Um ano depois, Brumadinho homenageia as vítimas da tragédia


(Ibama)

Um ano após a tragédia em Brumadinho, a manhã deste sábado (25) começou com homenagens aos 272 mortos na ruptura da barragem situada em Minas Gerais. Cerca de 300 pessoas, entre moradores locais, familiares e autoridades mineiras, inauguraram o memorial das vítimas, que foi instalado próximo a barragem do Córrego do Feijão.

Em 25 de janeiro de 2019, a barragem da gigante mineradora Vale rompeu, próximo ao meio dia, provocando uma catástrofe por causa do impacto dos 12 milhões de metros cúbicos de lama repletos de resíduos de minérios.

Em meio às lágrimas, milhares de pessoas fizeram um minuto de silêncio pelas vítimas às 12h28, horário exato em que ocorreu a ruptura, na entrada de Brumadinho.

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No local, foram exibidas várias fotos dos falecidos na tragédia e centenas de balões vermelhos e brancos foram soltos, simbolicamente subindo em direção ao céu.

Pouco antes, ao chegar à entrada da cidade, os que prestavam homenagens penduraram no local uma grande faixa na qual estava escrita: “365 dias de sofrimento e impunidade”.

As marcas da tragédia continuam muito visíveis nas imediações de Brumadinho. Nesse espaço, os bombeiros mantém incessantes buscas pelos 11 desaparecidos durante o incidente.

Diante de um cenário repleto de casas abandonadas, que resultou em uma população desalojada, soma-se o drama dos pescadores e pequenos agricultores que foram obrigados a interromper as suas atividades por causa da contaminação das águas dos rios Paraopeba e Alto do São Francisco, vitais para as suas atividades e para a região.

Mesmo com as milionárias indenizações pagas pela Vale, em valores que chegam aos R$ 2 milhões, algo é certo. A vida nessa pequena cidade de 40 mil habitantes nunca será como antes.

Dor profunda

Para os sobreviventes e parentes das vítimas que ainda buscam respostas e justiça, o tempo não cura.”Hoje é o mesmo que foi o dia da tragédia. O mesmo sentimento de dor, traição, perda”, disse Rafaela Cavalcante Andrade, que perdeu a irmã na tragédia.

“Minha irmã era uma pessoa que amava a vida. Ela não merecia isso…passaram-se 365 dias e o sentimento é o mesmo.”

O ex-presidente da Vale Fabio Schvartsman e outras 15 pessoas foram denunciadas pelo Ministério Público de Minas Gerais por homicídios dolosos duplamente qualificados e crimes ambientais, devido ao rompimento da barragem em Brumadinho, em 25 de janeiro do ano passado.

Respondendo às acusações, a Vale disse que ficou “perplexa” com as acusações de dolo, enquanto a defesa de Schvartsman considerou “injusta e lamentável a tentativa de punir quem, desde a primeira hora, cumpriu com seu dever e esteve ao lado das autoridades para investigar o ocorrido e reparar os danos”.

Um painel de especialistas contratado pela assessoria jurídica externa da mineradora concluiu em dezembro que o rompimento foi resultado da “liquefação estática” dos rejeitos dentro da estrutura.

Andresa Rodrigues, que afirmou que seu filho de 26 anos, Bruno Rocha Rodrigues, foi “assassinado pela Vale”, diz que não pode haver recompensa por sua perda.

“O último ano foi de dor, lamento e tristeza, revolta e indignação… Não existe reparação. Todas os tentativas de mitigação não são suficientes para amenizar a nossa dor”, disse.

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AFP

Arqueologia de uma tragédia


Arqueologia de uma tragédia: relatos de quem sobreviveu em Mariana –  

Um mês após o rompimento da barragem da Samarco, ex-moradores voltam às ruas do distrito de Mariana (MG) que foram encobertas pela lama.

“Era como se o mundo estivesse acabando. Eu sei que ninguém nunca ouviu o mundo acabando, mas foi essa sensação que a gente teve. Foi muito barulho e poeira”, rememorou Renato José Martins.

O mundo não acabou nesse dia, mas as ruas do pequeno distrito de Mariana (MG) sumiram completamente do mapa. O relógio marcava 16 horas do dia 5 de novembro, quando 65 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério invadiram o horizonte dos moradores de Bento Rodrigues.

“Eu tinha ido conversar com um colega pra gente pescar às seis da tarde, mas quando eu cheguei à praça ouvi um barulho imenso. Olhei pra trás e vi uma onda de poeira e um barulho que só aumentava. Peguei minha bicicleta e fui atrás da minha esposa, que está grávida de quatro meses, e dos meus dois filhos”, recordou Gleison de Souza.

Em menos de dez minutos, sem nenhum aviso ou alerta sonoro, a lama tomou conta de praticamente toda a comunidade. Ruas, casas, carros e uma quantidade incalculável de memórias foram soterrados pelo rompimento da barragem do Fundão, que era controlada pela Samarco – empresa de mineração que pertence à Vale e BHP Billiton.

Na véspera de completar um mês da tragédia anunciada, como comprovam os estudos feitos em 2013 pelo Instituto Prístino a pedido do Ministério Público Estadual que já alertava para os riscos de rompimento da barragem, Renato e Gleison voltaram aos escombros do que antes era Bento Rodrigues.

Antes disso, Renato já havia tentado voltar ao local dois dias depois da remoção forçada, mas foi impedido pelo exército. “Um deles apontou a arma pra mim e me obrigou a sair correndo apressado da minha própria terra”, afirmou Renato.

Apesar de não terem sido reprimidos por nenhum órgão de segurança na visita da última sexta-feira (04), o sentimento de tristeza era mútuo. “Eu morava na Rua Dona Olinda, 243. Minha casa era bem simples, mas eu gostava muito. Eu me sinto bastante humilhado em voltar hoje aqui”, admitiu Gleison.

O atingido, que já trabalhou um ano e três meses como sinaleiro na Samarco entre 2013 e 2014, questiona a postura da empresa. “Eu tive a oportunidade de ver a barragem abrir uma trinca quando trabalhava na Samarco. Na ocasião, eles deixaram uma equipe dirigindo dois caminhões e uma máquina. Agora a pergunta que fica é: essas pessoas não eram importantes para passarem por esse risco?”, questionou Gleison.

Memórias

Durante a visita ao local, Renato conseguiu encontrar sua casa em meio ao mar de lama. Após alguns minutos de paralisia, o jovem avistou o que poderia ser parte da sua história.

Não foi preciso muito tempo de escavação para o troféu de truco e as medalhas de futebol despontarem dos rejeitos tóxicos. Como havia saído apenas com a roupa do corpo, esses objetos passaram a ser as lembranças mais antigas que Renato conseguiu resgatar.

Por Guilherme Weiman,

De Mariana (MG)

Fonte: Brasil de Fato 

Laísa Mangelli

O Rio Doce, agora, é apenas uma fotografia na parede


O Rio Doce, agora, é apenas uma fotografia na parede, artigo de Márcia Brandão Carneiro Leão

 

 

Parque Estadual do Rio Doce – Minas Gerais. Foto de Malcoln de Oliveira Silva

 

[EcoDebate] Difícil estabelecer um corte na linha do tempo para começar a falar dos absurdos, horrores e irresponsabilidades envolvidos no rompimento das barragens de rejeitos de mineração da Samarco (empresa controlada pela Vale e pela BHP Biliton). Mais difícil ainda mensurar a dimensão exata dos impactos do desastre.

O ideal talvez seja começar pelo licenciamento: a Barragem de Santarém (a segunda que se rompeu em Bento Rodrigues, Mariana, em seguida à do Fundão, na mesma data) está com a Licença de Operação vencida desde 2013 (assim como a Mina do Germano, que faz parte do mesmo complexo). No mesmo ano, o Ministério Público Federal (baseado em laudo produzido pelo Instituto Prístino) alertou para os riscos de desestabilização e da potencialização de processos erosivos, provocados pelo contato entre a pilha de rejeitos e a barragem do Fundão.

As autoridades ambientais do Estado de Minas Gerais, apesar das advertências, asseveraram, na oportunidade, que tudo estava “na mais perfeita ordem” e dentro da legalidade.

Em 5 de novembro deste ano acontece o desastre liberando, ao todo, 62 milhões de metros cúbicos de água e rejeitos de mineração (equivalentes a um terço da capacidade plena da Represa de Guarapiranga), diretamente no Rio Doce.

Para se ter uma idéia do alcance territorial da tragédia, basta lembrar que a Bacia do Rio Doce – localizada na Região Sudeste e a 5ª maior bacia hidrográfica brasileira – abrange dois Estados (Minas Gerais e Espírito Santo), com uma área de 83.400 km² (quase o tamanho da Áustria), desaguando no mar (em Regência Augusta, município de Linhares, no Espírito Santo).

A partir daí, tem início uma sucessão de eventos, na qual é difícil de acreditar:

Logo nas primeiras horas, enquanto a Defesa Civil, bombeiros e voluntários tentavam socorrer as vítimas do desastre, quem se encarregou de preservar a “cena do crime” e “investigar” os acontecimentos foi a empresa de segurança privada da própria Samarco, sob o olhar agradecido e conivente das autoridades responsáveis. Não era possível obter nenhum tipo de informação da Assessoria de Imprensa e muito menos, do Governo do Estado de Minas.

O Governo Federal emitiu uma fria e distante nota na qual lamenta o acidente e trata de liberar o FGTS da população afetada para que ela trate de “se socorrer” com suas próprias reservas para o futuro. Generosidade? Não, apenas transferiram à população o ônus de pagar, com seus próprios recursos, os prejuízos causados pela Samarco. O que acontecerá a essas pessoas quando se aposentarem e não tiverem mais o Fundo de Garantia é algo que sequer foi pensado.

Foram necessários 3 dias para que o Governador do Estado de Minas – eleito com financiamento das mineradoras – se pronunciasse sobre o acontecido, numa coletiva de imprensa convocada que teve lugar nas dependências da sede da Samarco. Não bastasse o insólito da situação, em sua fala, o Chefe do Executivo mineiro saiu em defesa da empresa, afirmando que todas as providências estavam sendo tomadas pelo empreendedor.

Daí em diante começaram a brotar de todos os lados os defensores da mineradora: o Senador Aécio Neves – cuja campanha teve financiamento da Vale – exorta a que não se procurem os culpados e o Secretário de Governo de Desenvolvimento Econômico, Altamir Roso, classifica a Samarco como vítima.

Em meio a toda essa onda de “solidariedade”, em nenhum momento, nenhum CEO da Vale, Samarco, ou BHP Biliton – objetivamente responsáveis pela situação e seus desdobramentos, do ponto de vista ambiental, civil e provavelmente, penal – apareceu diante das câmeras para prestar nenhum tipo de esclarecimento, ou oferecer qualquer tipo de informação. O mínimo que uma empresa decente e ética deveria fazer em circunstâncias desesperadoras como essa, seria montar um centro de atendimento e de informações às vítimas e aos familiares dos desaparecidos, e isso não aconteceu.

Na Assembleia Legislativa de Minas, no último dia 10 novembro, foi formada uma Comissão para investigar as causas e impactos do “acidente”, composta por 15 Deputados Estaduais, sobre sete dos quais existem informações de que as campanhas foram financiadas pelo setor de mineração.

O tempo continua a passar e até às 22h do dia 12 de novembro, nem a Presidente da República, nem a Ministra do Meio Ambiente foram a público para se pronunciarem a respeito da tragédia. Somente nessa data, a Presidente encontrou uma brecha na agenda para sobrevoar a região onde o caos impera.

Enquanto isso, o “mar de lama” alcançou o Espírito Santo e já comprometeu o abastecimento de água de mais de 500.000 pessoas, ao longo dos 23 municípios ribeirinhos. Entre eles estão grandes cidades, como Valadares, por exemplo.

Mas a extensão da tragédia não se restringe às vidas perdidas, aos desaparecidos, à falta d’água, à impossibilidade de recuperar cidades, campos e ecossistemas soterrados pela lama – cujo conteúdo potencialmente tóxico ninguém explicitou – ou mesmo, à constatação do tamanho da enfermidade que toma conta de nosso Estado Democrático de Direito. Ela é muito maior do que se pode imaginar e apenas começa a ser estimada e sentida.

A lama que “chega”, não “passa” totalmente. Ela fica, em boa parte, depositada no fundo do Rio Doce, conformando um novo leito para o rio, preenchendo o fundo com um substrato inerte e estéril, onde a vida será praticamente impossível por aproximadamente 100 anos, segundo estimativas do biólogo Andre Ruschi.

André avalia, ainda, que cerca de 10 mil quilômetros quadrados do litoral capixaba serão afetados por alguns anos, enquanto parte da lama termina de descer, atingindo três Unidades de Conservação Ambiental, entre as quais Santa Cruz, um dos mais importantes criadouros marinhos do Oceano Atlântico.

Não será possível retornar às condições preexistentes.

São impactos socioambientais irreversíveis, que poderiam ter sido evitados e acontecem exatamente no momento em que governo e poder econômico tentam alterar as regras do licenciamento ambiental.

A “Agenda Brasil”, que pretende renovar o fôlego econômico do país, proporcionou as condições ideais para que proliferassem os projetos de “flexibilização”, “simplificação” e “desburocratização” do processo de licenciamento ambiental.

Como reporta Maurício Guetta – advogado do ISA – Instituto Socioambiental -, ao receber a notícia do desastre, durante o encerramento do seminário “Licenciamento Ambiental: realidade e perspectivas”: “o licenciamento ambiental é uma conquista do povo brasileiro e deve ser aprimorado” e as propostas legislativas que se apresentam, claramente “consideram o meio ambiente e as populações afetadas, meros entraves ao desenvolvimento”.

Não bastasse essa movimentação perversa, ainda existe a ameaça representada pelo PL n°37/2011, que pretende instituir o novo Código de Mineração e que tem como relator, o deputado federal Leonardo Quintão (PMDB-MG), que teve quase metade de sua campanha eleitoral financiada por mineradoras. Nas palavras de Guetta, “a proposta, vale registrar, não traz qualquer medida preventiva ou protetiva ao meio ambiente e às populações afetadas”.

Um meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida parece, neste momento, apenas um “sonho” constitucional.

Em meio a tanta desinformação e descaso, só uma certeza dilacera o coração dos brasileiros: o Rio Doce, agora, é apenas uma fotografia na parede…mas como dói!!!

*Márcia Brandão Carneiro Leão é professora de Direito Internacional da Faculdade de Direito da Universidade a Mackenzie Campinas. É graduada, mestre e doutora em Direito Internacional pela USP. Sócia fundadora e 1 a. vice-presidente da SBDIMA-Sociedade Brasileira de Direito Internacional de Meio Ambiente. Sócia fundadora e conselheira da APRODAB-Associação de Professores de Direito Ambiental do Brasil. Sócia-fundadora da ALADA-Associação Latino Americana de Direito Ambiental.

 

in EcoDebate, 20/11/2015