Cientistas pedem a suspensão dos transgênicos em todo o mundo


              

Carta aberta de cientistas de todo o mundo a todos os governos sobre os organismos geneticamente modificados (OGM) veio a público na ultima semana reforçando ao mundo o perigo dos Trangênicos. 

 Os cientistas estão extremamente preocupados com os perigos que os transgênicos representam para a biodiversidade, a segurança alimentar, a saúde humana e animal, e, portanto, exigem uma moratória imediata sobre este tipo de cultivo em conformidade com o princípio da precaução. Eles se opõem aos cultivos transgênicos que intensificam o monopólio corporativo, exacerbam as desigualdades e impedem a mudança para uma agricultura sustentável que garanta a segurança alimentar e a saúde em todo o mundo.

Promovendo um apelo à proibição de qualquer tipo de patentes de formas de vida e processos vivos que ameaçam a segurança alimentar e violam os direitos humanos básicos e a dignidade. Os cientistas querem apoio maior à pesquisa e ao desenvolvimento de uma agricultura não corporativa, sustentável, que possa beneficiar as famílias de agricultores em todo o mundo.

A carta aberta está publicada no sítio Ecocosas, datado em 07-06-2014. A tradução é de André Langer. A carta é assinada por 815 cientistas de 82 países.

 

 

Resumo da carta

 

Nós, cientistas abaixo-assinados, pedimos a suspensão imediata de todas as licenças ambientais para cultivos transgênicos e produtos derivados dos mesmos, tanto comercialmente como em testes em campo aberto, durante ao menos cinco anos; as patentes dos organismos vivos, dos processos, das sementes, das linhas de células e genes devem ser revogadas e proibidas; e exige-se uma pesquisa pública exaustiva sobre o futuro da agricultura e a segurança alimentar para todos.

As patentes de formas de vida e processos vivos deveriam ser proibidas porque ameaçam a segurança alimentar, promovem a biopirataria dos conhecimentos indígenas e dos recursos genéticos, violam os direitos humanos básicos e a dignidade, o compromisso da saúde, impedem a pesquisa médica e científica e são contra o bem-estar dos animais.

Os cultivos transgênicos não oferecem benefícios para os agricultores ou os consumidores. Em vez disso, trazem consigo muitos problemas que foram identificados e que incluem o aumento do uso de herbicidas, o desempenho errático e baixos rendimentos econômicos para os agricultores. Os cultivos transgênicos também intensificam o monopólio corporativo sobre os alimentos, o que está levando os agricultores familiares à miséria e impedindo a passagem para uma agricultura sustentável que garanta a segurança alimentar e a saúde no mundo.

Os perigos dos transgênicos para a biodiversidade e a saúde humana e animal são agora reconhecidos por várias fontes dentro dos Governos do Reino Unido e dos Estados Unidos. Consequências especialmente graves se associam ao potencial de transferência horizontal de genes. Estes incluem a difusão de genes marcadores de resistência a antibióticos a ponto de tornarem doenças infecciosas incuráveis, a criação de novos vírus e bactérias que causam doenças e mutações danosas que podem provocar o câncer.

 

No Protocolo de Biossegurança de Cartagena negociado em Montreal em janeiro de 2000, mais de 120 governos se comprometeram a aplicar o princípio da precaução e garantir que as legislações de biossegurança em nível nacional e internacional tenham prioridade sobre os acordos comerciais e financeiros da Organização Mundial do Comércio.

 

Sucessivos estudos documentaram a produtividade e os benefícios sociais e ambientais da agricultura ecológica e familiar, de baixos insumos e completamente sustentável. Ela oferece a única forma para restaurar as terras agrícolas degradadas pelas práticas agronômicas convencionais e possibilita a autonomia dos pequenos agricultores familiares para combater a pobreza e a fome.

Instamos o Congresso dos Estados Unidos a proibir os cultivos transgênicos, já que são perigosos e contrários aos interesses da agricultura familiar; e a apoiar a pesquisa e o desenvolvimento de métodos de agricultura sustentável que podem realmente beneficiar as famílias de agricultores em todo o mundo.

Fonte : ecodebate.com.br

Laísa Mangelli

Feijão transgênico em “banho maria”


Feijão transgênico liberado há dois anos está em “banho-maria”. Entrevista especial com José Maria Guzman Ferraz

 

“O caso do feijão é emblemático para ressaltar a irresponsabilidade de liberações comerciais sem o devido cuidado e sem observações mínimas do princípio da precaução, colocando em risco a saúde da população e o meio ambiente”, afirma o agrônomo.

 

 
Foto: terradedireitos.org.br

feijão transgênico Embrapa 5.1, liberado no Brasil pelaComissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBioem 2011, está em “‘banho-maria’, pois apareceram vários problemas, os quais já tinham sido apontados pelos avaliadores mais críticos, que são chamados de ‘pessoas retrógradas que impedem o progresso da ciência’, quando na fase destas liberações”, informa José Maria Guzman Ferraz, em entrevista à IHU On-Line por e-mail.

 

De acordo com o agrônomo, embora tenha sido liberado, ofeijão transgênico não foi plantado comercialmente, “porque na fase de multiplicação de sementes ele apresentou problemas que levaram à paralisação da produção”. Ferrazlembra que, à época da liberação, os pareceres contrários “recomendavam maiores estudos e apontavam todas estas possibilidades, agora relatadas, mas que foram desconsideradas, e na votação venceu a imprudência e o descaso com a saúde pública”.

José Maria Guzman Ferraz comenta ainda que o “exemplo mais famoso” de culturas transgênicas aprovadas e depois retiradas do mercado é o do “tomate Flavr/Savr, geneticamente modificado para desacelerar seu processo de amadurecimento e, assim, impedi-lo de amolecimento, que revelou ser altamente instável na planta e foi retirado do mercado”. Segundo ele, “a forma apressada como são conduzidos os ensaios e forçadas as liberações comerciais antes de estarem muito bem fundamentadas cientificamente colocam em risco não só a população, mas a própria credibilidade na tecnologia”.

Futuramente, a Embrapa pretende comercializar uma variedade transgênica de alface com a justificativa de que o produto aumentará a quantidade de nutrientes para suprir a carência nutricional de ácido fólico na alimentação. A proposta, avalia o agrônomo, “é interessante, mas imagine se tivermos que produzir um transgênico para cada necessidade de nutriente”. Ele lembra que “existem diversos alimentos, como o espinafre e os brócolis, que já estão na natureza e possuem os nutrientes necessários para suprir o acido fólico, além de algumas plantas, consideradas ‘plantas invasoras’, conhecidas como plantas alimentícias não convencionais – PANC, que crescem espontaneamente no meio de outras lavouras e são ricas em ácido fólico”.

José Maria Gusman Ferraz é mestre em Agronomia pela Universidade de São Paulo – USP e doutor em Ecologia pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. Cursou pós-doutorado em Agroecologia pela Universidade de Córdoba – UCO, Espanha. Atualmente é professor do curso de mestrado em Agroecologia e Desenvolvimento Rural da UFSCar e professor convidado da Universidade Estadual de Campinas.

Confira a entrevista.

 

 
Foto: mercadoetico.com.br
 

IHU On-Line – Em que consistem as plantas transgênicas?

 

José Maria Guzman Ferraz – Quase 100% das plantas transgênicas liberadas no mundo todo foram geneticamente modificadas para sintetizar uma proteína com propriedades inseticidas e/ou responsável pela tolerância da planta a determinado herbicida; é inserido na planta, através da tecnologia de engenharia genética, o DNA (acido desoxirribonucleico) de organismos doadores, que vão se incorporar na planta e passam a produzir as características desejadas, por exemplo, a tolerância ao herbicida.

No caso do feijão Embrapa 5.1, a planta foi geneticamente modificada para sintetizar uma molécula de RNA (dsRNA) (ácido ribonucleico), responsável, nesse caso, por fenômenos de silenciamento de genes. Essa molécula de material genético será em seguida quebrada e transformada em pequenos RNAs (siRNA), pela maquinaria molecular da célula da planta, que irá interferir com genes do vírus, impedindo sua multiplicação. A proposta é de que eles vão agir, portanto, no silenciamento dos genes dos vírus que infectam a planta, não permitindo que se multipliquem.

Mas estas moléculas de RNA (siRNA) podem ser absorvidas por outros organismos, inclusive o homem, via intradérmica, oral ou por inalação, e podem circular no organismo e interferir na expressão dos genes. Recentemente, uma pesquisa identificou moléculas destes RNAs (miRNA) de plantas na corrente sanguínea de mamíferos que comeram plantas com estes RNAs, e foi observada alteração na expressão de gene no fígado de ratos. Provavelmente este foi o fator que causou alteração no fígado de ratos, na avaliação do feijão transgênico da Embrapa, e que não foi considerado em sua liberação, embora tenha sido alertado pelo avaliador quanto à exigência de mais estudos. Portanto apresentam riscos que devem ser avaliados com muito cuidado.

IHU On-Line – Qual é a atual situação do feijão transgênico da Embrapa?

José Maria Guzman Ferraz – O feijão transgênico está em “banho-maria”, pois apareceram vários problemas, os quaisjá tinham sido apontados pelos avaliadores mais críticos, que são chamados de “pessoas retrógradas que impedem o progresso da ciência”, quando na fase destas liberações. A forma como têm sido feitos e liberados estes transgênicos se caracteriza como uma tecnociência que não respeita os mínimos preceitos do princípio da precaução, numa clara fé sem críticas a esta tecnologia.

O exemplo mais famoso desses eventos retirados do mercado diz respeito ao tomate Flavr/Savr, geneticamente modificado para desacelerar seu processo de amadurecimento e, assim, impedi-lo de amolecimento, que revelou ser altamente instável na planta e foi retirado do mercado.

IHU On-Line – Quando e por quais razões a Embrapa passou a recomendar a paralisação do plantio de feijão transgênico (feijão 5.1), menos de três anos depois da aprovação da comercialização desse tipo de feijão? A que atribui essa mudança de postura em relação ao feijão transgênico?

José Maria Guzman Ferraz – A Embrapa alega, para a não liberação do feijão transgênico, um fato que gerou inclusive uma nota técnica da empresa alertando que outra doença do feijoeiro seria mascarada pelo feijão transgênico, que é a infecção pelo vírus Carlavirus, também transmitido pela mosca-branca. Portanto, volta-se à necessidade de controlar o transmissor de ambos, que é a mosca-branca. Este “mascaramento” pode ser, na verdade, uma consequência do próprio processo de transgenia que aumentaria a eficácia deste outro vírus. A Embrapa volta a recomendar o controle da mosca-branca com controle químico e manejo da cultura, como era feito anteriormente.

Mas, além desse fato, acreditamos que a alta instabilidade do feijão transgênico seja um outro grande problema, ou seja, ele pode perder a característica de resistir ao vírus do mosaico dourado – VMDF após algumas gerações.

Outro fato alertado na avaliação antes da liberação comercial é que vários trabalhos internacionais apontam para a possibilidade muito forte de efeitos tóxicos e genotóxicos em células de mamíferos alimentados com plantas que foram produzidas por esta tecnologia. Esses efeitos resultaram em sintomas não explicados, no caso do feijão da Embrapa, em aumento do peso do fígado e diminuição do peso dos rins nos ratos testados. Todos esses fatores podem ter pesado para a não liberação comercial do feijão.

 

  "Este “mascaramento” pode ser uma consequência do próprio processo de transgenia que aumentaria a eficácia deste outro vírus"

 

IHU On-Line – O feijão transgênico não chegou a ser comercializado?

José Maria Guzman Ferraz – O feijão não foi plantado comercialmente, porque na fase de multiplicação de sementes ele apresentou problemas que levaram à paralisação da produção.

IHU On-Line – Em que regiões do Brasil o feijão transgênico foi cultivado a fim de serem realizados os testes?

José Maria Guzman Ferraz – Na fase de testes, antes da aprovação comercial, ele foi plantado em várias regiões, apresentando resultados diferentes, justamente em função da instabilidade do modelo de transgenia usado na sua construção e em função dos diferentes ambientes. Fatos que foram alertados no processo de avaliação da liberação comercial.

IHU On-Line – O feijão e o feijão transgênico foram infectados pelo vírus do mosaico dourado? Em que consiste esse vírus e como se dá a contaminação?

José Maria Guzman Ferraz – O vírus do mosaico dourado é uma doença causada pelo vírus de mesmo nome, que acomete o feijoeiro e várias outras culturas, causando amarelecimento e morte das folhas das plantas pela multiplicação acelerada do vírus no tecido vegetal, resultando na perda considerável da produtividade. O vírus da doença do feijoeiro é transmitido pelo inseto Bemisia tabaci, conhecido como mosca-branca, portanto deve-se controlar a mosca para evitar a transmissão da doença.

O controle da mosca e, consequentemente, da doença torna-se difícil quando a cultura do feijão é produzida em enormes monocultivos de feijão e plantios sucessivos, ou com outras culturas que também são atacadas pelo vírus.

IHU On-Line – Com a sugestão de que o feijão transgênico não seja comercializado, há como distinguir entre o plantio de feijão e o de feijão transgênico? Mesmo com o alerta da Embrapa, o feijão transgênico poderá ser plantado?

José Maria Guzman Ferraz – A aparência do feijão transgênico e do convencional é a mesma. Caso seja comercializado um dia, não tem como distinguir visualmente, a não ser através de testes bioquímicos.

E como o feijão é vendido a granel em muitas localidades, seria impossível detectar, mesmo o empacotado, a não ser que seja revogada a lei de não necessidade de rotulagem, que tramita agora no Congresso. E as consequências sobre a saúde não poderiam ser estabelecidas, pois não seria possível rastrear e estabelecer a relação causa-efeito. Este, inclusive, é um dos motivos de esta legislação estar sendo implementada.

IHU On-Line – Á época da liberação do feijão transgênico, a CTNBio divulgou um parecer afirmando que “o feijão Embrapa 5.1 é substancialmente equivalente ao feijão convencional, sendo seu consumo seguro para a saúde humana e animal. No tocante ao meio ambiente, concluiu a CTNBio que o cultivo do feijão Embrapa 5.1 não é potencialmente causador de significativa degradação do meio ambiente, guardando com a biota relação idêntica à do feijão convencional (Parecer Técnico nº 3024/2011)”. Era possível vislumbrar possíveis impactos e complicações em relação a esse feijão na ocasião da aprovação da sua comercialização, em 2011?

José Maria Guzman Ferraz – Sim. Os pareceres contrários à liberação, que recomendavam maiores estudos, apontavam todas estas possibilidades, agora relatadas, mas que foram desconsideradas, e na votação venceu a imprudência e o descaso com a saúde pública.

IHU On-Line – Outro ponto defendido pelos técnicos da Embrapa na ocasião da liberação do feijão transgênico foi o de que ele poderia ser consumido pela população sem danos ao organismo. Há novas informações e estudos sobre possíveis danos à saúde dos consumidores?

José Maria Guzman Ferraz – Meu parecer colocava em destaque que o feijão da Embrapa tinha levado ao aumento do peso do fígado e à diminuição do peso dos rins nos ratos testados, pelos dados apresentados pela própria empresa.

IHU On-Line – Que novos estudos estão sendo feitos com o feijão transgênico?

José Maria Guzman Ferraz – O passo seguinte seria introduzir o gene de resistência a herbicida no feijão, mas como a tecnologia apresenta problemas, isto está seguramente em avaliação.

 

"Acreditamos que outro grande problema seja o fato da alta instabilidade do feijão transgênico, ou seja, ele pode perder a característica de resistir ao vírus do mosaico dourado"

 

IHU On-Line – Há notícias de que futuramente a Embrapa quer comercializar alface transgênico. O senhor tem informações sobre esse assunto? Quais são os argumentos para se produzir alface geneticamente modificada? Tem informações sobre os estudos nessa área?

José Maria Guzman Ferraz – A Embrapa está com estudos aprovados pela CTNBio de uma variedade transgênica de alface, que segundo a empresa tem previsão de chegar ao mercado em 2021, com proposta de biofortificação, ou seja, aumento de determinados nutrientes.

A proposta é de suprir a carência nutricional de ácido fólico na alimentação. A vitamina tem a função de, entre outras coisas, evitar doenças relacionadas à malformação do tubo neural no período da gestação, evitando problemas como malformações cerebrais, espinha bífida, que resulta da formação incompleta da medula espinhal, e lábio leporino, em que a criança nasce com uma abertura no lábio.

A proposta é interessante, mas imagine se tivermos que produzir um transgênico para cada necessidade de nutriente. Existem diversos alimentos, como o espinafre e os brócolis, que já estão na natureza e possuem os nutrientes necessários para suprir o acido fólico, além de algumas plantas, consideradas “plantas invasoras”, conhecidas comoplantas alimentícias não convencionais – PANC, que crescem espontaneamente no meio de outras lavouras e são ricas em ácido fólico e em outros nutrientes, que estão adaptadas às diferentes regiões, não precisam de cuidados específicos durante o plantio, não criam dependência tecnológica e não envolvem riscos desconhecidos.

IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?

José Maria Guzman Ferraz – O caso do feijão é emblemático para ressaltar a irresponsabilidade de liberações comerciais sem o devido cuidado e sem observações mínimas do princípio da precaução, colocando em risco a saúde da população e o meio ambiente.

A forma apressada como são conduzidos os ensaios e forçadas as liberações comerciais antes de estarem muito bem fundamentadas cientificamente colocam em risco não só a população, mas a própria credibilidade na tecnologia. Em muitos casos, essa pressa não é necessária, pois se está agindo no efeito e não na causa do desequilíbrio que leva a estes surtos de pragas e doenças.

Neste caso específico, o risco decorrente desta tecnologia que gerou o feijão Embrapa 5.1 não é necessário. O que causa esta alta incidência da doença é o “modelo de produção dominante, pois o inseto vetor, neste caso a mosca-branca, é que está fora de controle, seja pelo monocultivo em grande escala, com redução exacerbada da biodiversidade, seja pelo cultivo sequencial de várias culturas também em monocultivo, que abrigam o inseto vetor, aliado ao fato da resistência da mosca, aos inseticidas utilizados no seu controle”.

A própria Embrapa tem trabalhos que estão inclusive divulgados em Boletim Técnico relatando o dia de campo da Embrapa, divulgado em 17/01/2011, onde em um cultivo orgânico sem o uso de agrotóxicos, a incidência da virose foi imperceptível e com uma produtividade de 2,4 t/ha; este plantio, no mesmo local, se repete a oito anos consecutivos. Portanto o manejo adequado é possível e é viável segundo pesquisas da própria Embrapa, sem necessidades de expor a risco a saúde da população.

As coisas podem ser resolvidas com medidas simples e sem causar dependência de tecnologias caras e com alto grau de risco.

Por Patrícia Fachin

Fonte: IHU 

China e Rússia proíbem produção de transgênicos em seus territórios


             

O governo chinês decidiu no último dia 17, não renovar a permissão para desenvolver arroz e milho transgênicos dentro do país. A produção dessas culturas no país começou em 2009, com a promessa de que os transgênicos diminuiriam o uso de agrotóxicos na agricultura chinesa em cerca de 80%, além de aumentar a produtividade.

Mas a permissão era apenas para pesquisa. A comercialização dos transgênicos estava proibida até se confirmar que as culturas não apresentariam malefícios à saúde. Em julho deste ano, no entanto, foi encontrado sacos de arroz transgênicos sendo comercializados no mercado chinês.

De acordo com Huang Jikun, cientista chefe da Academia Chinesa de Ciências, “a pressão da população, preocupada com a segurança alimentar, foi um dos elementos para essa decisão ser tomada”. Além disso, a China está alcançando o patamar de auto-suficiência na produção do arroz, não precisando assim desenvolver os transgênicos para garantir a alimentação de sua população. “Exportamos pouco arroz porque a maioria do que é produzido é consumido no nosso território”, afirma o cientista. 

Pelo Mundo

Outros países também têm proibido o consumo e produção de organismos transgênicos, alegando que a tecnologia não é segura. Um destes é a Rússia, que desde abril deste ano baniu os transgênicos de seu território, impondo uma moratória de 10 anos. 

De acordo com o primeiro-ministro Dmitriy Medvedev, “se os americanos gostam de comer produtos OGM (transgênicos), que os comam. Nós não precisamos fazer isso; temos espaço suficiente e oportunidades para a produção de alimentos orgânicos”.  E ainda segundo Irina Ermakova, vice presidente da Associação Nacional da Rússia para a Segurança Genética, “tem sido provado não só na Rússia, mas em muitos outros países do mundo, que os transgênicos são perigosos. O consumo e produção dessa cultura podem gerar tumores, câncer eobesidade entre os animais. Biotecnologias certamente devem ser desenvolvidas, mas os OGM devem ser interrompidos”, alertou.

México

Na América Latina, um tribunal do estado de Yucatán (México) recentemente revogou permissão outorgado à Monsanto, pela Secretaria de Agricultura, Pesca e Pecuária e a Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Naturais em junho de 2012, que permitia o plantio comercial de soja com o agrotóxico Roundup.   

A utilização do veneno e dos transgênicos da empresa prejudicava agricultores e apicultores da área: O México é o sexto maior produtor e o terceiro maior exportador mundial de mel. Cerca de 25.000 famílias de Yucatán, região que produz ao redor de 40% do mel do país, depende de sua produção.    

As evidências científicas sobre as ameaças que representam os cultivos de soja transgênica para a produção de mel na península de Yucatán – inclusive nos estados de Campeche, Quintana Roo e Yucatán– convenceram o poder judiciário sobre a necessidade da retirada da permissão.A sentença determinou que não é possível a coexistência da produção de mel e soja com o uso de organismos geneticamente modificados (OGM), segundo publicou o jornal 'The Guardian'.

 

Fonte: mst.org.br 

Laísa Mangelli

“O avanço do cultivo transgênico inviabiliza a produção orgânica e agroecológica”.


Entrevista especial com Katya Isaguirre

 

“O artigo 9º da Lei 10.814 previa que o produtor de transgênicos que contaminasse terceiros pelo uso desses produtos teria de responder a uma indenização. Esse artigo deixou de existir”, lamenta a advogada. 

Foto: APSEMG

 

Na manhã de quarta-feira, 19-02-2014, foi suspenso o julgamento da Ação Civil Pública que pedia a anulação da Resolução Normativa de nº 4 da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio, que determina as atuais regras para o cultivo de sementes transgênicas de milho no Brasil. O julgamento ocorreu no Tribunal Regional Federal da 4ª região – TRF4, em Porto Alegre, e foi acompanhado pela advogada da Terra de Direitos, Katya Isaguirre, que conversou com a IHU On-Line, por telefone, logo após a sentença.

 

Crítica à Resolução Normativa de nº 4 da CTNBio, Katya assinala que a resolução é “ineficiente e não atinge os padrões mínimos de coexistência” entre lavouras de milho transgênico e não transgênico, além de não garantir padrões de segurança ambiental e de direito dos agricultores e consumidores. Na entrevista a seguir, a advogada explica as irregularidades da normativa e acentua que ela “não atende às características socioculturais do Brasil, porque não é feita uma análise das diferenças existentes nos diversos biomas e ecossistemas”.

 

De acordo com ela, o avanço do milho transgênico em todo o país faz com que agricultores tenham dificuldades de utilizar sementes crioulas e investir na agroecologia. “No Rio Grande do Sul, um estudo demonstra que houve uma diminuição significativa — cerca de 20% — de agricultores orgânicos e agroecológicos que desistiram de produzir o milho crioulo, o milho sem transgênico, porque a possibilidade de contaminação é enorme”, assinala.

 

Katya Isaguirre é graduada em Direito, mestre em Direito Empresarial e Cidadania e doutora em Meio Ambiente e Desenvolvimento pela Universidade Federal do Paraná – UFPR. Atualmente é professora de Direito Ambiental e Agrário da Universidade Federal do Paraná e advogada da ONG Terra de Direitos.

 

Confira a entrevista.
 

Foto: Terra de Direitos

 

IHU On-Line – Como foi o julgamento do Tribunal Regional Federal da 4ª região – TRF4 da Ação Civil Pública, que questiona as regras para o plantio de milho transgênico determinadas pela Resolução Normativa de nº 4 da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio?

Katya Isaguirre – Houve um pedido de vistas pela desembargadora Vivian Josete Pantaleão Caminha, que integrou a composição da Corte. Ela quer examinar melhor os autos. Por isso, ainda não houve uma decisão definitiva.

 

A relatora do processo, a desembargadora Marga Inge Barth Tessler, e o desembargador Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz votaram para manter a sentença. Com esse resultado perderíamos o processo. Mas tivemos como positivo o pedido de vistas e o parecer do Ministério Público Federal. O representante do MPF reconheceu que a contaminação de milho não transgênico por milho transgênico está provada nos autos do processo e que existe uma colisão de direitos entre os produtores de transgênicos, os agricultores familiares e os povos e comunidades tradicionais. Ou seja, é mais do que necessário rever a Resolução Normativa nº 4 da CTNBio.

 

IHU On-Line – Já foi determinada a data do novo julgamento?

Katya Isaguirre – Ainda não, porque os juízes não têm um prazo específico para recolocar o processo na pauta. Nos próximos 15 dias não teremos modificações.

 

IHU On-Line – Quais são as críticas feitas à Resolução Normativa de nº 4 da CTNBio?

Katya Isaguirre – São várias. Aliás, é muito importante estarmos conversando sobre isso, porque o representante da Monsanto disse, na sustentação oral, que a questão que estamos levantando é uma “realidade fantástica”, ou seja, algo que não corresponde à realidade dos agricultores, porque não se vê, na mídia, nenhuma reportagem ou notícia sobre o tema.

 

Insisti com ele que a Resolução Normativa de nº 4 da CTNBio deveria dar conta de garantir um padrão de coexistência entre milho transgênico e milho não transgênico. Agora, a coexistência não depende somente da distância entre as culturas. O conceito de coexistência exige que se garantam padrões mínimos de proteção à biodiversidade, direito de informação aos consumidores para que eles possam escolher os alimentos que irão consumir e direito de escolha aos agricultores para que decidam qual modelo de semente irão utilizar: transgênica ou crioula. A coexistência, nesse sentido, não é analisada somente do ponto de vista econômico, mas tem de comportar dimensões ambientais, de soberania e segurança alimentar, do patrimônio histórico-cultural e do direito de escolha do agricultor e do consumidor.

 

A normativa da CTNBio estabelece um distanciamento de no mínimo 100 metros para separar uma cultura da outra. Só que esse é um padrão de medida que não atende às características socioculturais do Brasil, porque não é feita uma análise das diferenças existentes nos diversos biomas e ecossistemas. Além disso, não se leva em consideração as variáveis climáticas, ou seja, a força e a direção dos ventos, porque o milho é uma espécie de polinização cruzada, então um vento forte desloca o pólen do milho para outras distâncias. A normativa também não considera o tamanho das áreas agrícolas e o mosaico que se forma do conjunto dos imóveis rurais em determinadas regiões do Brasil. É possível ter uma propriedade muito grande com cultivo transgênico e outras propriedades menores em volta, que plantam milho não transgênico. Nesse caso, a contaminação pode ser muito grande. Então, a diferença de tamanho influencia a contaminação.

 

Ao realizar esta normativa, a CTNBio também não levou em conta o zoneamento ecológico econômico e o georreferenciamento, que são instrumentos de regularização presentes no Código Florestal antigo.

 

Metragem entre os plantios

Além disso, os estudos científicos que estão anexados ao processo mostram que pode existir uma diferença na metragem, se ela será de 100, 200 ou 300 metros. Mas todos os especialistas são unânimes em afirmar que, em distâncias de até 100 metros, ocorre contaminação, e o laudo da Secretaria de Agricultura do Paraná comprovou que existe contaminação no estado.

 

Se formos utilizar as referências da União Europeia, como o juiz referiu, temos de considerar que a rotulagem do produto é diferente da nossa. Eles levam em consideração 0,9% de transgênico por produto. Mas as distâncias de isolamento deles variam de 15 a 800 metros e consideram diversas variáveis para fazer o cálculo: o país, o tipo de cultura, o tamanho das áreas agricultáveis, o tipo de cultivo, se é orgânico ou convencional, etc.

 

Também temos de dimensionar a realidade agrária brasileira, pois a aplicabilidade dessa metragem varia se for para um pequeno ou um grande produtor.

 

"Há uma incompatibilidade absoluta de normas"

 

Guardiões do patrimônio genético

Com relação à liberdade e autonomia dos agricultores, povos e comunidades tradicionais, a normativa não considera que eles são guardiões do patrimônio genético. Eles são agricultores, mas manipulam a semente para o próximo plantio, realizam o melhoramento genético, trocam as sementes com os outros produtores. E essa é a base do Tratado Internacional de Recursos Fitogenéticos para a Alimentação e a Agricultura, que diz que uma das diretrizes do desenvolvimento rural sustentável é a conservação dentro das propriedades. O Brasil é signatário desse tratado, mas isso não foi considerado à época da elaboração da normativa.

 

Decreto 4.680

Outra questão a ser considerada é a que diz respeito aos consumidores, porque é difícil tornar viável o direito à alimentação adequada. O artigo 2º do Decreto 4.680 foi utilizado pelo juiz para dizer que a rotulagem dos produtos com transgênico só acontece quando for encontrado um percentual acima de 1% de transgênico no produto. O juiz usou isso para dizer que não existe resolução na legislação que preveja contaminação zero. Isso está absolutamente errado, porque a medida da rotulagem é sociopolítica. Todos os produtos deveriam ser rotulados. Não encontramos mais farinha de milho não transgênica no mercado, e a contaminação está cada vez mais forte.

 

Essa normativa também não compreende a dimensão do patrimônio histórico-cultural, porque a manipulação das sementes faz parte do modo de vida dos povos tradicionais e dos agricultores. Simplesmente permitir a contaminação faz com que eles não tenham condições de reproduzir esse modo de vida.

 

Também há uma diferença importante a ser feita entre o Decreto 4.680, que estabelece a obrigatoriedade de rotulagem para produtos transgênicos superior a 1%, e as coexistências, que é o objetivo da CTNBio. A finalidade do Decreto é dar informação aos consumidores e esse é um dos critérios da coexistência, mas não é o único. Existem outros dois: meio ambiente e direito de escolha dos agricultores. Esse Decreto está equivocado porque não oferece segurança aos produtores para impedir a contaminação. Existe uma divergência de finalidade entre esse Decreto e a resolução normativa que queremos invalidar.

 

O argumento do juiz, quando disse que não existe, para a legislação nacional, nenhuma referência de que seja necessário 0% de contaminação, é equivocado, por duas razões: existe uma legislação de referência que prevê 0% de contaminação, que é a Lei 10.831, de 2003, a qual define o que é o sistema orgânico de produção. Quando se define esse sistema, é dito claramente que é necessário que ele não sofra nenhuma espécie de contaminação por organismos geneticamente modificados. A segunda razão é que o objetivo da ação não é garantir 0% de contaminação. O objetivo é declarar a invalidade de uma norma que é ineficiente e não atinge os padrões mínimos de coexistência, padrões de segurança ambiental e de direito dos agricultores e consumidores.

 

Historiografia

Por fim, lembramos que a historiografia existente por trás da questão dos transgênicos leva a uma realidade que foi construída às pressas. Se lembrarmos de como ocorreu a introdução de cultivos clandestinos no Rio Grande do Sul em 2003 até a situação atual de 2014, veremos que as normas de antes eram mais protetivas e próximas do conceito de coexistência do que as que existem hoje. O artigo 9º da Lei 10.814 previa que o produtor de transgênicos que contaminasse terceiros pelo uso desses produtos teria de responder a uma indenização. Esse artigo deixou de existir.

 

Além disso, há um comunicado técnico da CTNBio, segundo o qual há necessidade de se observar uma distância de 400 metros quando se faz plantio de semente transgênica de finalidade experimental. Aí você pensa e chega à seguinte pergunta: como se tem uma norma que prevê um distanciamento de 400 metros quando o assunto em questão é a proteção da propriedade intelectual das sementes transgênicas, sendo que de outro lado se tem uma normativa inferior quando a referência é a proteção do agricultor? Há uma incompatibilidade absoluta de normas.

 

Por fim, a normativa, na sua integralidade, é inválida porque é ineficiente e está distante de apresentar respostas para a questão da subsistência, a qual tem de ser vista como uma proposta social e política e requer a participação de toda a sociedade. É preciso que o Brasil tenha um plano de coexistência próprio de acordo com as diferenças do país.

 

IHU On-Line – Quais os contra-argumentos do representante da Monsanto diante dos teus argumentos?
 

"O representante da Monsanto insistiu em dizer que a CTNBio é a única competente para tratar de assuntos dessa natureza."

Katya Isaguirre – O representante da Monsanto insistiu em dizer que a CTNBio é a única competente para tratar de assuntos dessa natureza. Que esta é uma avaliação técnica e não caberia ao poder judiciário entrar no mérito da questão. Mas isso foi bem resolvido pela sentença de primeiro grau, porque ela confirmou que o poder judiciário é competente para avaliar o mérito do ato administrativo. Nesse ponto, o argumento dele não acrescenta nada.

 

 

IHU On-Line – Segundo o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, 81,4% do milho do país são de origem transgênica. Como os agricultores têm reagido à possibilidade de plantar milho transgênico? Há estimativas da adesão ao milho transgênico desde a sua liberação no país?

Katya Isaguirre – Existem vários dados. No Rio Grande do Sul, um estudo demonstra que houve uma diminuição significativa — cerca de 20% — de agricultores orgânicos e agroecológicos que desistiram de produzir o milho crioulo, o milho sem transgênico, porque a possibilidade de contaminação é enorme. Tanto os agricultores quanto as lideranças são fortes em afirmar que a contaminação está acontecendo, e faz com que os agricultores não tenham mais condições de manter a produção orgânica agroecológica, porque ela se torna inviável.

 

Além disso, é muito complicado conseguir o certificado orgânico. Se for detectada a contaminação do plantio de um determinado agricultor, ele perde o certificado, e algumas vezes o grupo de agricultores vinculados a ele, também. Nesse caso, eles têm de se submeter a um novo processo de certificação, o qual implica um período de repouso da terra para ela se “reacomodar” ao padrão agroecológico. Então, o avanço do cultivo transgênico inviabiliza a produção orgânica e agroecológica.

Fonte: IHU – Unisinos