebol. Nos rios que cruzam a terra dos kayapó, cerca de 90 balsas reviram o solo em busca do metal.

Os agentes do Ibama e da Funai desceram em algumas minas e deram prazo de dez dias para que os garimpeiros deixassem o local. Os órgãos estimam que haja na terra indígena entre 4 e 5 mil garimpeiros, o equivalente a quase um terço do total de índios na área (16 mil). Segundo os agentes, quem ficar será expulso e terá seus equipamentos destruídos.

Moradores da região dizem que o garimpo poluiu os rios e reduziu drasticamente o número de peixes. Para separar e aglutinar o metal, garimpeiros usam mercúrio e cianeto, duas substâncias tóxicas.

“O garimpo é o ilícito ambiental mais grave que o Ibama enfrenta hoje no país”, diz à BBC Brasil o diretor de proteção ambiental do órgão, Luciano de Menezes Evaristo.

Evaristo cita, além da destruição causada pela atividade, suas consequências sociais. “O garimpo traz no seu bojo uma decadência: com ele vêm o tráfico de drogas, a prostituição e a exploração do trabalho infantil.”

O diretor do Ibama afirma que os casos de garimpo no país têm se multiplicado, especialmente no Pará. Segundo Evaristo, outro ponto crítico no Estado é a bacia do rio Tapajós, no oeste paraense, onde há pelo menos 3 mil frentes da atividade.

O diretor do Ibama atribuiu o surto ao bom preço do metal. Considerado um investimento seguro em tempos de instabilidade na economia, o ouro valia cerca de US$ 800 dólares a onça (31 gramas) no fim de 2007. Hoje vale US$ 1.297.

Índios divididos – Na semana passada, a BBC Brasil acompanhou uma reunião na sede da Funai em Tucumã em que o Ibama informou autoridades locais e cerca de 15 líderes kayapós sobre a operação contra o garimpo.

Alguns índios se queixaram da ação e disseram que a atividade ajuda a sustentar suas aldeias. Segundo eles, os garimpeiros pagam às comunidades um percentual de seus lucros.

O cacique NitiKayapó, da aldeia Kikretum, afirmou que o dinheiro do garimpo tem lhe ajudado a pagar o aluguel de tratores usados na colheita de castanha – atividade que, segundo ele, é a principal fonte de renda de sua comunidade.

“Eu preciso ter alguma coisa para a comunidade. Se vocês (governo) disserem que têm um projeto de 300, 500 mil reais para nós, a gente vai lá e tira os garimpeiros. Mas vocês não têm.”

Houve um bate-boca quando um índio disse que o garimpo em área vizinha à sua aldeia tinha poluído a água usada por sua comunidade. A maioria dos líderes presentes assinou uma carta pedindo que os garimpeiros fossem expulsos da TI.

Na reunião, os índios também pediram às autoridades que pressionassem a mineradora Vale a executar seu plano de compensação por ter implantado uma mina a 34 quilômetros da TI.

Para mitigar o impacto na área da mina Onça Puma, que produz ferroníquel, a empresa se comprometeu, entre outras ações, a construir uma casa de apoio para indígenas em Ourilândia do Norte e financiar projetos de geração de renda nas aldeias.

Segundo a Funai, as ações, que vêm sendo negociadas há quase uma década, custarão cerca de R$ 3,5 milhões. Nesta semana, 70 índios foram à sede da mineradora em Redenção para reforçar a cobrança. Em nota à BBC Brasil, a mineradora disse que o plano começará a vigorar em agosto.

Os índios também cobram da estatal Eletrobrás e do consórcio Norte Energia que cumpram o compromisso de financiar projetos de geração de renda nas aldeias. O acordo é uma contrapartida pela construção da hidrelétrica de Belo Monte, que fica a cerca de 500 quilômetros da TI Kayapó, rio Xingu abaixo.

Em nota, a Eletrobrás afirmou que os projetos devem ser pactuados com os índios até o fim de 2014 e executados a partir de 2015. Serão destinados R$ 1,5 milhão por ano às ações, ao longo de três anos.

Segundo Thaís Dias Gonçalves, coordenadora geral de monitoramento territorial da Funai, somente serão contempladas pelos programas da Vale e da Eletrobrás/Norte Energia as aldeias que não tenham qualquer envolvimento com o garimpo.

Ela afirma, no entanto, que os programas não serão capazes de competir com o garimpo em volume de recursos.

Para Gonçalves, erradicar a atividade na área de uma vez por todas exige um trabalho de inteligência policial, que identifique quem está lucrando com o negócio. “Tanto o garimpeiro quanto o indígena envolvido são parte muito pequena de uma cadeia fortíssima.”

Fonte: BBC Brasil ; G1

 

Laísa Mangelli

Terras indígenas protegem 30% do carbono da Amazônia


Segundo relatório do Ipam, territórios demarcados evitam emissões de 431 milhões de toneladas de gás carbônico entre 2006 e 2020; povos indígenas têm alta vulnerabilidade a mudanças do clima

Floresta em área indígena na Amazônia (Foto: Damian Nery/Ipam)

 

Floresta em área indígena na Amazônia (Foto: Damian Nery/Ipam)
CÍNTYA FEITOSA (Observatório do Clima)A conservação de terras indígenas é importante não só para a manutenção do modo de vida desses povos, mas também para a política de clima no Brasil. De acordo com estudo do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) em parceria com a Sociedade Alemã para a Cooperação Internacional (GIZ), que será lançado nos próximos dias, os territórios indígenas na Amazônia brasileira representam uma reserva de cerca de 13 bilhões de toneladas de carbono (46,8 bilhões de toneladas de CO2) – 30% do que existe estocado na floresta.

 

O relatório estima que as comunidades indígenas na Amazônia terão sido responsáveis ​​por evitar a emissão de 431 milhões de toneladas de CO2 desde 2006 até 2020, graças à proteção dos estoques de carbono em suas terras. Se fosse aplicado o mesmo valor monetário por tonelada de COdestinado ao Fundo Amazônia por compensação por redução do desmatamento, a contrapartida pela preservação nessas terras seria equivalente a quase R$ 7,5 bilhões, ou cerca de R$ 500 milhões por ano.

Isso equivale a quase metade do orçamento do Ministério do Meio Ambiente em 2015, excluindo salários e pagamento de aposentados, segundo dados do portal Siga Brasil.

O estudo também alerta para a urgência em lidar com a vulnerabilidade dos povos indígenas às consequências do desmatamento e efeitos da mudança climática global. “Os povos indígenas são os que mais sofrem os efeitos de mudanças no regime de chuvas e aumento das temperaturas, e também são os que menos têm condições de enfrentar essas mudanças”, diz Paulo Moutinho, pesquisador do IPAM.

“Além disso, são os povos indígenas os que mais preservam a vegetação”, conclui Moutinho, afirmando que a preservação de territórios indígenas é uma política de mitigação de mudanças climáticas e de adaptação ao mesmo tempo. Segundo o relatório, a taxa de desmatamento em terras indígenas é inferior a 2%, enquanto as áreas em volta apresentam índices que vão de 25% a 30%.

Além do papel de estocar de carbono e das baixas taxas de desmatamento, as terras indígenas têm um efeito inibidor do desmatamento também em seu entorno. Segundo o relatório, a área preservada chega a ultrapassar 10 km das fronteiras dos territórios, influenciando positivamente também na conservação da biodiversidade regional e na produção de alimentos. “As florestas mantidas pelos índios funcionam como ar-condicionado natural e como regadores da região onde estão”, diz Moutinho.

As principais recomendações dos pesquisadores são a elaboração de um plano indígena de adaptação às mudanças climáticas, agregado ao Plano Nacional de Adaptação, e a implementação urgente da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI), de incentivo a iniciativas sustentáveis desenvolvidas em conjunto por povos indígenas, Estado e organizações parceiras. Os pesquisadores também recomendam a articulação entre políticas direcionadas a povos indígenas e a futura Estratégia Nacional de REDD (Redução de Emissões por Desmatamento), que o governo promete elaborar há quatro anos.

Impactos

De acordo com o estudo, entre 2000 e 2012, aproximadamente 58% das 385 terras indígenas na Amazônia foram negativamente afetadas por secas anormais. Em 2012, membros de mais de 40 tribos da Amazônia relataram aumentos incomuns na temperatura média nas suas aldeias, inundações e incêndios florestais em seus territórios. A safra foi prejudicada, levando a aumento do consumo de alimentos processados, problemas de saúde e migração para áreas urbanas.

Além da produção de alimentos, a mudança no regime de chuvas também interfere nas tradições das comunidades indígenas. “Os rituais de chegada da chuva, por exemplo, estão sendo afetados”, relata Moutinho. As cerimônias dependem do fornecimento de plantas e animais que estão passando por mudanças em seus ciclos biológicos.

O estudo alerta para a possibilidade de piora nesse cenário, com a mudança climática global e devido ao fato de que as florestas estão mais inflamáveis. “A seca e os incêndios não prejudicam só os indígenas, mas todos os produtores de alimentos e criadores de animais da região”, alerta Moutinho.

Nesta semana, o Ipam também publicou um estudo projetando que a PEC-215, a proposta de emenda constitucional que visa retirar do Executivo o poder de demarcar terras indígenas, pode provocar a emissão de 100 milhões de toneladas de CO2.

in EcoDebate, 22/09/2015

Conflitos fundiários e urbanos: “O Judiciário está sendo cada vez mais demandado”.


Entrevista especial com Darci Frigo

 

“A cultura geral, no âmbito do sistema da justiça — que vai além do Poder Judiciário —, é voltada para a proteção dos direitos dos mais fortes ou do direito de propriedade, em detrimento dos direitos humanos fundamentais de uma coletividade”, diz o advogado.

 

Foto: Terra de Direitos

Diante do “histórico processo de tratamento desigual que os órgãos públicos dão às problemáticas sociais coletivas”, é preciso utilizar instrumentos jurídicos que apontem para um novo olhar em relação aos conflitos fundiários envolvendo indígenas, quilombolas, agricultores e produtores rurais.

 

De acordo com Darci Frigo, um dos autores da proposta de desjudicializar as demandas de demarcações de terras, “a cultura do Poder Judiciário acha que o processo tem duas partes, como se fossem dois indivíduos, quando se pode ter, num processo, uma pessoa que é o demandante, normalmente um proprietário de imóvel rural ou urbano e, do outro lado, uma coletividade enorme”.

 

Para Frigo, situações que envolvem conflitos fundiários ou urbanos por conta de disputas de terra não devem ser tratadas como “um conflito interindividual”. Na entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-Line, ele explica que a proposta consiste em fazer com que o “Judiciário se abra para o diálogo com uma gama múltipla de atores da sociedade e do Estado para encontrar uma solução que seja justa e adequada, sobretudo, para aqueles que têm os seus direitos humanos violados”.

 

Darci Frigo é formado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR. Trabalhou por 17 anos na Comissão Pastoral da Terra – CPT-PR e atualmente, além de coordenar a ONG Terra de Direitos, é conselheiro do Programa Nacional de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos. Frigo recebeu, em 2001, o Prêmio Internacional Robert F. Kennedy, por sua luta pelos Direitos Humanos no Brasil.

 

Confira a entrevista.

Foto: Terra de Direitos 

IHU On-Line – Em que consistem os mecanismos de mediação para solucionar disputas por terras que o senhor sugere?

Darci Frigo – Trata-se de uma alternativa a um histórico processo de tratamento desigual que os órgãos públicos dão às problemáticas sociais coletivas. Normalmente a cultura do Poder Judiciário acha que o processo tem duas partes, como se fossem dois indivíduos, quando se pode ter, num processo, uma pessoa que é o demandante, normalmente um proprietário de imóvel rural ou urbano e, do outro lado, uma coletividade enorme.

 

Devemos fazer um debate — e essa é a proposta da pesquisa — para que uma situação desse tipo não seja tratada como um conflito interindividual, mas que passe a ser tratada com instrumentos mais adequados. Quais instrumentos? O juiz pode realizar um processo em que coordene a mediação desse conflito por meio de audiências públicas, de inspeções judiciais, da convocação de órgãos públicos que sejam responsáveis pela implementação de uma determinada política pública, e chamando a sociedade e os movimentos sociais que estão envolvidos nessa discussão. Em síntese, essa é a proposta: que o Judiciário se abra para o diálogo com uma gama múltipla de atores da sociedade e do Estado para encontrar uma solução que seja justa e adequada, sobretudo, para aqueles que têm os seus direitos humanos violados.

 

IHU On-Line – Como o senhor avalia o processo de judicialização das demandas de demarcações e o protagonismo do Poder Judiciário nessa questão?

Darci Frigo – Existem sinais de que novos juízes e juízas estão preocupados com a questão social. Há um Fórum de conflitos fundiários que funciona no âmbito do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, que começou a olhar essa problemática de forma diferenciada. Mas a cultura geral, no âmbito do sistema da justiça — que vai além do Poder Judiciário —, é voltada para a proteção especialmente dos direitos dos mais fortes ou do direito de propriedade, em detrimento dos direitos humanos fundamentais de uma coletividade.

 

Então, o processo de enfrentamento desses conflitos acontece com uma ampla judicialização, a qual coloca os movimentos sociais — 80 a 90% dos casos — no polo passivo, como réus, como demandados perante o sistema da justiça. Na verdade, os atores que demandam e que acessam o sistema da justiça são exatamente aqueles que detêm maior poder econômico. Então, nesse sentido, o Judiciário está sendo cada vez mais demandado.

 

Ou seja, à medida que o Estado, através dos Poderes Executivo e Legislativo, não soluciona de forma adequada essa problemática social, os conflitos sociais tendem a desaguar no Poder Judiciário através de um constante processo de judicialização. Infelizmente esse processo em geral acontece contra a parte mais fraca, que são os cidadãos e cidadãs mais pobres da sociedade.

 

“Existem sinais de que novos juízes e juízas estão preocupados com a questão social”

IHU On-Line – Quantas demarcações de terras estão sendo contestadas na justiça?

 

Darci Frigo – Não é possível dizer, mas posso dar uma pista. O juiz do CNJ de Minas Gerais, Rodrigo Rigamonte, coordenador do Fórum de Conflitos Fundiários do CNJ, me disse que eles estão montando um formulário para fazer o levantamento e a classificação dos conflitos em terras indígenas, quilombolas, terras de reforma agrária, enfim, dos diferentes conflitos fundiários e possessórios urbanos existentes hoje no país.

 

Não há, no âmbito do Judiciário, uma pesquisa que possa dizer, neste momento, quantos são os conflitos judicializados na questão indígena. O que é público e notório é que a Confederação Nacional da Agricultura – CNA e a Bancada Ruralista articulam nacionalmente as suas ações políticas em três direções: estão investindo no âmbito do Congresso Nacional para desconstruir ou desconstitucionalizar os direitos indígenas, tornando a Constituição uma letra morta no sentido de inviabilizar os direitos indígenas; no âmbito judicial procuram contestar todas as demarcações para retardar o processo de retirada de invasores de áreas indígenas — a palavra “invasor” só serve para essa situação, só se aplica para quem adentra em terras indígenas, e não na situação em que um sem terra ou outro posseiro entra em uma fazenda, nesse caso é ocupação mesmo; e a terceira via é a que se manifestou nos discursos dos deputados ruralistas do Rio Grande do Sul, propondo inclusive a ação armada paramilitar, uma resistência ou uma ação direta contra os indígenas que estão reivindicando a demarcação das suas terras.

 

IHU On-Line – Como está o processo de demarcação das terras indígenas hoje no Brasil? É possível estimar quantas terras estão sendo estudadas, quantas foram delimitadas, homologadas e regularizadas?

Darci Frigo – No lançamento da pesquisa, os representantes da articulação dos povos indígenas do Sul se manifestaram sobre a necessidade de o governo federal agilizar o processo demarcatório dessas áreas que estão sendo disputadas com pequenos agricultores.

 

Na ocasião, colocamos publicamente uma posição preocupante em relação às situações do Sul, porque entendemos que talvez elas sejam a “ponta de lança” para o processo de desconstitucionalização dos direitos indígenas ou retrocesso em toda a política indigenista, porque envolvem pequenos agricultores e a bancada ruralista. Esses setores já utilizaram os pequenos agricultores para mudar o Código Florestal e poderiam querer convencer a sociedade, neste momento, contra os direitos indígenas. Isso nos preocupa muito.

 

Não é na Amazônia Legal nem nas regiões onde as áreas indígenas estão sendo demarcadas que existem os maiores conflitos. Nas Regiões Sul e Nordeste é que estão acontecendo os enfrentamentos mais agudos na retomada de territórios indígenas, portanto, é ali que pode haver a arregimentação dos agricultores familiares contra os direitos indígenas.

 

“Os atores que demandam e que acessam o sistema da justiça são exatamente aqueles que detêm maior poder econômico”

IHU On-Line – Quais são os principais impasses em torno das demarcações? Reconhecer quem é o dono original da terra?

 

Darci Frigo – O Movimento dos Trabalhadores Sem Terra – MST nasce exatamente de uma situação de colonos que haviam sido assentados pelo Estado em terras indígenas no Rio Grande do Sul. Eles tiveram de ser retirados e então acamparam na beira das estradas. O acampamento da Encruzilhada Natalino é um exemplo de ex-colonos que receberam terras do Estado.

Como há prevalência dos direitos indígenas sobre outras pretensões, então, a solução para esses conflitos nas regiões já ocupadas é que o Estado indenize e também faça o processo de reassentamento dessas famílias. Não há outra saída.

 

Se o território indígena for reconhecido por meio dos laudos antropológicos, o caminho é encontrar uma solução mediada, negociada e com indenização e reassentamento das famílias. No entanto, esse tipo de solução já não serve para invasores de outras áreas indígenas, como está acontecendo, por exemplo, em uma área que está sendo demarcada no Maranhão, e que foi invadida.

 

Nesse sentido, os invasores não têm direito, porque adentraram em área indígena, se apropriaram dos recursos florestais, ameaçaram os índios, criaram uma série de situações que colocaram em risco, inclusive, a vida dessas comunidades. Nesse caso nós não defendemos algum tipo de compensação para esses invasores.

 

 

IHU On-Line – Além do caso da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, que outras comunidades indígenas têm disputas com a União ou com agricultores no Supremo Tribunal Federal? É possível estimar quantas ações por disputas de terra tramitam no STF?

Darci Frigo – Comunidades de guaranis do Norte do Rio Grande do Sul, do Oeste de Santa Catarina e do Mato Grosso do Sul, onde ocorrem os conflitos mais graves, envolvendo os Terena e os Guarani Kaiowá. Esses são os conflitos mais sérios.

 

Neste momento, o território mais conflituoso é o do Sul da Bahia, com os Tapajós. Trata-se de um conflito aberto, várias pessoas foram assassinadas recentemente e o exército está no local. A situação é tão grave que levou à medida extrema — com a qual não concordamos — de ter a presença do exército no local.

 

IHU On-Line – O senhor propõe um diálogo do Poder Judiciário com órgãos públicos e movimentos sociais que reivindicam políticas públicas para a questão indígena. Como se daria esse diálogo?

Darci Frigo – Isso vale para casos envolvendo quilombolas, indígenas e trabalhadores rurais que lutam pela reforma agrária, como também outros posseiros que enfrentam conflitos coletivos. A proposta é que o juiz, diante desta situação, chame as partes para uma audiência pública para encontrar caminhos de solução contrários aos propostos pela bancada ruralista e pela CNA.

 

Nesse sentido, o juiz pode chamar órgãos públicos para participarem das ações. No caso dos conflitos envolvendo a reforma agrária ou no caso da questão quilombola, chamar o INCRA; no caso da questão indígena, chamar a FUNAI. Além disso, um responsável da Justiça pode ir ao local em que está acontecendo o conflito e tomar ciência da realidade de uma determinada comunidade.

 

Conhecemos várias comunidades na Região Sul ou na Região Centro-Oeste, no Mato Grosso do Sul, tanto de indígenas quanto de quilombolas, que vivem em frações ínfimas de terra, e ali há um processo de pobreza extrema, de violência, etc. À medida que os juízes tomarem ciência dessas situações, poderão aplicar os comandos constitucionais de forma bem mais aberta do que simplesmente olhar para o direito de um proprietário, por exemplo, e deixar o direito de uma coletividade em segundo plano.

 

Se ao longo do tempo a incidência política do Estado se dirigiu ao Poder Executivo e ao Poder Legislativo como poderes mais permeáveis às incidências políticas, hoje a sociedade reclama do Poder Judiciário mais abertura e diálogo nesse processo, e que ele se corresponsabilize para reparar, promover e efetivar direitos humanos.

 

Fonte: IHU – Unisinos

Jogos Mundiais dos Povos Indígenas


Jogos Mundiais dos Povos Indígenas são lançados nesta terça-feira (23) em Brasília

A primeira edição dos Jogos Mundiais dos Povos Indígenas prevê a participação de 23 etnias brasileiras e delegações de 22 países. No total, cerca de 2.300 indígenas devem participar do evento, em outubro.

Jogos acontecem em Palmas (TO) de 23 de outubro a 1º de novembro de 2015. Foto: Agência Brasil

Jogos acontecem em Palmas (TO) de 23 de outubro a 1º de novembro de 2015. Foto: Agência Brasil

O lançamento oficial dos I Jogos Mundiais dos Povos Indígenas (JMPI) – que acontecerão em Palmas (TO) de 23 de outubro a 1º de novembro de 2015 – será nesta terça-feira (23), na Tribuna de Honra do Estádio Nacional Mané Garrincha, às 18h30, em Brasília. O evento, que deverá contar com a presença da presidenta Dilma Rousseff, reunirá o presidente do Comitê Intertribal de Memória e Ciência Indígena, Marcos Terena; do prefeito de Palmas, Carlos Amastha; do governador do Estado do Tocantins, Marcelo de Carvalho Miranda; do ministro do Esporte, George Hilton; e do coordenador do Sistema ONU e representante do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) no Brasil, Jorge Chediek.

Nos dias seguintes (24 e 25), será realizado um Congresso Técnico para definir as normas para realização dos jogos com a participação de representantes das delegações de diferentes etnias. O encontro marca o início da divulgação nacional dos Jogos, já anunciados no Fórum Permanente sobre Questões Indígenas, na sede da ONU, em Nova York.

“O PNUD está bastante envolvido com temas relacionados a esporte e desenvolvimento por acreditar que as práticas desportivas sejam um instrumento poderoso de mobilização, ao reunir pessoas de diferentes crenças, culturas ou origens étnico-raciais”, afirma a oficial de Programa do PNUD, Maria Teresa Fontes.

A contribuição do PNUD para os JMPI se dará por meio da estruturação do evento, a contratação de consultorias especializadas, além da condução de projetos paralelos de inclusão social, sustentabilidade e acessibilidade. “Competições internacionais esportivas, além do entretenimento, reforçam a construção da cultura de paz, identidade cultural e sentimento de pertencimento dos povos”, complementa a oficial.

A primeira edição dos Jogos Mundiais dos Povos Indígenas prevê a participação de 23 etnias brasileiras e delegações de 22 países – entre eles Argentina, Austrália, Brasil, Colômbia, Canadá, Chile, Congo, Equador, Estados Unidos, Etiópia, Filipinas, Guatemala, Guiana Francesa, México, Mongólia e Nova Zelândia – já estão confirmadas. No total, cerca de 2.300 indígenas devem participar do evento, em outubro.

Fonte: ONUBR