Transgênicos e o dever de informação


No Brasil, o plantio de transgênicos foi legalizado em 1998 com a liberação de soja tolerante a herbicidas pela CTNBio (Reuters)

Renan Tolentino Saraiva*

Inegável é o fato de que os avanços tecnológicos vêm contribuindo para o desenvolvimento de técnicas produtivas cada vez mais eficazes e melhor adaptadas à demanda. Estudos laboratoriais pioneiros demonstraram a viabilidade da utilização de genes com a finalidade de que uma espécie receptora passasse a manifestar traços singulares de uma espécie doadora distinta. Dentre os experimentos realizados, destaca-se a criação de muda transgênica de tabaco a partir da inclusão de genes que codificavam luciferase em seu DNA, fazendo com que a planta se tornasse fluorescente, fato documentado pela revista Science em 1986.

A partir de então, cientistas utilizaram a transgenia para desenvolver organismos vegetais dotados de melhoramentos genéticos, com o objetivo de aumentar a produtividade, potencializar a resistência a doenças, diminuindo perdas e prolongando prazos de validade. Entretanto, em razão da veloz introdução dos organismos geneticamente modificados no mercado de consumo, questionamentos foram suscitados no que diz respeito a possíveis impactos sociais e ambientais decorrentes de seu consumo, já que evidenciou-se nesses organismos potencial alergênico, maior resistência a antibióticos, probabilidade de produção de toxinas, maior concentração de metais pesados e redução de valores nutricionais.

No Brasil, o plantio de transgênicos foi legalizado em 1998 com a liberação de soja tolerante a herbicidas pela CTNBio. Desde então, o plantio de OGM intensificou-se e, em 2017, o país tornou-se o segundo que mais planta transgênicos no mundo, conforme pesquisa do ISAAA. Diversamente dos Estados Unidos, o Brasil optou pela regulamentação do plantio e comercialização de transgênicos, o que implicou na elaboração de legislação específica sob viés garantista, em especial a Lei de Biossegurança e o Código de Defesa do Consumidor.

No que concerne aos direitos consumeristas, destaca-se o dever de informação, obrigação legal imposta ao fornecedor de produtos ou serviços, que traz a necessidade de informar, adequada e claramente, acerca das características, composição, qualidade e atributos do produto, conforme prevê o art. 6º, III, CDC. Nessa mesma linha, a Lei de Biossegurança estipula, em seu art. 40, a obrigação de informar nos rótulos ou embalagens a presença de OGM se essa for superior a 1% da composição final do produto, o que originou o símbolo triangular amarelo com a letra “T”. O uso da simbologia facilita a imediata identificação pelos consumidores e representa dupla garantia ao resguardar conjuntamente interesses de consumidores e produtores.

Contudo, na contramão da atual principiologia, foi proposta a retirada do referido símbolo no Projeto de Lei Complementar 34/2015, havendo menção à presença de transgênicos em pequenas letras em locais pouco evidentes nos rótulos.

A supressão do símbolo de transgênicos nos produtos pode vir a reforçar ainda mais a reputação negativa frequentemente atribuída a esses produtos, podendo gerar efeitos ainda mais controversos. Portanto, pode-se inferir que a mitigação ao dever de informação, direito já consolidado, não se evidencia como a alternativa mais adequada no tocante aos OGM, abrindo-se espaço para debates e reflexões quanto à temática ora exposta.

*Graduando em Direito, na modalidade integral, pela Escola Superior Dom Helder Câmara. Atualmente membro do grupo de pesquisa CEBID – Centro de Estudos em Biodireito.

Royalties pelo uso de transgênicos


Royalties pelo uso de transgênicos, artigo de Roberto Naime

artigo

 

[EcoDebate] O que mais impressiona nos transgênicos é a capacidade de gestão e de convencimento demonstrada pelas empresas. Mesmo com menor produção, com maior uso de agrotóxicos e com riscos desconhecidos, os agricultores ainda acham boa alternativa pagar royalties pelas sementes.

Transgênicos são alimentos modificados geneticamente, com a alteração do código genético. São inseridos no organismos genes proveniente de outro. Esse procedimento pode ser feito até mesmo entre organismos de espécies diferentes como inserção de um gene de um vírus em uma planta. O procedimento pode ser realizado com plantas, animais e micro-organismos.

Qualquer inovação tecnológica tem como estimulação, os benefícios que podem ser gerados. Embora possam ter trajetória tão diferenciada quanto são as intenções e predisposições de toda humanidade.

Assim, todos os procedimentos merecem isenção e avaliações em cada caso, e não condenações gerais de qualquer natureza, que respondam a anseios dogmáticos ou políticos.

Conforme já se referiu, mesmo que não se apregoe qualquer restrição às evoluções científicas que inegavelmente são representadas por incrementos na transgenia ou por aprimoramentos de moléculas na indústria química, não custa nada prevenir a todas as partes interessadas que é preciso ter um pouco de humildade.

Procedimentos que podem até interferir na seleção natural, são temerários, sem compreender todas as relações implícitas ou explícitas, e não lineares ou cartesianas da homeostase dos ecossistemas.

Logo parece um pouco pretensioso na atual fase de conhecimentos da civilização humana, implementar estes incrementos sem considerar os princípios de precaução e sem mobilizar tentativas mais sistêmicas e holísticas de se apropriar da realidade.

As espécies transgênicas são protegidas por patentes, o que significa que o agricultor que decidir utilizá-las, terá de pagar royalties para a empresa detentora da tecnologia. A consequência mais imediata será o aumento da dependência do agricultor das empresas transnacionais do setor.

Isto por que, por regra contratual, o agricultor não pode utilizar as sementes do plantio anterior, assim terá que comprar as sementes transgênicas a cada safra. Além disso, é muito difícil o agricultor “se livrar” totalmente das plantas transgênicas, o que pode ocorrer com qualquer plantação, já que, caso ele não queira mais plantá-las, a chance de ainda nascer uma planta transgênica na plantação convencional existe. Caso isso ocorra, ele poderá ser compelido a pagar uma multa e mais royalties.

Além disso, existe o risco da contaminação. A contaminação pode ocorrer por meio de insetos ou até mesmo por meio do vento. É o caso do milho. Assim, se não existir um espaçamento adequado entre as lavouras transgênicas e convencionais, a contaminação pode ocorrer, pegando de surpresa o agricultor no momento da venda. Ocorre com freqüência a perda de contrato desses agricultores, já que o comprador estava interessado em um produto não transgênico.

Quando se insere um gene de um ser em outro, novos compostos podem ser formados nesse organismo, como proteínas e aminoácidos. Se este organismo modificado geneticamente for um alimento, seu consumo pode provocar alergias em parcelas significativas da população, por causa dessas novas substâncias.

No Instituto de Nutrição de York, Inglaterra, em 1999, uma pesquisa constatou o aumento de 50% na alergia a produtos à base de soja, afirmando que o resultado poderia ser atribuído ao consumo de soja geneticamente modificada.

Outra preocupação é que se o gene de uma espécie que provoca alergia em algumas pessoas for usado para criar um produto transgênico, esse novo produto também pode causar alergias, porque há uma transferência das características daquela espécie. Foi o que aconteceu nos Estados Unidos: reações em pessoas alérgicas impediram a comercialização de uma soja que possuía gene de castanha-do-pará, que é um famoso alergênico.

Para se certificar de que a modificação genética “deu certo”, os cientistas inserem genes (chamados marcadores) de bactérias resistentes a antibióticos. Isso pode provocar o aumento da resistência a antibióticos nos seres humanos que ingerem esses alimentos. Em outras palavras, pode reduzir ou anular a eficácia dos remédios à base de antibióticos, o que é uma séria ameaça à saúde pública.

Existem plantas e micróbios que possuem substâncias tóxicas para se defender de seus inimigos naturais, os insetos, por exemplo. Na maioria das vezes, não fazem mal ao ser humano. No entanto, se o gene de uma dessas plantas ou de um desses micróbios for inserido em um alimento, é possível que o nível dessas toxinas aumente muito, causando mal às pessoas, aos insetos benéficos e aos outros animais.

Isto já foi constatado com o milho transgênico “Bt”, que pode matar lagartas de uma espécie de borboleta, a borboleta monarca, que é um agente polinizador. Sequer a toxicidade das substâncias inseridas intencionalmente nas plantas foi avaliada adequadamente. Estas substâncias estão entrando nos alimentos com muito menos avaliação de segurança que qualquer aditivo, corante, pesticida ou medicamento.

Com a inserção de genes de resistência a agrotóxicos em certos produtos transgênicos, as pragas e as ervas-daninhas poderão desenvolver a mesma resistência, tornando-se “super-pragas” e “super-ervas”. Consequentemente, haverá necessidade de aplicação de maiores quantidades de veneno nas plantações, o que representa maior quantidade de resíduos tóxicos nos alimentos que nós consumimos.

No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) autorizou em 2004 o aumento em cinquenta vezes do limite de glifosato permitido em alimentos a base de soja. Os prejuízos para o meio ambiente também serão graves: maior poluição dos rios e solos e desequilíbrios incalculáveis nos ecossistemas.
A inserção de genes de resistência a agrotóxicos em certos produtos transgênicos faz com que as pragas e as ervas-daninhas desenvolvam a mesma resistência, tornando-se “super-pragas” e “super-ervas”.

Haverá ainda desequilíbrios nos ecossistemas a partir da maior resistência desenvolvida, ao longo dos anos, pelas pragas e ervas-daninhas. Para o Brasil, detentor de uma biodiversidade ímpar, os prejuízos decorrentes da poluição genética e da perda de biodiversidade são outros graves problemas relacionados aos transgênicos.

Referência:

http://www.idec.org.br/consultas/dicas-e-direitos/saiba-o-que-sao-os-alimentos-transgenicos-e-quais-os-seus-riscos

 

Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.

Sugestão de leitura: Civilização Instantânea ou Felicidade Efervescente numa Gôndola ou na Tela de um Tablet [EBook Kindle], por Roberto Naime, na Amazon.

 

in EcoDebate, 08/04/2016

Tecnologia Terminator e o dilema brasileiro


Entrevista com Silvia Ribeiro

                                         

Apesar de o Convênio de Diversidade Biológica das Nações Unidas – CDB ter adotado uma moratória global conta a experimentação e o uso da tecnologia Terminator dez anos atrás, tramita no Congresso Nacional brasileiro dois projetos de lei que pretendem liberar o uso dessas sementes no país. As iniciativas são “extremamente preocupantes” e propõem a criação de uma “lei que é contra a soberania alimentar”, declara Silvia Ribeiro à IHU On-Line.

De acordo com a pesquisadora, a tecnologia Terminator foi desenvolvida pela empresa Delta & Pine, propriedade da Monsanto, em parceria com o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos. “Trata-se de uma tecnologia transgênica para fazer sementes suicidas: são plantadas, dão fruto, mas a segunda geração torna-se estéril, para obrigar os agricultores a comprar sementes novamente em cada estação”, explica.

Atualmente, seis transnacionais controlam as sementes transgênicas plantadas no mundo. Destas, cinco “têm patentes do tipo Terminator” e três “detêm mais da metade do mercado global de sementes (53%)”, informa. Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, Silvia critica os projetos de lei (PL) de autoria da senadora Kátia Abreu (DEM-TO) e do deputado Cândido Vaccarezza (PT) e enfatiza que, se o Brasil aprová-los, estará “entregando a possibilidade de decidir sobre a sua própria alimentação”.

Silvia Ribeiro é pesquisadora e coordenadora de programas do Grupo ETC, com sede no México, grupo de pesquisa sobre novas tecnologias e comunidades rurais. Ela tem ampla bagagem como jornalista e ativista ambiental no Uruguai, Brasil e Suécia. Silvia também produziu uma série de artigos sobre transgênicos, novas tecnologias, concentração empresarial, propriedade intelectual, indígenas e direitos dos agricultores, que têm sido publicados em países latino-americanos, europeus e norte-americanos, em revistas e jornais. Ela é membro da comissão editorial da Revista Latino-Americana Biodiversidad, sustento y culturas, e do jornal espanhol Ecología Política, entre outros.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – O que é a tecnologia Terminator?

Silvia Ribeiro – Trata-se de uma tecnologia transgênica para fazer sementes suicidas: são plantadas, dão fruto, mas a segunda geração torna-se estéril, para obrigar os agricultores a comprar sementes novamente em cada estação. Ela foi desenvolvida pela empresa Delta & Pine (agora propriedade da Monsanto) com o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos.

Cinco das seis transnacionais que controlam as sementes transgênicas plantadas em nível mundial têm patentes do tipo Terminator. A Syngenta é a que tem o maior número dessas patentes. As empresas que desenvolveram a tecnologia Terminator a chamaram de “Sistema de Proteção da Tecnologia”, porque ela serve para promover a dependência e impedir o uso de sementes sem lhes pagar royalties pelas patentes. Em seus primeiros folhetos de propaganda, elas asseguravam também que é para que “os agricultores do terceiro mundo deixem de usar suas sementes obsoletas”.

Nesse momento, elas mostravam claramente as suas intenções: acabar com as sementes campesinas e com o irritante fato de que a maioria dos agricultores do mundo (campesinos, indígenas, agricultores familiares) usam suas próprias sementes em vez de comprá-las no mercado.

IHU On-Line – Por que o Brasil tenta aderir à semente Tarminator se, no ano 2000, o Convênio de Diversidade Biológica das Nações Unidas – CDB adotou uma moratória global contra a experimentação e o uso da tecnologia Terminator?

Silvia Ribeiro – A tecnologia Terminator é uma panaceia para as transnacionais de sementes, porque lhes permite aumentar de forma exponencial a dependência dos agricultores, já que estes estariam obrigados a comprar sementes delas a cada ano, porque as sementes se tornam estéreis depois da primeira colheita. Não é como os híbridos, que, na segunda colheita, dá menos quantidade ou uma qualidade diferente, mas é uma semente que “suicida”; ela se torna totalmente estéril.

Por isso, as multinacionais tentaram, desde a aprovação da moratória internacional no ano 2000, por diversas vias eliminá-la. Agora, isso se manifesta mais claramente no Brasil, onde existem duas propostas para acabar com a proibição do Terminator hoje existente.

Se isso for obtido, o próximo passo será o de que o Brasil tentará mudar a moratória em nível internacional, porque se não o fizer, ao aplicar a Terminator, violará a moratória. Por isso, a discussão sobre esse tema no Brasil tem uma relevância mundial.

IHU On-Line – Quais são as implicações das sementes Terminator para a agricultura?

Silvia Ribeiro – A Terminator impede um ato que é a base de 10 mil anos da agricultura: cultivar e selecionar sementes da própria colheita e replantá-las para a próxima. As sementes são a chave para toda a rede alimentar. Quem controla as sementes controla a cadeia alimentar.

Por isso, as transnacionais químicas têm tentado fazer isso nas últimas três décadas, monopolizando o mercado global de sementes, comprando a maioria das empresas de sementes. Hoje, somente três empresas transnacionais, cuja origem é a produção de tóxicos químicos e agrícolas (Monsanto, DuPont, Syngenta), detêm mais da metade do mercado global de sementes (53%) e, entre as 10 maiores, controlam 73% do mercado global de sementes comerciais.

Apesar desses números tão alarmantes, a grande maioria das sementes do mundo continua nas mãos dos camponeses e dos agricultores familiares, que usam suas próprias sementes ou as misturam ocasionalmente com sementes comerciais.

Além disso, os grandes agricultores, nas variedades que dão bom resultado, continuam usando parte de sua colheita como sementes para replantio. Por isso, as empresas querem usar medidas tecnológicas que lhes garantam maior dependência e controle.

A consequência de usar a Terminator é que um punhado de fabricantes tóxicos transnacionais irá decidir o que vai ser plantado e o que todos os demais irão consumir.

IHU On-Line – Que ameaças de extinção e de modificação as sementes Terminator podem causar à biodiversidade?

Silvia Ribeiro – Todas as variedades que comemos hoje em dia em todo o mundo estão baseadas na criação, seleção, ressemeadura e intercâmbio de variedades entre agricultores/as e indígenas, processo que continua vivo e atuante. As diferentes culturas, gostos, situações geográficas e climáticas, a pequena escala e a necessidade de prevenir as condições mutantes criaram uma enorme diversidade agrícola, que também maneja e interage com a biodiversidade natural circundante. Isso significa uma grande resiliência com variedades que resistem melhor ao frio ou ao calor, à umidade ou à seca, além dos diferentes gostos e propósitos.

As Terminator são sementes uniformes que vão acabando com a diversidade à medida que são aplicadas. Em parte, porque elas se baseiam em algumas poucas variedades selecionadas pelas empresas centralmente para todo o globo ou para grandes regiões. A uniformidade produz uma enorme vulnerabilidade e mais demanda de tóxicos, o que serve ao lucro das empresas.

Mas, além disso, a tecnologia é tão complicada (se baseia na ativação de uma cadeia de genes, com a aplicação de um tóxico externo antes de cultivá-la) que, se for aplicada, certamente falhará em parte. Isso significa que os cultivos adjacentes que forem contaminados com pólen com a Terminator vão morrer (alguns), e outros continuarão levando o gene sem ativá-lo, que poderia continuar cruzando até que um químico ou alguma condição ambiental (como maior frio, calor, umidade) desate a cadeia e os esterilize.

Embora os que promovem a Terminator digam que ela é para a “biossegurança”, na realidade ela multiplica os riscos: algumas plantas se tornarão estéreis, e outras continuarão se cruzando, disseminando a ameaça.

IHU On-Line – As sementes Terminator são usadas em algum lugar do mundo?

Silvia Ribeiro – Não, em nenhuma parte do mundo. O Brasil seria o primeiro país a aplicar essa tecnologia tão perigosa e imoral.

IHU On-Line – Por que o México apoiou o fim da moratória contra a semente Terminator em 2006?

Silvia Ribeiro – A Terminator não é aplicada no México atualmente. Depois da assinatura do Tratado de Livre Comércio do Atlântico Norte com os EUA e o Canadá (Nafta, em sua sigla em inglês), as transnacionais se apoderaram de quase todo o mercado comercial de sementes e insumos agrícolas no México e têm enorme peso sobre o governo.

O México, nas negociações de biossegurança, fala muitas vezes em nome dos interesses não do seu país, mas das multinacionais e dos Estados Unidos, que não fazem parte do Convênio de Diversidade Biológica, onde está a moratória da Terminator. Por isso, ele também permitiu experimentos com milho transgênico, mesmo sendo o centro de origem do milho, apesar da oposição da população, dos agricultores e dos consumidores.

IHU On-Line – Como você analisa a posição do Brasil com relação às sementes Terminator e o Projeto de Lei de Cândido Vaccarezza (PT) para liberar essas sementes?

Silvia Ribeiro – Acredito que é extremamente preocupante, já que o partido é do governo e está promovendo uma lei que é contra a soberania alimentar, tanto no Brasil como no resto do mundo. Se o Brasil a aprovar, estará entregando a possibilidade de decidir sobre a sua própria alimentação. Além disso, a proposta de Vacarezza argumenta que a Terminator é necessária para poder fazer plantas transgênicas “biorreatoras”, isto é, que produzam substâncias industriais e farmacêuticas etc. Isso, por si só, apresenta enormes riscos ambientais e de saúde por causa da provável contaminação das redes alimentares.

A proposta de Vacarezza, que foi redigida por uma advogada da Monsanto, propõe que a Terminator seria para a “biossegurança”, porque evitaria a contaminação provocada por essas plantas de alto risco e de outras, como árvores transgênicas.

Mas, como expliquei antes, a Terminator nunca é uma medida de biossegurança, mas sim o contrário. Isso quer dizer que a proposta apresenta um risco triplo: que sejam cultivadas plantas que poderiam ser tóxicas para a saúde se contaminarem outras; que a Terminator seja aprovada (que, sem dúvida, será usada em todas as plantas, não só nessas, porque esse é o verdadeiro interesse das empresas); e que se incentive o uso de monocultivos de árvores transgênicas, que, a todos os problemas dos monocultivos, somarão o da contaminação transgênica e a esterilidade.

Sobre o processo, organizações brasileiras que acompanham o tema o descreveram assim: “Atualmente, a Lei de Biossegurança proíbe ‘a utilização, a comercialização, o registro, o patenteamento e o licenciamento de tecnologias genéticas de restrição do uso’ (art. 6º, Lei 11.105/05). Mas, mesmo sob o peso da moratória internacional e diante da atual proibição nacional, dois Projetos de Lei no Congresso tentam liberar as sementes Terminator no Brasil. Um é o PL 268/07, originalmente apresentado pela hoje senadora Kátia Abreu (DEM-TO), e atualmente de autoria do deputado Eduardo Sciarra (DEM-PR). E, em 2009, o deputado Cândido Vacarezza (PT-SP), que nunca atuou no campo da agricultura, apresentou o PL 5575/09, que prevê a liberação das sementes Terminator no Brasil. Em 2010, a Campanha Por um Brasil Ecológico e Livre de Transgênicos fez uma denúncia informando que o arquivo que está disponível no sítio da Câmara dos Deputados com a proposta do PL tem como origem o computador de uma das advogadas da empresa Monsanto! Esse Projeto de Lei foi muito questionado na sua tramitação na Câmara, mas, apesar disto, foi criada uma comissão especial para agilizar sua tramitação. Quando se cria uma comissão especial, o PL tramita em regime de prioridade, ou seja, diminui das 40 sessões da Tramitação ordinária para 10 sessões apenas!”.

Em junho de 2011, a Jornada de Agroecologia da Via Campesina no Paraná, com mais de quatro mil participantes, se pronunciou massivamente contra essas novas propostas de permitir a Terminator. O Seminário Internacional Cúpula dos Povos da Rio+20 Por Justiça Social e Ambiental, com cerca de 500 participantes, que foi realizada no Rio de Janeiro em julho de 2011, também se pronunciou.

As demandas ali propostas, para os poderes Executivo e Legislativo federais, foram:

– que o governo brasileiro mantenha o texto da Lei de Biossegurança (Lei 11.105/05) que proíbe a utilização de qualquer tecnologia genética de restrição de uso;

– que o governo brasileiro tenha uma posição firme e clara na Convenção sobre Diversidade Biológica para manter a moratória internacional às tecnologias genéticas de restrição de uso (GURTs), garantindo, como Estado-Parte da CDB, que a moratória também se aplica no Brasil;

– que o Congresso Nacional rejeite os PLs 5575/09 e 268/07 que tramitam na casa e que os senhores deputados Cândido Vacarezza (PT-SP) e Eduardo Sciarra (DEM-PR) arquivem esses PLs da pauta do Congresso, respeitando a moratória internacional à tecnologia Terminator e garantindo a soberania nacional em relação ao uso e reprodução das sementes, à segurança e soberania alimentar dos povos, e aos direitos dos agricultores, povos indígenas, povos e comunidades tradicionais, ao livre uso da biodiversidade e da agrobiodiversidade.

IHU On-Line – Como você recebeu a notícia de que Graziano da Silva assumiu a direção da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação – FAO?

Silvia Ribeiro – Acredito que Graziano da Silva deve afirmar claramente a mesma posição que o diretor anterior da FAO, ou seja, de condenação da tecnologia Terminator por ser uma ameaça direta à soberania alimentar.

IHU On-Line – Qual a sua expectativa com relação à Rio+20, que acontecerá no Brasil no próximo ano?

Silvia Ribeiro – Seria uma enorme contradição e uma vergonha internacional que um país que, pela segunda vez, será anfitrião de uma conferência sobre meio ambiente e desenvolvimento esteja, ao mesmo tempo, adotando uma tecnologia como a Terminator, que traz consigo grandes riscos para o meio ambiente e para a biodiversidade, e é rejeitada por todo o resto dos governos do mundo.

E que, além disso, para se ajustar aos interesses de três, quatro empresas transnacionais de sementes, tente romper a moratória internacional, algo que poderia ter consequências devastadoras sobre a biodiversidade e a soberania alimentar, não só do Brasil, mas também de tantos outros países muito mais vulneráveis, que agora estão protegidos pela moratória internacional.

Foto: Reprodução

Fonte: Ecodebate

Publicado pela IHU On-line.

 

Transgênicos, veneno no prato


               

 

            Com a consciência coletiva agora abraçando um estilo de vida sustentável, não tinha como o ser humano dessa geração também não querer ter uma atitude sustentável em relação ao próprio corpo. Tantas foram as eras que passamos, evoluindo, especialmente com o  auge do  modernismo, capitalismo, mais foi produzido no planeta o que chamamos de “Inutilidade Tóxica”, que mais tarde veio a ser o “lixo tóxico”.

               A sociedade foi estimulada ao consumismo no mesmo ritmo imperativo do aumento da produção. O problema maior ocorreu quando a febre pelo consumo atingiu o ápice da alienação, criando assim as personagens super aproveitadoras do “progresso”.  Com outras palavras, mais as companhias de produção procuraram atingir um maior êxito no seu numero de produção, pouco se preocuparam com a qualidade do que colocavam no mercado.  E assim, passamos, gerações e gerações, comprando, consumindo produtos transgênicos, de todo tipo,  confiando completamente no caráter pouco digno de tais companhias. Esse sistema quase invisível transformou pequenas empresas em grandes companhias milionárias e de monopólio.

          Mas o quê, afinal, são esses Transgênicos?

            Os Transgênicos ou organismos geneticamente modificados são produtos de cruzamentos que jamais aconteceriam na natureza, como, por exemplo, arroz com bactéria. Um organismo, planta e animal, por exemplo, se torna transgênico quando através da engenharia genética, recebe genes de outra espécie e sofre alterações em seu código genético. Este processo é feito em laboratórios. O gene inserido confere novas características a esse ser. Por exemplo, o salmão transgênico recebeu um gene de porco para engordar mais rápido.

             Alguns cientistas, como o farmacêutico bioquímico Flávio Finadi, professor da Universidade de São Paulo (USP), descrevem os transgênicos como apenas uma das aplicações da biotecnologia.  Os genes contêm as informações que definem as características naturais dos organismos, como a cor dos olhos de uma pessoa ou o perfume de uma flor. Ao receber um ou mais genes de outro organismo, um vegetal supostamente poderia se tornar resistente a pragas ou mais nutritivo, por exemplo. A meta dessa ciência seria a melhora da qualidade de vida em diversos aspectos. Supostamente indicada para o homem no desenvolvimento de alimentos mais seguros, saudáveis e nutritivos. Mas, espera um momento! Nossos alimentos naturais não são seguros, saudáveis e nutritivos?  

                   A realidade é bem diferente. As empresas de biotecnologia estão tentando obter o monopólio da produção de sementes. Isto ameaça seriamente a produção alimentar, que é a garantia de que um povo tenha ao seu alcance alimentos em quantidade suficiente, de boa qualidade e a preços acessíveis. Por meio de um ramo de pesquisa relativamente novo (a engenharia genética), fabricantes de agroquímicos criam sementes resistentes a seus próprios agrotóxicos, ou mesmo sementes que produzem plantas inseticidas. As empresas ganham com isso, mas nós pagamos um preço muito alto: riscos à nossa saúde e ao ambiente onde vivemos.

              A introdução de transgênicos na natureza expõe nossa biodiversidade a sérios riscos, como a perda ou alteração do patrimônio genético de nossas plantas e sementes e o aumento dramático no uso de agrotóxicos. De acordo com o Greenpeace, diante da crise climática em que vivemos, a preservação da biodiversidade funciona como um seguro, uma garantia de que teremos opções viáveis de produção de alimentos no futuro e estaremos prontos para os efeitos das mudanças climáticas sobre a agricultura. Porém, o modelo agrícola baseado na utilização de sementes transgênicas é a trilha de um caminho insustentável.

                O aumento dramático no uso de agroquímicos decorrentes do plantio de transgênicos é exemplo de prática que coloca em cheque o futuro dos nossos solos e de nossa biodiversidade agrícola. A utilização de transgênicos na agricultura tem causado o aparecimento de plantas daninhas e pragas resistentes, o que tem como conseqüência o aumento do uso de agrotóxicos e da dependência do agricultor para com as indústrias, como a Monsanto. Não por acaso o Brasil se tornou o maior consumidor mundial de agrotóxicos em 2008 – depois de cerca de dez anos de plantio de transgênicos – sendo mais da metade deles destinados à soja, primeira lavoura transgênica a ser inserida no País.

               Outro detalhe é que esse sistema torna a agricultura e os agricultores reféns de poucas empresas que detêm a tecnologia, e põe em risco a saúde de agricultores e consumidores.   O professor Rubens Onofre Nodari, da Universidade Federal de Santa Catarina, diz que as conseqüências a longo prazo do consumo dos transgênicos são incertas. Assim, como o seu efeito na natureza. "A diferença de uma vaca louca para uma sadia é apenas uma mudança na estrutura de uma mesma proteína", aponta o cientista. "Quando se mistura um gene em uma célula não há certeza de como será sua replicação daí para frente", alerta o professor. Michael Hansen, PhD. em biotecnologia e integrante da Consumers Union, é outra voz que aponta a necessidade de estudos científicos mais aprofundados e de longo prazo sobre organismos geneticamente modificados (OGMs) e desaprova sua utilização em escala comercial. “Já se observou na prática que milho, batata, algodão, cebola e outras plantas geneticamente modificadas para portar o Bacillus thuringiensis (Bt, que resiste ao pesticida Round Up) destroem outros fungos benéficos ao solo", alerta o professor catarinense.

              Além disso, a produção de transgênicos agrícolas é o paradigma de concentração corporativa mais extrema da história da agricultura. Somente seis empresas controlam todo o mercado mundial e uma só, a Monsanto, retém 88% do mercado mundial. As três maiores empresas de transgênicos – Monsanto, Syngenta, Dupont – são também as que têm a maior porcentagem do mercado de sementes comerciais em geral (não só transgênicas): juntas, controlam quase a metade (47%) do mercado mundial de sementes sob propriedade intelectual.  “Goste você ou não, é provável que a Monsanto tenha contaminado a comida que você comeu hoje com agrotóxicos e transgênicos. A Monsanto controla a maior parte do suprimento global de alimentos à custa da democracia alimentar ao redor do mundo", diz o  movimento  Occupy Monsanto.

FONTE: Greenpeace; Occupay Monsato; http://cib.org.br; Instituto Ethos.

Laísa Mangelli

Transgênicos e agrotóxicos. Tudo a ver?


Entrevista especial com Alan Tygel

“Temos um governo com uma cara popular, mas que no fim das contas manteve as velhas estruturas”, avalia o membro da Cooperativa Educação, Informação e Tecnologia para Autogestão – EITA.

“O governo federal vem tentando manter uma política dupla-face de apoiar o agronegócio da maneira tradicional, com financiamentos que chegam a R$ 120-140 bilhões para a monocultura de soja e de milho, as quais já ocupam quase 90% do território agricultável brasileiro, e ao mesmo tempo faz políticas de fortalecimento da agricultura familiar camponesa”, diz Alan Tygel, em entrevista concedida à IHU On-Line pessoalmente, durante o XV Simpósio Internacional IHU “Alimento e Nutrição no contexto dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio”, que está ocorrendo na Unisinos.

Alan Tygel atua há três anos na campanha permanente “Contra os agrotóxicos e pela vida”, a partir do Comitê do Rio de Janeiro, e foi um dos assessores na produção dos documentários O Veneno está na mesa 1 e 2, dirigidos por Silvio Tendler. Defensor da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica – PNAPO, construída pelos movimentos sociais em torno da Articulação Nacional de Agroecologia, ele enfatiza que não é possível tratar de temas como segurança alimentar sem pensar numa proposta ampla de reforma agrária, de autonomia dos agricultores em relação às sementes e ao plantio orgânico, livre da transgenia e do uso de agrotóxicos. “Esse é um debate que nunca podemos fazer em separado. O aumento do uso de agrotóxicos no Brasil está intimamente ligado à liberação dos transgênicos no país no ano 2000 e há um aumento gradativo do número de culturas aprovadas e da área plantada de transgênicos”, assinala. E dispara: “No início dos transgênicos, havia uma falsa propaganda de que eles iriam acabar reduzindo o uso de agrotóxicos e aumentar a produtividade, mas não aconteceu nem uma coisa nem outra”.

Alan Tygel trabalha na Cooperativa Educação, Informação e Tecnologia para Autogestão – EITA, que reúne programadores e educadores populares com o objetivo de colocar a informática a serviço dos movimentos sociais e da luta popular.

A Cooperativa presta serviço para os movimentos sociais a partir das demandas deles. Entre outros serviços, a cooperativa criou o site da Articulação Nacional de Agroecologia, da Associação Brasileira de Agroecologia, do Fórum Brasileiro de Soberania Alimentar, além de elaborar o sistema de informação Cirandas, que é o Sistema de Informações da Economia Solidária.

Tygel é mestre em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ e doutorando do Programa de Pós-Graduação em Informática da UFRJ, pesquisando na área de metodologias participativas de desenvolvimento de software, tecnologias de informação para movimentos sociais e uso e publicação de dados abertos ligados.

Confira a entrevista. 

IHU On-Line – Qual foi a sua atuação nos dois documentários O veneno está na mesa?

Alan Tygel – A história do documentário O veneno está na mesa praticamente se confunde com a própria história da campanha permanente contra os agrotóxicos e pela vida. Ainda em 2010, começaram algumas reuniões de movimentos sociais, universidades, sindicatos e movimentos estudantis para criar uma ferramenta que unificasse a luta contra os agrotóxicos. Essa luta existe desde que existe agrotóxico, mas ela acabava sendo muito dispersa. Porém, a partir de 2008, quando o Brasil se tornou campeão do uso de agrotóxicos no mundo, os movimentos sentiram a necessidade de criar um instrumento que organizasse essa luta de uma forma mais consistente e que pudesse ter resultados mais efetivos.

A campanha vem desse movimento que começa em 2010, e foi lançada em 7 de abril de 2011, junto com o Dia Mundial da Saúde. Isso ocorreu ao mesmo tempo que o Silvio Tendler viajou para o Uruguai e conversou com o Eduardo Galeano, que lhe informou que o Brasil é o maior consumidor de agrotóxico do mundo. No mesmo instante Silvio pensou em fazer um filme sobre isso, fez as articulações, procurou os movimentos sociais — o MST principalmente —, fez a proposta e então o filme O veneno está na mesa 1 foi construído em parceria entre a campanha contra os agrotóxicos e o Silvio Tendler.

Fizemos a assessoria dizendo quais eram os melhores lugares para ir, os temas interessantes a abordar. O filme foi fundamental para o desenvolvimento que tivemos nos últimos três anos. O Silvio tem uma capacidade de fazer esse diálogo com a sociedade de uma maneira muito superior à que nós temos enquanto movimento.

O filme O veneno está na mesa 1 foi exibido pelo Brasil inteiro fora das salas de cinemas. Silvio sempre diz que foi um filme que, pela contabilidade oficial de bilheteria, ninguém assistiu, pois não vendeu nenhum ingresso. Porém, é um filme que foi assistido em escolas, igrejas, assentamentos, acampamentos, ocupações, praças, universidades. Por todo o Brasil, o filme O veneno está na mesa 1 foi carregando o debate da campanha e ajudando a organizar a população em torno desse tema, porque não é um filme apenas para assistir, é um filme para você juntar o povo, debater, etc. O veneno está na mesa, e por que ele está na mesa?

 

“O filme O veneno está na mesa 1 foi exibido pelo Brasil inteiro fora das salas de cinemas”

IHU On-Line – Qual a diferença de O veneno está na mesa 2 em relação ao primeiro filme?

 

Alan Tygel – Ele tem uma estrutura semelhante, que é a de fazermos a denúncia, mostrar casos emblemáticos dos agrotóxicos, dar uma ideia de como esse modelo está impactando a saúde dos brasileiros e brasileiras. No filme 2 — apesar do baixo orçamento — nós tentamos dar esse foco para a agroecologia. Então, visitamos experiências pelo Brasil inteiro; o Silvio e a equipe dele viajaram muito para conhecer de perto o povo que está fazendo a agroecologia acontecer no dia a dia.

Tem outro aspecto interessante em relação ao primeiro filme: nestes três anos de campanha, nós conseguimos alguns apoios de peso em relação à questão científica relacionada à saúde.

Enquanto em 2011 nós tínhamos muita dificuldade para fazer essa suposta prova científica dos males dos agrotóxicos — porque sempre havia pessoas que afirmavam que o agrotóxico não fazia tão mal, que até certo limite não tinha problema, que se não fosse utilizado agrotóxico haveria pessoas passando fome no Brasil —, na produção do segundo filme não encontramos esse problema e conseguimos algumas parcerias importantes. Primeiro foi a construção dos dossiês sobre Impactos dos Agrotóxicos na Saúde, que é o dossiê produzido pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva em 2012.

Foram lançados três volumes durante o ano, que são uma compilação de denúncias do uso de agrotóxicos e chamadas de como se fazer políticas públicas para eliminar o uso de agrotóxicos e, principalmente, como conseguimos ter alternativas. Outra parceria relevante foi o engajamento da Fiocruz dentro da campanha. A Fiocruz, enquanto instituição mais importante de pesquisa em saúde no Brasil, ligada ao próprio Ministério da Saúde, em 2012 assumiu sua participação na campanha, inclusive financiou o filme e se colocou como uma entidade pública, de saúde pública e que tem interesse em defender a saúde pública acima dos interesses privados — e esse é o grande contraponto. Em terceiro lugar, tivemos a adesão do Instituto Nacional do Câncer, que também realizou um Seminário no Rio de Janeiro, em 2012, e no filme o presidente do instituto fez declarações bem enfáticas no sentido de demonstrar claramente a relação entre o aumento de casos de câncer e o uso de agrotóxicos. Então, essas são as evidências muito fortes que conseguimos e que fazem a diferença entre o lançamento do primeiro filme e o do segundo.

 

“Você aumenta a plantação de transgênico e consequentemente aumenta o uso de agrotóxico, porque o transgênico é feito para isso”

IHU On-Line – De que maneira a temática dos agrotóxicos está relacionada às políticas públicas de segurança alimentar e combate à fome, hoje? E qual seria a alternativa?

 

Alan Tygel – Temos, desde 2003, esse governo com uma cara popular, mas que no fim das contas manteve as velhas estruturas. O governo federal vem tentando manter uma política dupla-face de apoiar o agronegócio da maneira tradicional, com financiamentos que chegam a R$ 120-140 bilhões para a monocultura de soja e de milho, as quais já ocupam quase 90% do território agricultável brasileiro, e ao mesmo tempo faz políticas de fortalecimento da agricultura familiar camponesa. Então, podemos citar dois programas importantes da compra direta de alimentos, que é o Programa Nacional de Alimentação Escolar, que incluiu a compra de 30% de seus recursos para a agricultura familiar, e o Programa de Aquisição de Alimentos, que faz a compra direta da agricultura familiar e garante a venda dos alimentos.

Além disso, no ano passado, fruto da nossa mobilização, foi lançada a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica – PNAPO, uma política construída pelos movimentos sociais em torno da Articulação Nacional de Agroecologia. Trata-se de uma política bem avançada, que responde a sua questão: “O que nós sugerimos?” Sugerimos a Política Nacional que foi construída dentro da Articulação de Agroecologia, que previa uma série de coisas que começam com a reforma agrária, porque não podemos falar de Segurança e Soberania Alimentar, não podemos falar de Produção Orgânica, se não tivermos segurança de que o agricultor vai ter terra para plantar. Então, a reforma agrária é a base dessa história toda, mas a questão da água, das sementes, das zonas livre de agrotóxico, tudo isso estava presente nesse plano inicial. 

A política foi aprovada, mas óbvio que não foi aprovada da maneira que queríamos. Ela sofreu uma série de modificações no Legislativo, que é extremamente conservador. De todo modo, hoje estamos no processo de implementação do Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica. Os recursos desse plano são ínfimos perto dos que o agronegócio recebe, mas, enfim, podemos dizer que estamos andando. Temos dentro dele um grupo de trabalho, o qual vai construir um Plano Nacional de Redução de Uso de Agrotóxico. Então, de Política Pública estamos assim: de um lado, R$ 120 bilhões para o agronegócio e, de outro, R$ 10 a 15 bilhões para a agricultura familiar, e ainda com avanços muito tímidos. Não podemos dizer que não é nada, mas é pouca coisa dentro do que precisamos.

IHU On-Line – Qual a relação entre os agrotóxicos e produtos transgênicos especialmente no ambiente empresarial?

Alan Tygel – Esse é um debate que nunca podemos fazer em separado. O aumento do uso de agrotóxicos no Brasil está intimamente ligado à liberação dos transgênicos no país no ano 2000 e há um aumento gradativo do número de culturas aprovadas e da área plantada de transgênicos. Os transgênicos são — a grande maioria — plantas geneticamente modificadas para poderem ser resistentes aos agrotóxicos. Então, uma coisa não consegue ser descolada da outra. Você aumenta a plantação de transgênico e consequentemente aumenta o uso de agrotóxico, porque o transgênico é feito para isso. No início dos transgênicos, havia uma falsa propaganda de que eles iriam acabar reduzindo o uso de agrotóxicos e aumentar a produtividade, mas não aconteceu nem uma coisa nem outra.

O que vemos hoje é o aumento de plantas resistentes dentro das plantações de agrotóxicos, a contaminação do meio ambiente, porque não se consegue isolar os transgênicos e, principalmente aí, há uma dominação do mercado, que transformou os transgênicos não em uma possibilidade de escolha para o agricultor, mas sim numa imposição. Sempre digo que os transgênicos causam vários níveis de problemas. O primeiro problema básico é o de saúde, por conta da total falta de estudos ambientais e de saúde, porque as pesquisas com transgênico se baseiam no princípio de equivalência: se faz uma modificação genética, se vê que uma planta tem a mesma quantidade de proteínas que a outra e se diz que elas são iguais. Mas tem uma complexidade enorme que a própria ciência não consegue dar conta e que é ignorada.

 

“Não podemos tratar separadamente a questão do transgênico da questão dos agrotóxicos, porque os dois estão dentro do mesmo pacote tecnológico”

Implicações da transgenia

 

No ano passado, um pesquisador francês realizou um estudo sobre ratos que se alimentavam sem transgênicos e agrotóxicos, e outros que se alimentavam com transgênicos e agrotóxicos. Ele observou que os ratos que tinham a alimentação baseada em transgênicos e agrotóxicos desenvolviam uma quantidade de tumores muito maior que os outros. Então, existem algumas evidências de problemas na saúde, mas há um grande desconhecimento nesta área. O segundo problema diz respeito à questão da soberania alimentar, a soberania do camponês, do agricultor familiar sobre as sementes que ele tem. A semente é um patrimônio da humanidade, é a fonte da vida.

No momento em que ela vira uma patente, uma mercadoria, uma coisa que se comercializa, deixamos de ter a possibilidade de escolha e a capacidade de reproduzir a sua semente socialmente.

Legalmente, o agricultor pode ser penalizado se ele reproduzir uma semente transgênica. Além disso, tem a contaminação ambiental, principalmente no caso do milho, que é uma espécie que faz a polinização aérea. Mas a CTNBio libera a plantação de milho e exige que deve haver uma distância em torno de 30 a 60 metros entre uma plantação de transgênicos e outra, no entanto sabemos que o pólen e as sementes percorrem uma distância muito maior do que essa.

Então, não podemos tratar separadamente a questão do transgênico da questão dos agrotóxicos, porque os dois estão dentro do mesmo pacote tecnológico, o qual estamos recebendo desde a revolução verde e que vem ameaçando de forma muito grave a nossa segurança e soberania alimentar.

Legislação dos agrotóxicos

Durante o ano passado, ocorreu uma violenta ofensiva do agronegócio no sentido da desregulamentação da legislação de agrotóxicos. Então, até 2013 se tinha um modelo de que, para o agrotóxico entrar no Brasil, era preciso uma aprovação do Ministério da Agricultura, do Ministério do Meio Ambiente e do Ministério da Saúde. Isso funcionava de alguma forma, e havia dentro do Ministério da Saúde — e da ANVISA, principalmente — uma boa resistência, um cuidado maior com a saúde. Mas, durante o ano passado, a partir do caso da lagarta Helicoverpa, na Bahia, que causou uma suposta grande perda para o agronegócio, os produtores rurais pressionaram tanto no Congresso Nacional que conseguiram aprovar uma lei de que se o Estado declara uma situação de emergência — por exemplo, uma emergência fitossanitária —, o Ministério da Agricultura, sozinho, pode aprovar a importação de um agrotóxico proibido. Foi o que aconteceu com o Benzoato, um agrotóxico que já havia se tentado comercializar no Brasil. Mas em 2004-2005, ele já havia sido recusado por ser muito tóxico e causar problemas neurológicos. Mas aí inventou-se que o Benzoato era a única solução para combater essa lagarta e então se criou e efetivou a lei mais rápida da história do Congresso Brasileiro. Numa sexta-feira, aprovaram a lei que permitia a importação, na segunda-feira fizeram o decreto que regulamentava e na terça-feira já tinha Benzoato entrando no Brasil.

Isso tudo acontece num contexto de várias outras iniciativas. Nós temos notícias de que está circulando uma nova lei dos defensivos — que além de tudo ainda tira o nome de agrotóxico, uma conquista da Constituição de 1988 —, a qual pretende acabar com essa tripartite de aprovação de agrotóxico e criar uma estrutura parecida com a da CTNBio, que aprova os transgênicos. Esse órgão seria uma CTNAgro, ou coisa assim, que seria um órgão colegiado formado por várias pessoas. Portanto, se eventualmente o Ministério da Saúde dissesse que determinado agrotóxico faz mal à saúde, e se as outras 14 pessoas disserem que ele não faz mal à saúde, então ele seria aprovado por maioria, como aconteceu com todas as sementes transgênicas que entraram na CTNBio até hoje e foram aprovadas.

Temos muito medo de que isso aconteça com os agrotóxicos. Então, estamos vivendo esse momento de ataque à legislação e fazemos esse chamado para a sociedade brasileira, que se organize, que conheça o problema. Um bom lugar para se entender o problema é o filme O veneno está na mesa 2, que já está disponível no Youtube. As pessoas precisam procurar entender, em suas cidades, onde estão os produtores agroecológicos, onde há uso de agrotóxicos, como é possível interferir na legislação, quem são os deputados, os senadores e vereadores que estão contra ou a favor dessas medidas.

 

Fonte: IHU – Unisinos

Transgênicos na ração – os impactos da alimentação geneticamente modificada dada aos animais


           

Assim como a nossa alimentação sofreu mudanças drásticas após a Revolução Industrial, proporcionando a industrialização em massa da comida, o mesmo também aconteceu com a comida animal, onde rações tomaram o lugar da comida caseira e natural. Dada a vida moderna que levamos hoje, com as horas sempre comprometidas com trabalho e compromissos, optar pela ração se torna prático e infalível, já que os rótulos chamativos das embalagens tentam nos convencer de que o alimento é indispensável para os nossos bichinhos, enumerando as vitaminas de A a Z, proteínas, minerais, ácidos, sugerindo um suposto alimento equilibrado e perfeito. É nessa hora que devemos nos questionar e sair do senso comum; como é fabricada essa comida?

 

                                                          

 

Após ler as letrinhas minúsculas da embalagem de ração que compro aqui em casa e ver a sua composição com milho e soja transgênicos (identificado nas embalagens com o símbolo da letra T dentro de um triângulo) e componentes como o BHT e BHA – ambos conservantes químicos altamente cancerígenos, que são proibidos em vários países da Europa e Ásia – é que fui me dar conta do que o meu animal estava comendo.

 

Fazendo pesquisas pela internet e visitas a pet shops da cidade, descobri que aqui no Brasil, não existe uma ração se quer que seja livre de algum componente perigoso ou cancerígeno. Encontrei algumas como a N&D que não possuem transgênicos, mas em contra partida possui BHA e BHT em sua fórmula. Rações 100% naturais são somente as importadas e, diga-se de passagem, bem caras.

 

Os transgênicos, ou organismos geneticamente modificados, são produtos de cruzamentos que jamais aconteceriam na natureza, como, por exemplo, arroz com bactéria. Por meio de um ramo de pesquisa relativamente novo (a engenharia genética), fabricantes de agroquímicos criam sementes resistentes a seus próprios agrotóxicos, ou mesmo sementes que produzem plantas inseticidas. As empresas ganham com isso, mas nós pagamos um preço alto: riscos à nossa saúde e ao ambiente onde vivemos. O modelo agrícola baseado na utilização de sementes transgênicas é a trilha de um caminho insustentável.

 

O monopólio que o transgênico se tornou se deve a alta lucratividade que ele traz as empresas usuárias. Já que uma semente geneticamente modificada em laboratório é capaz de suportar pragas, clima instável e condições de solo amenas. Tornando-a lucro certo no final da produção. Levando-se em conta somente as cifras arrecadadas, e ignorando por completo a saúde e o bem estar do animal, que tanto vemos nos anúncios de rações. E vale lembrar, um animal doente também traz lucro para outro monopólio, o farmacêutico.

 

Pesquisas relacionadas a transgênicos são feitas em todo o mundo, avaliando quais os efeitos que esse organismo geneticamente modificado pode trazer ao organismo humano ou o animal. E na maioria delas, o câncer aparece como principal resultado a curto e longo prazo.  Além de tudo isso, não podemos ignorar que a partir do momento em que se manipula sem regras, o DNA de uma planta, em longo prazo se perde o controle de cruzamentos e evolução na escala da vida, e quais as respostas em como tais genes modificados podem alterar a nossa evolução humana e a animal daqui a uns séculos. Isso é sério e muito perigoso. Estamos cercados de transgênicos por todos os lados, e se você opta por não ingeri-lo, precisa ser radical e abolir os produtos industrializados, adquirindo somente comida orgânica e natural.

 

Em outras palavras, radicalizar seria voltar no tempo, onde não existia comida industrializada e era preciso preparar a sua própria refeição, e a do seu animal de estimação também. Tinha-se mais saúde, e de fato, sabia-se o que comia.

 

Laísa Mangelli

Transgênicos: enquanto o mundo recusa, o Brasil aprova


Transgênicos: enquanto o mundo recusa, o Brasil aprova. Entrevista especial com João Dagoberto dos Santos

“Quando a empresa fala que só irá plantar uma pequena porcentagem de 2% a 3% de eucalipto transgênico, nós estamos falando de 20 a 30 mil hectares”, adverte o engenheiro florestal.

 

Foto: www.cantinhoanimal.com

aprovação do plantio de eucalipto transgênico, decidida no mês passado em audiência na CTNBio, teve uma repercussão internacional que pode ser contabilizada em mais de 100 mil assinaturas contrárias à aprovação, informaJoão Dagoberto dos Santos, em entrevista à IHU On-Line. Como reação às manifestações, afirma, o Ministério das Relações Exteriores votou contra a aprovação do eucalipto transgênico, enquanto o “Ministério do Meio Ambiente – MMA não esteve presente e não votou”.

 

Na avaliação do engenheiro florestal, os experimentos realizados para a aprovação do eucalipto transgênico foram “insuficientes, porque seguiram o procedimento de espécie de ciclo curto”, como a soja e o milho, e porque “em campo não ofereceram subsídios para as conclusões de que os eucaliptos não irão gerar impactos”.

Na entrevista a seguir, concedida por telefone, Santos explica que entre os possíveis impactos da produção de eucalipto transgênico, avalia-se a contaminação do mel ocasionada pelo pólen e o alto consumo de água. “O eucalipto transgênico não vai ter esse rendimento de 20% que estão prevendo, mas, supondo-se que terá este rendimento, irá criar um impacto gigantesco, tanto no consumo de água quanto no uso de insumos aloquímicos, porque vai se cortar o ciclo na época em que a floresta plantada está chegando no nível de estabilidade, momento em que pode controlar um pouco a quantidade de agrotóxicos que é utilizada”, pontua.

Segundo ele, nos últimos anos tem aumentado o número de pesquisas que analisam as consequências ambientaisdo uso combinado de agrotóxicos e transgênicos na agricultura. Por conta disso, “as empresas juntaram seus pesquisadores para acelerar alguns processos para poder ganhar tempo e aprovar a maior parte de processos e projetos possíveis”. No Brasil, frisa, “empresas estão querendo mudar as regras da CTNBio para agilizar os processos; argumentam que o processo atual de avaliação da liberação dos transgênicos toma muito tempo e, por isso, estão propondo a criação de comitês ad hoc externos para acelerar os processos de aprovação”.

João Dagoberto dos Santos é doutor em Recursos Florestais pela Universidade de São Paulo – USP e atualmente leciona na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo – Esalq/USP.

Confira a entrevista.

 

Foto: noticias.terra.com.br

IHU On-Line – Como foi o processo de negociação do eucalipto transgênico até a sua aprovação, no mês passado, na CTNBio?

 

João Dagoberto dos Santos – O que havia anteriormente dentro do escopo da CTNBio era uma proposta de outra empresa para a diminuição e mudança do teor de lignina do eucalipto. Essa proposta foi bloqueada pela CTNBio, mas aí a empresa transformou o projeto, argumentando que o eucalipto transgênicoaumentaria a velocidade de crescimento dessa cultura.

Os argumentos dos membros da CTNBio que foram contrários à aprovação foram os mesmos de sempre, de que havia uma imprecisão no processo tecnológico da construção da genética do eucalipto em si. Argumentou-se também que o eucalipto transgênico traria um problema muito sério para silvicultura, porque os eucaliptos seriam árvores para produção de papel e isso afetaria toda a cadeia produtiva. As empresas perceberam que era um processo que não iria “colar”, então deram uma “amenizada” no processo e começaram a rever a lógica da tecnologia.

IHU On-Line – Como os membros da CTNBio reagiram ao argumento de que o eucalipto transgênico seria mais produtivo do que os demais, e isso permitiria reduzir a necessidade de área, liberando espaço para a produção de alimentos?

João Dagoberto dos Santos – A CTNBio não lida com essa questão. A não ser nós, pesquisadores, que levantamos questões referentes aos possíveis impactos, os demais membros da CTNBio dizem que não é papel deles tratar dospossíveis impactos, porque o que importa é a segurança da tecnologia. Se a tecnologia proposta estiver dentro das regras que foram estabelecidas, os membros da CTNBio dizem claramente que as demais implicações possíveis em relação a um organismo transgênico não é problema deles, e sim um problema do Ministério do Meio Ambiente – MMA e de outras instituições. Desse modo, isentam-se irresponsavelmente.

Na questão do eucalipto, o problema é que os procedimentos e os protocolos utilizados foram os mesmos usados para organismos de ciclo curto. Então, o mesmo protocolo que se usou para a aprovação da soja e do milho, como os indicadores biológicos, foram usados para a aprovação do eucalipto transgênico. Ocorre que esses indicadores utilizados são insuficientes e inadequados. A empresa contra-argumenta dizendo que sente muito, mas que não tem como voltar atrás, porque dedicaram anos de pesquisa na elaboração do eucalipto transgênico.

IHU On-Line – A discussão sobre a aprovação de um organismo transgênico é feita em outra instância, além da CTNBio?

João Dagoberto dos Santos – A aprovação de um organismo transgênico não existe em nenhuma instância superior àCTNBio. A única possibilidade de barrar a aprovação de um organismo transgênico, depois de aprovado pela CTNBio, é através da convocação do Conselho de Ministros — que está previsto no regulamento da CTNBio — e é a única instância que pode revogar essa decisão, mas isso nunca aconteceu. Como essa é uma política de Estado, o Estado assume que não vai rever e que não vai rediscutir a aprovação de um organismo transgênico, porque terá que admitir as falhas, e as falhas são inúmeras. Tudo que nós prevíamos — e está tudo registrado — como grupo crítico contra os procedimentos, e não contra a tecnologia, está se comprovando: aumentou a resistência dos organismos geneticamente modificados aos herbicidas e aos insetos, portanto a tecnologia não está funcionando; a produtividade também não é maior nos organismos transgênicos. A CTNBio atribui essas responsabilidades à empresa, mas isso é um absurdo, porque a empresa é responsável por fazer os estudos e ela mesma é responsável por monitorar as culturas transgênicas; trata-se de algo surreal.

O Estado assina embaixo; é parceiro e sócio das empresas na prática porque as próprias empresas fazem e monitoram todo o processo de desenvolvimento de um produto transgênico. Se precisar identificar uma falha, as empresas é que deverão fazer isso, mas elas não vão fazer isso nunca, como não estão fazendo. A única exceção é a própriaEmbrapa, que declarou que forçou um processo por uma contingência política, referindo-se ao feijão transgênico. Depois da aprovação do feijão, a Embrapa verificou que ele tem problemas, e não está liberando essa cultura transgênica, porque está admitindo que o que prevíamos à época da aprovação, em 2011, está acontecendo.

IHU On-Line – Como se dá a fiscalização dos impactos e das implicações dos cultivos transgênicos?

João Dagoberto dos Santos – O MMA é o responsável legal, ou deveria ser, mas se omite e nem participa das reuniões referentes ao tema. O MMA tem um assento dentro da CTNBio, mas nas últimas duas reuniões nem se fez presente. O responsável legal, que pode ser ele ou o Ministério Público, se omite e não se manifesta sobre a aprovação de transgênicos.

"Os 18 votos a favor representam sempre o quórum que é maioria absoluta"

IHU On-Line – Como as discussões são feitas antes de uma proposta transgênica ser apresentada à CTNBio? São feitas apresentações ao MMA?

João Dagoberto dos Santos – Não existem apresentações ou debates prévios, porque todos os processos são conduzidos comosegredo industrial, com causas de confidencialidade. Quando os projetos são submetidos à CTNBio, os membros têm que assinar um termo de confidencialidade, segundo o qual não podem emitir informações sobre o assunto e tampouco informar que um novo organismo está sendo usado para criar um novo evento, seja lá qual for. Só os membros da CTNBio têm acesso a essas informações, mas eles nem aparecem nos processos, porque trata-se de segredos industriais. É uma situação muito orquestrada politicamente.

Aldo Rebelo, quando era deputado, fez uma coalizão e consultou a cúpula do governo para saber a posição sobre os transgênicos. No mês passado, antes da aprovação do eucalipto transgênico, Rebelo se reuniu com os membros daCTNBio e com a cúpula do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação – MCTI, e declarou publicamente: “pesquisadores e cientistas que têm algum tipo de relação com movimentos sociais e ONGs são ignorantes e obscurantistas, portanto não é possível que pesquisadores sejam contra esta tecnologia”. Então, estamos em uma situação complicada, na qual a CTNBio e parte do governo estão capituladas.

Quem votou contra a aprovação do eucalipto transgênico foi o Ministério das Relações Exteriores, porque está vendo a repercussão desse caso no mundo inteiro: chegaram quase 100 mil assinaturas de instituições, indivíduos, embaixadas do mundo inteiro repudiando a aprovação. O Ministério do Meio Ambiente – MMA não esteve presente e não votou, e os outros representantes da agricultura familiar foram contra. Os 13 representantes do MCTI sempre votam a favor, nunca votam contra nada, votam em bloco, fazem pareceres de forma homogênea. Parece uma receita de bolo: eles olham, avaliam, seguem um script, e nunca perderam uma votação.

IHU On-Line – Considerando o alto número de votos favoráveis à aprovação do eucalipto transgênico, a declaração do Ministro Aldo Rebelo no dia anterior à votação influenciou na decisão de voto de alguns membros da CTNBio?

João Dagoberto dos Santos – Não, porque o número de votos aprovando organismos transgênicos é sempre alto. Onúmero de votos favoráveis ao eucalipto transgênico só não foi mais alto porque alguns membros não estavam presentes. Os 18 votos a favor representam sempre o quórum que é maioria absoluta. Então, o Aldo não intimidou, ao contrário, fortaleceu os votos a favor e garantiu a segurança. A votação foi fechada, embora geralmente seja audiência aberta, mas nesse caso criou-se um esquema de segurança, porque os membros da CTNBio disseram que se sentiam inseguros e ameaçados com os eventos da ocupação do MST e da pressão popular. Não é a primeira vez que isso ocorre; outras vezes em que os membros da CTNBio se sentiram pressionados, outros ministros se sentiram obrigados a admitir e assumir publicamente a defesa da CTNBio, porque eles são coautores da atual engenharia que se criou para fazer esse processo.

IHU On-Line – Quais argumentos importantes foram desconsiderados pela CTNBio na ocasião do eucalipto transgênico? Que aspectos deveriam ser considerados antes da sua aprovação?

João Dagoberto dos Santos – Um dos argumentos foi o de que o eucalipto seguiu o mesmo protocolo de outras espécies, o que é um absurdo, porque ele é uma árvore. O outro argumento é de que os experimentos realizados são insuficientes, primeiro porque seguiram o procedimento de espécie de ciclo curto; segundo, porque os experimentos foram descaracterizados por vários motivos, e experimentos em campo não ofereceram subsídios para as conclusões de que os eucaliptos não vão gerar impactos. O tempo de experimentação é insuficiente, porque nós estamos falando de uma árvore de ciclo longo, perene, e as empresas estão considerando ciclos curtos. Os testes feitos com relação aos derivados, seja do eucalipto em si, seja do seu impacto ou das externalidades, que nós chamamos da relação do pólen e da contaminação, foram insuficientes e não conclusivos. Contudo, o argumento da empresa é de que isso não é importante, que eles vão plantar eucalipto transgênico, monitorar as plantações e, se houver algum impacto, irão reverter a situação.

Só que eucalipto não é soja e milho, que têm ciclo curto e que você pode passar um trator em cima e destruir a plantação. O setor florestal e a empresa — no caso, a proponente — têm mais de um milhão de hectares plantados no Brasil. Quando a empresa fala que só irá plantar uma pequena porcentagem de 2% a 3% de eucalipto transgênico, nós estamos falando de 20 a 30 mil hectares. Eles nem calcularam nem dimensionaram o impacto, porque fizeram o experimento em um hectare. Avaliaram um ciclo de polinização apenas, onde as colmeias entraram em colapso. Ou seja, todos os indicadores que podiam dar segurança à sociedade não foram respeitados, foram negligenciados ou feitos de forma artificial. Os próprios experimentos e as pessoas que eles contrataram, que têm relação com a empresa, admitiram que houve cortes de recursos, que não houve tempo de realizar as pesquisas e que o ideal seria prorrogar a decisão.

Entre as questões que para nós são significativas, uma delas é a do mel — da contaminação que o pólen pode ocasionar — e também a do consumo de água. O eucalipto transgênico não vai ter esse rendimento de 20% que estão prevendo, mas, supondo-se que terá este rendimento, irá criar um impacto gigantesco tanto no consumo de água quanto no uso de insumos aloquímicos, porque vai se cortar o ciclo na época em que a floresta plantada está chegando no nível de estabilidade, momento em que pode controlar um pouco a quantidade de agrotóxicos que é utilizada.

Além disso, todos os estudos admitem que o ganho sugerido pelo eucalipto transgênico não é real e não está comprovado. Além disso, os métodos atuais de melhoramento tradicional, de multiclones ou mesmo melhorias nas empresas, dentro da fábrica, no processo industrial, dão um ganho tão grande ou maior do que este que está sendo prometido.

"Como essa é uma política de Estado, o Estado assume que não vai rever e que não vai rediscutir a aprovação de um organismo transgênico, porque terá que admitir as falhas, e as falhas são inúmeras"

IHU On-Line – Como a lei de biossegurança é interpretada em casos de aprovação de transgênicos?

João Dagoberto dos Santos – As empresas seguem a lei de biossegurança, portanto, se isentam dizendo que só tratam da questão da biossegurança, ou seja, se a tecnologia está dentro dos parâmetros considerados aceitáveis. Então, as empresas usam as brechas da lei para tirar de si essa obrigação de avaliar os impactos dos transgênicos com profundidade. É uma lei “legal e imoral”, porque ela tem mecanismos que dão segurança às empresas no sentido de que as dúvidas e incertezas não atrapalhem os processos de aprovação dos transgênicos. Ou seja, as próprias empresas contribuíram para a construção da lei, e se acobertaram e se blindaram de uma forma muito eficiente. Dessa forma, quando há algum problema, é acionada a consultoria jurídica do Ministério, porque a CTNBio é um órgão do governo a serviço de uma pretensa evolução tecnológica do país, a serviço de empresas que só têm objetivo de lucro.

IHU On-Line – É possível estimar em que regiões do país serão plantados os eucaliptos transgênicos?

João Dagoberto dos Santos – Sim, porque a dona da tecnologia, a Suzano, via FuturaGene, que é a empresa de tecnologia, tem áreas plantadas em São Paulo, na Bahia, em Minas Gerais e, mais recentemente, no Piauí e noMaranhão. Eles irão plantar nas áreas deles. Os argumentos absurdos que usam é de que os primeiros clientes aos quais irão oferecer as mudas transgênicas são os agricultores familiares e fomentados, que são os mais possivelmente impactados pela contaminação do pólen.

Nós que somos contra o eucalipto transgênico — engenheiros florestais, professores de universidades, instituições —, não somos contra a tecnologia, porque seria um sonho ter um evento desse nível que realmente trouxesse o que se está prometendo, mas não é essa a questão, os plantios de eucalipto estão seguindo a mesma rota das culturas dos monocultivos agrícolas, estão sofrendo um sério ataque de pragas e doenças.

IHU On-Line – Qual a situação de outras culturas transgênicas já cultivadas?

João Dagoberto dos Santos – Os casos que chamam muito a atenção são o milho e a soja, que são nossos principais carros-chefes. Uma praga em algumas áreas de zona de plantio de soja, atualmente, é o milho, que está resistente ao processo e está se reproduzindo espontaneamente no meio das plantações de soja. Então, o milho está com vários problemas, porque inclusive a produção não está aumentando. Em relação à soja, a produtividade estacionou, cada vez mais existem ervas daninhas resistentes aos herbicidas, tanto que aprovaram o 2,4-D, porque todo o pacote anterior do Roundup se mostrou insuficiente.

Vários dados começam a aparecer em pesquisas no mundo inteiro, as quais estão mostrando os resultados dessepacote de transgênico com agrotóxico. As empresas perceberam isso e juntaram seus pesquisadores para acelerar alguns processos para poder ganhar tempo e aprovar a maior parte de processos e projetos possíveis. As empresas estão querendo mudar as regras da CTNBio para agilizar os processos; argumentam que o processo atual de avaliação da liberação dos transgênicos toma muito tempo e, por isso, estão propondo a criação de comitês ad hoc externos para acelerar os processos de aprovação. Mas se hoje os processos já são ruins, imagina com processos acelerados. O governo está totalmente à mercê da pressão das indústrias.

"Todos os estudos admitem que o ganho sugerido pelo eucalipto transgênico não é real e não está comprovado"

IHU On-Line – Qual a receptividade dessas culturas transgênicas exportadas no exterior?

João Dagoberto dos Santos – O mundo inteiro está resistindo. Hoje o maior crescimento de produção nos Estados Unidos é a produção de não transgênicos de soja, por exemplo. A produção que mais cresce nos Estados Unidos é a produção de não transgênicos. O problema é que as empresas têm um lobby muito forte; é só ver o lobby que a Monsanto acabou de fazer nessas últimas duas semanas na comissão europeia. Agora as empresas estão querendo romper barreiras, e a sociedade nunca resistiu tanto — se fizermos um levantamento, nunca houve tanta informação e tanta resistência. O que eles estão fazendo? O modelo do agronegócio está indo para a África e parte da Ásia, onde não há resistência, ao contrário, os governos são frágeis, as instituições democráticas, quando existem, são muito frágeis. A nova fronteira é a África, onde o agronegócio está chegando com um pacote deletério. Tudo que tem de ruim não aprovado e não liberado no resto do mundo está indo para lá.

Um dos argumentos utilizados para garantir a expansão dos transgênicos para outros países foi o de que aEmbrapa, que é uma empresa pública, aprovou o feijão transgênico, que é um alimento da segurança alimentar dos brasileiros. Essa foi a propaganda que varreu a África. A Embrapa se deixou utilizar em uma propaganda desse nível para falar que a tecnologia é boa a ponto de que a maior empresa do mundo tropical — que é a Embrapa — desenvolveu um feijão que faz parte da base alimentar do brasileiro.

IHU On-Line – Que outras culturas estão na pauta de aprovação da CTNBio?

João Dagoberto dos Santos – Os maiores pedidos de aprovação são em relação ao milho, mas tem uma coisa que preocupa muito, que é a tentativa de aprovar o milheto transgênico. A previsão é de que se tente aprovar a cana-de-açúcar, com a mesma lógica de piramidados, ou seja, das tecnologias associadas onde os impactos são gigantescos principalmente por causa da instabilidade genética. O 2,4-D é o exemplo mais claro do absurdo, porque estão revendo uma molécula que tem uma lógica baseada no agente laranja em substituição ao Roundup, que teve sua patente caída e que já não funciona mais para maior parte das culturas do pacote tecnológico dos transgênicos. Quando foiinterrompida a votação do eucalipto, dois minutos antes foi aprovado o 2,4-D, o que no nosso entendimento é tão pior ou mais grave do que a aprovação do eucalipto.

Se você perceber, tudo isso está casado com a aprovação na Câmara da retirada da identificação “T” das embalagens dos produtos transgênicos. As empresas são muito eficientes e estão agindo em todas as frentes: na frente da comunicação, na frente parlamentar e política, na frente da cooptação.

Quando se teve a grande resistência à soja transgênica, principalmente a Monsanto achou que não haveria resistência no Brasil, como não está tendo na África. Então eles avaliaram historicamente que foi um erro de estratégia achar que não haveria resistência, e agora estão tentando recuperar o tempo perdido. O pessoal da tecnologia do eucalipto disse o seguinte para os membros da CTNBio: “fiquem tranquilos, nós não somos a Monsanto, nós não estamos cometendo o mesmo tipo de erro que a Monsanto, nós estamos tentando fazer 'direitinho’”. Essas empresas têm um time hegemônico de assessores e consultores, mas nós que somos contra não temos essa equipe; temos que ler todos os processos e tentar fazer pareceres para deixar um registro histórico para que a sociedade tenha onde se referendar, pois, do contrário, nem isso aconteceria, porque vamos para as audiências da CTNBio sabendo que não ganharemos nenhuma votação.

Fonte: IHU

Relações éticas e pesquisa independente na liberação dos transgênicos no Brasil.


 Entrevista especial com José Maria Gusman Ferraz

“Os estudos apresentados sobre os transgênicos são em quase sua totalidade elaborados pelas empresas que propõem a sua liberação, ou que foram contratados por elas”, denuncia o agrônomo.

Foto: http://bit.ly/1fnlaS8

No ano de 2003, foi aprovada a lei brasileira que libera o uso e a entrada de organismos geneticamente modificados no País. Dez anos depois, no entanto, ainda não se chegou a um consenso sobre os reais riscos e benefícios da tecnologia. Para o agrônomo e pesquisador José Maria Gusman Ferraz, no entanto, as respostas já estão sendo apontadas, mas vem sendo ignoradas pelo Estado. “Os interesses das empresas e seus lobbies determinam o estabelecimento de políticas públicas e normas regimentais”, afirma. “Isto fica claro na flexibilização que a CTNBio vem tendo ao longo do tempo, passando de órgão consultivo para deliberativo.”

Em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, Ferraz questiona as relações éticas estabelecidas entre aquele que desenvolve a pesquisa e as empresas que lutam pela liberação da transgenia. Tal prejuízo viria desde a formação acadêmica até a pós. “O estreitamento da relação ensino/empresas e pesquisa/empresa, ao invés do efeito desejado de formar profissionais com uma visão também de mercado e tornar a pesquisa focada na realidade, criou uma relação empresa/ensino e empresa/pesquisa de conluio e dependência”, aponta ele. Tais empresas são as grandes financiadoras dos estudos da área e, por vezes, chegam até mesmo a atuar como prestadoras de serviço para pesquisas públicas, o que geraria novos dilemas éticos.

Para o pesquisador, esta relação desbalanceada, onde liberações legais são criadas para seguir interesses corporativos, pode trazer muitos riscos para o País. Um dele diz respeito às sementes terminator, patenteadas e desenvolvidas para darem origem a grãos estéreis — forçando a compra de novas sementes. “Existe o risco de o pólen de uma planta contendo o gene “terminator” fecundar outra planta, inclusive variedades crioulas, e torná-la estéril”, aponta ele.

Por enquanto, o uso da semente não é permitido em nenhum país do mundo. No entanto, no Brasil, há várias propostas para a sua liberação. “Isso nos coloca mais uma vez na ponta, mas na ponta da prancha que era usada pelos piratas para executar seus inimigos”, ironiza.

José Maria Gusman Ferraz é mestre em Agronomia pela Universidade de São Paulo – USP e doutor em Ecologia pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. Cursou pós-doutorado em Agroecologia pela Universidade de Córdoba – UCO, Espanha. Atualmente é professor do curso de mestrado em Agroecologia e Desenvolvimento Rural da UFSCar e professor convidado da Unicamp.

Foto: http://bit.ly/1iyjOnr

Confira a entrevista.

IHU On-Line – O que leva uma variedade transgênica no Brasil, mesmo considerada insegura por diversos estudos, a ser aprovada? São pressões e lobbies de que espécie?

José Maria Gusman Ferraz – São vários os fatores, um deles é seguramente o ponto de vista simplista da maioria dos membros da CTNBio de que não existem riscos, mesmo com todas as evidências que as publicações independentes têm apontado. Alguns membros (ou o departamento em que trabalham) também desenvolvem trabalhos com transgênicos e prestam serviços para empresas que estão produzindo transgênicos, em alguns casos criando um problema ético complicado para sua atuação na CTNBio. Entre outros fatores está o de que as regras de biossegurança são por vezes desconsideradas, como a necessidade de estudos mais longos para verificação de efeitos crônicos, e não só de efeitos agudos, sobre organismos não alvos feitos de forma criteriosa.

IHU On-Line – Muito se fala sobre os riscos dos transgênicos em longo prazo. Quanto tempo é necessário para determinar que um OGM seja seguro para a saúde humana?

José Maria Gusman Ferraz – Trabalhos realizados na Argentina estabelecem uma correlação entre o aumento de plantio de soja transgênica e o aumento de incidência de nascimentos prematuros e de crianças que nascem com deficiências (efeitos teratogênicos). Como não existe uma forma de estabelecer uma relação causa—efeito, pois a população não usa só um tipo de alimento, fica difícil estabelecer esta correlação. No caso do DDT (um inseticida organoclorado), foram necessárias décadas para que se evidenciasse na população seus efeitos deletérios sobre a saúde humana e o meio ambiente, embora houvesse estudos indicando a possibilidade de sua correlação, assim como ocorre hoje com os transgênicos, e que foram desconsiderados pela academia na época.

IHU On-Line – Atualmente usamos transgênicos nas vacinas, na alimentação humana e animal. O que é preciso, afinal, para que um OGM seja considerado seguro?

José Maria Gusman Ferraz – É necessário que sejam efetuados estudos de longo prazo e intergeracionais (mais de uma geração), e que estes estudos sejam efetuados de forma independente. Os estudos apresentados sobre os transgênicos são em quase sua totalidade elaborados pelas empresas que propõem a sua liberação, ou que foram contratados por elas. As poucas publicações independentes de longo prazo indicam riscos, o que mereceria maior atenção para que fossem desenvolvidas novas pesquisas para verificar a segurança ou não dos transgênicos.

Caso flagrante é do milho NK 603, que tem um estudo publicado em revista de referência internacional indicando claramente o alto risco de sua utilização e que foi desconsiderado pela CTNBio. Porém, ao contrário do que indica um comportamento comprometido com a busca da verdade científica, estes trabalhos são criticados e não são considerados pela CTNBio, que não apresenta o mesmo rigor na hora da liberação comercial dos transgênicos. Entre inúmeros casos, um dos mais gritantes é a liberação do feijão transgênico da Embrapa.

IHU On-Line – Acredita que as políticas públicas são pautadas pelo resultado das pesquisas científicas?

José Maria Gusman Ferraz – Infelizmente, a meu ver, ocorre exatamente o contrário. Os interesses das empresas e seus lobbies determinam o estabelecimento de políticas públicas e normas regimentais. Isto fica claro na flexibilização que a CTNBio vem tendo ao longo do tempo, passando de órgão consultivo para deliberativo. Depois, as decisões que eram definidas por maioria absoluta (o que levava a mais discussões científicas) passam a ser por maioria simples.

A mudança nas regras de liberação para experimentos no meio ambiente, que as tornou mais flexíveis, tinha como perspectiva um controle e avaliação detalhada no acompanhamento após a liberação comercial. Fato que ocorreu de forma inversa, pois a exigência dos estudos pós-liberação comercial foi flexibilizada ao extremo com uma nova resolução, permitindo inclusive que a empresa solicitasse a isenção de monitoramento.

IHU On-Line – Qual a relação dos pesquisadores com essas indústrias que promovem pesquisas em transgenia?

José Maria Gusman Ferraz – Variam, desde a total isenção até uma proximidade que poderiam caracterizar conflitos de interesse; houve inclusive uma publicação nominando pesquisadores que, segundo a autora, tinham ligações com empresas. A entrada e saída de membros e assessores de empresas para a CTNBio e vice-versa também ocorre, sem ao menos observar um tempo de “carência” de um para outro.

IHU On-Line – Que tensionamentos éticos se estabelecem na relação entre cientista e mercado? Como garantir que os resultados das pesquisas tenham isenção?

José Maria Gusman Ferraz – A formação de novos pesquisadores já sofre uma forte influência das empresas desde os cursos de graduação, passando pela pós, pois o estreitamento da relação ensino/empresas e pesquisa/empresa, ao invés do efeito desejado — formar profissionais com uma visão também de mercado e tornar a pesquisa focada na realidade —, criou uma relação empresa/ensino e empresa/pesquisa de conluio e dependência com total ausência de ética. Além da visão neoliberal implementada no País, que torna o Estado mero observador e incentivador destas discrepâncias, há também situações como o aparelhamento de laboratórios por empresas e a elaboração de projetos conjuntos. Outro exemplo é a prestação de serviços de empresas públicas, em que consta uma cláusula de que os resultados obtidos, para que sejam divulgados, precisam ter o aval da empresa privada.

IHU On-Line – Nestes 10 anos de transgênicos no Brasil, como você enxerga a discussão sobre o tema no País? Ela tem avançado para uma base empírica mais justificada ou ainda é baseada no senso comum?

José Maria Gusman Ferraz – A discussão pouco tem avançado e a população não tem a mínima informação do que está ocorrendo, até mesmo com a rotulagem dos produtos, que não é observada na forma prevista na lei. As empresas têm feito um trabalho de patrocínios de eventos acadêmicos e publicações por instituições mantidas por elas para construir uma ideia da segurança absoluta da tecnologia. Os estudos que existem são, em sua quase totalidade, os fornecidos pelas empresas, e os trabalhos independentes têm apontado riscos que eram previstos na teoria, mas que são desconsiderados pela maioria dos membros da CTNBio, por pura crença de que os transgênicos são seguros.

IHU On-Line – Como funcionam exatamente as sementes terminator e qual a relação disso com os royalties pagos para as desenvolvedoras? Por que é uma opção vantajosa e quais os riscos envolvidos?

José Maria Gusman Ferraz – A tecnologia terminator é patenteada pela empresa Delta & Pine, que introduz um gene que, incorporado às sementes, faz com que estas, quando forem plantadas, deem origem a plantas de sementes estéreis. Ou seja, produzem grãos e não mais sementes, interrompendo o ciclo natural de vida. Exemplificando de forma simples, eles agem através de “promotores” que na fase final de embriogênese (formação do embrião da planta) inibem o transporte de substâncias de reserva da semente para alimentar o embrião, causando sua morte. A inserção deste gene na planta é extremamente vantajosa para as empresas e extremamente desvantajosa para o agricultor e para a segurança e soberania alimentar do País.

Existe o risco de o pólen de uma planta contendo o gene “terminator” fecundar outra planta, inclusive variedades crioulas, e torná-la estéril. Por enquanto ela não é permitida em nenhum país, mas no Brasil vários projetos estão em tramitação para liberar o seu uso. Isso nos coloca mais uma vez na ponta, mas na ponta da prancha que era usada pelos piratas para executar seus inimigos.

IHU On-Line – Em relação a outros países do mundo, como percebe a relação do brasileiro com os transgênicos? Produtores e consumidores têm consciência do que estão comendo e plantando?

José Maria Gusman Ferraz – O brasileiro comum e mesmo aqueles com mais conhecimento não têm informação sobre o que seja transgênico, nem o que significa o triângulo amarelo com o T na cor preta — quando visível —, e muito menos como este alimento pode estar influenciando em sua alimentação.

O produtor tem pouca opção, pois dificilmente encontra sementes não transgênicas no mercado, pois para as empresas que dominam este mercado interessa vender a semente transgênica. É uma venda casada com o agrotóxico, que ela mesma comercializa. O mesmo acontece para quem planta com a tecnologia Bt, que obrigatoriamente tem que plantar uma área sem transgênicos para retardar o tempo e adquirir resistência.

IHU On-Line – Deseja acrescentar mais alguma coisa?

José Maria Gusman Ferraz – Esta tecnologia, que prometia reduzir o uso de agrotóxicos, está fazendo exatamente o contrário. O uso indiscriminado e em larga escala da tecnologia no país tem levado à seleção de plantas espontâneas tolerantes aos herbicidas, o que tem elevado o número de aplicações. Há relatos de até 15 aplicações para obter o resultado esperado. No caso da tecnologia Bt, após prejuízos de 10 bilhões de dólares, o Brasil aprovou em tempo recorde a Portaria de número 1109 [1], a qual permite a importação do inseticida (benzoato de emamectina), extremamente tóxico e que até agora era proibido no Brasil.

NOTA:

[1] Portaria MAPA 1109/2013: Portaria que, entre outras medidas, prevê a autorização, em caráter emergencial e temporário, da importação de produtos agrotóxicos que tenham como ingrediente ativo a substância Benzoato de Emamectina para fins de contenção da praga Helicoverpa armigera.

Fonte: IHU – Unisinos

Relações éticas e pesquisa independente na liberação dos transgênicos no Brasil.


 Entrevista especial com José Maria Gusman Ferraz

“Os estudos apresentados sobre os transgênicos são em quase sua totalidade elaborados pelas empresas que propõem a sua liberação, ou que foram contratados por elas”, denuncia o agrônomo.

Foto: http://bit.ly/1fnlaS8

No ano de 2003, foi aprovada a lei brasileira que libera o uso e a entrada de organismos geneticamente modificados no País. Dez anos depois, no entanto, ainda não se chegou a um consenso sobre os reais riscos e benefícios da tecnologia. Para o agrônomo e pesquisador José Maria Gusman Ferraz, no entanto, as respostas já estão sendo apontadas, mas vem sendo ignoradas pelo Estado. “Os interesses das empresas e seus lobbies determinam o estabelecimento de políticas públicas e normas regimentais”, afirma. “Isto fica claro na flexibilização que a CTNBio vem tendo ao longo do tempo, passando de órgão consultivo para deliberativo.”

Em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, Ferraz questiona as relações éticas estabelecidas entre aquele que desenvolve a pesquisa e as empresas que lutam pela liberação da transgenia. Tal prejuízo viria desde a formação acadêmica até a pós. “O estreitamento da relação ensino/empresas e pesquisa/empresa, ao invés do efeito desejado de formar profissionais com uma visão também de mercado e tornar a pesquisa focada na realidade, criou uma relação empresa/ensino e empresa/pesquisa de conluio e dependência”, aponta ele. Tais empresas são as grandes financiadoras dos estudos da área e, por vezes, chegam até mesmo a atuar como prestadoras de serviço para pesquisas públicas, o que geraria novos dilemas éticos.

Para o pesquisador, esta relação desbalanceada, onde liberações legais são criadas para seguir interesses corporativos, pode trazer muitos riscos para o País. Um dele diz respeito às sementes terminator, patenteadas e desenvolvidas para darem origem a grãos estéreis — forçando a compra de novas sementes. “Existe o risco de o pólen de uma planta contendo o gene “terminator” fecundar outra planta, inclusive variedades crioulas, e torná-la estéril”, aponta ele.

Por enquanto, o uso da semente não é permitido em nenhum país do mundo. No entanto, no Brasil, há várias propostas para a sua liberação. “Isso nos coloca mais uma vez na ponta, mas na ponta da prancha que era usada pelos piratas para executar seus inimigos”, ironiza.

José Maria Gusman Ferraz é mestre em Agronomia pela Universidade de São Paulo – USP e doutor em Ecologia pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. Cursou pós-doutorado em Agroecologia pela Universidade de Córdoba – UCO, Espanha. Atualmente é professor do curso de mestrado em Agroecologia e Desenvolvimento Rural da UFSCar e professor convidado da Unicamp.

Foto: http://bit.ly/1iyjOnr

Confira a entrevista.

IHU On-Line – O que leva uma variedade transgênica no Brasil, mesmo considerada insegura por diversos estudos, a ser aprovada? São pressões e lobbies de que espécie?

José Maria Gusman Ferraz – São vários os fatores, um deles é seguramente o ponto de vista simplista da maioria dos membros da CTNBio de que não existem riscos, mesmo com todas as evidências que as publicações independentes têm apontado. Alguns membros (ou o departamento em que trabalham) também desenvolvem trabalhos com transgênicos e prestam serviços para empresas que estão produzindo transgênicos, em alguns casos criando um problema ético complicado para sua atuação na CTNBio. Entre outros fatores está o de que as regras de biossegurança são por vezes desconsideradas, como a necessidade de estudos mais longos para verificação de efeitos crônicos, e não só de efeitos agudos, sobre organismos não alvos feitos de forma criteriosa.

IHU On-Line – Muito se fala sobre os riscos dos transgênicos em longo prazo. Quanto tempo é necessário para determinar que um OGM seja seguro para a saúde humana?

José Maria Gusman Ferraz – Trabalhos realizados na Argentina estabelecem uma correlação entre o aumento de plantio de soja transgênica e o aumento de incidência de nascimentos prematuros e de crianças que nascem com deficiências (efeitos teratogênicos). Como não existe uma forma de estabelecer uma relação causa—efeito, pois a população não usa só um tipo de alimento, fica difícil estabelecer esta correlação. No caso do DDT (um inseticida organoclorado), foram necessárias décadas para que se evidenciasse na população seus efeitos deletérios sobre a saúde humana e o meio ambiente, embora houvesse estudos indicando a possibilidade de sua correlação, assim como ocorre hoje com os transgênicos, e que foram desconsiderados pela academia na época.

IHU On-Line – Atualmente usamos transgênicos nas vacinas, na alimentação humana e animal. O que é preciso, afinal, para que um OGM seja considerado seguro?

José Maria Gusman Ferraz – É necessário que sejam efetuados estudos de longo prazo e intergeracionais (mais de uma geração), e que estes estudos sejam efetuados de forma independente. Os estudos apresentados sobre os transgênicos são em quase sua totalidade elaborados pelas empresas que propõem a sua liberação, ou que foram contratados por elas. As poucas publicações independentes de longo prazo indicam riscos, o que mereceria maior atenção para que fossem desenvolvidas novas pesquisas para verificar a segurança ou não dos transgênicos.

Caso flagrante é do milho NK 603, que tem um estudo publicado em revista de referência internacional indicando claramente o alto risco de sua utilização e que foi desconsiderado pela CTNBio. Porém, ao contrário do que indica um comportamento comprometido com a busca da verdade científica, estes trabalhos são criticados e não são considerados pela CTNBio, que não apresenta o mesmo rigor na hora da liberação comercial dos transgênicos. Entre inúmeros casos, um dos mais gritantes é a liberação do feijão transgênico da Embrapa.

IHU On-Line – Acredita que as políticas públicas são pautadas pelo resultado das pesquisas científicas?

José Maria Gusman Ferraz – Infelizmente, a meu ver, ocorre exatamente o contrário. Os interesses das empresas e seus lobbies determinam o estabelecimento de políticas públicas e normas regimentais. Isto fica claro na flexibilização que a CTNBio vem tendo ao longo do tempo, passando de órgão consultivo para deliberativo. Depois, as decisões que eram definidas por maioria absoluta (o que levava a mais discussões científicas) passam a ser por maioria simples.

A mudança nas regras de liberação para experimentos no meio ambiente, que as tornou mais flexíveis, tinha como perspectiva um controle e avaliação detalhada no acompanhamento após a liberação comercial. Fato que ocorreu de forma inversa, pois a exigência dos estudos pós-liberação comercial foi flexibilizada ao extremo com uma nova resolução, permitindo inclusive que a empresa solicitasse a isenção de monitoramento.

IHU On-Line – Qual a relação dos pesquisadores com essas indústrias que promovem pesquisas em transgenia?

José Maria Gusman Ferraz – Variam, desde a total isenção até uma proximidade que poderiam caracterizar conflitos de interesse; houve inclusive uma publicação nominando pesquisadores que, segundo a autora, tinham ligações com empresas. A entrada e saída de membros e assessores de empresas para a CTNBio e vice-versa também ocorre, sem ao menos observar um tempo de “carência” de um para outro.

IHU On-Line – Que tensionamentos éticos se estabelecem na relação entre cientista e mercado? Como garantir que os resultados das pesquisas tenham isenção?

José Maria Gusman Ferraz – A formação de novos pesquisadores já sofre uma forte influência das empresas desde os cursos de graduação, passando pela pós, pois o estreitamento da relação ensino/empresas e pesquisa/empresa, ao invés do efeito desejado — formar profissionais com uma visão também de mercado e tornar a pesquisa focada na realidade —, criou uma relação empresa/ensino e empresa/pesquisa de conluio e dependência com total ausência de ética. Além da visão neoliberal implementada no País, que torna o Estado mero observador e incentivador destas discrepâncias, há também situações como o aparelhamento de laboratórios por empresas e a elaboração de projetos conjuntos. Outro exemplo é a prestação de serviços de empresas públicas, em que consta uma cláusula de que os resultados obtidos, para que sejam divulgados, precisam ter o aval da empresa privada.

IHU On-Line – Nestes 10 anos de transgênicos no Brasil, como você enxerga a discussão sobre o tema no País? Ela tem avançado para uma base empírica mais justificada ou ainda é baseada no senso comum?

José Maria Gusman Ferraz – A discussão pouco tem avançado e a população não tem a mínima informação do que está ocorrendo, até mesmo com a rotulagem dos produtos, que não é observada na forma prevista na lei. As empresas têm feito um trabalho de patrocínios de eventos acadêmicos e publicações por instituições mantidas por elas para construir uma ideia da segurança absoluta da tecnologia. Os estudos que existem são, em sua quase totalidade, os fornecidos pelas empresas, e os trabalhos independentes têm apontado riscos que eram previstos na teoria, mas que são desconsiderados pela maioria dos membros da CTNBio, por pura crença de que os transgênicos são seguros.

IHU On-Line – Como funcionam exatamente as sementes terminator e qual a relação disso com os royalties pagos para as desenvolvedoras? Por que é uma opção vantajosa e quais os riscos envolvidos?

José Maria Gusman Ferraz – A tecnologia terminator é patenteada pela empresa Delta & Pine, que introduz um gene que, incorporado às sementes, faz com que estas, quando forem plantadas, deem origem a plantas de sementes estéreis. Ou seja, produzem grãos e não mais sementes, interrompendo o ciclo natural de vida. Exemplificando de forma simples, eles agem através de “promotores” que na fase final de embriogênese (formação do embrião da planta) inibem o transporte de substâncias de reserva da semente para alimentar o embrião, causando sua morte. A inserção deste gene na planta é extremamente vantajosa para as empresas e extremamente desvantajosa para o agricultor e para a segurança e soberania alimentar do País.

Existe o risco de o pólen de uma planta contendo o gene “terminator” fecundar outra planta, inclusive variedades crioulas, e torná-la estéril. Por enquanto ela não é permitida em nenhum país, mas no Brasil vários projetos estão em tramitação para liberar o seu uso. Isso nos coloca mais uma vez na ponta, mas na ponta da prancha que era usada pelos piratas para executar seus inimigos.

IHU On-Line – Em relação a outros países do mundo, como percebe a relação do brasileiro com os transgênicos? Produtores e consumidores têm consciência do que estão comendo e plantando?

José Maria Gusman Ferraz – O brasileiro comum e mesmo aqueles com mais conhecimento não têm informação sobre o que seja transgênico, nem o que significa o triângulo amarelo com o T na cor preta — quando visível —, e muito menos como este alimento pode estar influenciando em sua alimentação.

O produtor tem pouca opção, pois dificilmente encontra sementes não transgênicas no mercado, pois para as empresas que dominam este mercado interessa vender a semente transgênica. É uma venda casada com o agrotóxico, que ela mesma comercializa. O mesmo acontece para quem planta com a tecnologia Bt, que obrigatoriamente tem que plantar uma área sem transgênicos para retardar o tempo e adquirir resistência.

IHU On-Line – Deseja acrescentar mais alguma coisa?

José Maria Gusman Ferraz – Esta tecnologia, que prometia reduzir o uso de agrotóxicos, está fazendo exatamente o contrário. O uso indiscriminado e em larga escala da tecnologia no país tem levado à seleção de plantas espontâneas tolerantes aos herbicidas, o que tem elevado o número de aplicações. Há relatos de até 15 aplicações para obter o resultado esperado. No caso da tecnologia Bt, após prejuízos de 10 bilhões de dólares, o Brasil aprovou em tempo recorde a Portaria de número 1109 [1], a qual permite a importação do inseticida (benzoato de emamectina), extremamente tóxico e que até agora era proibido no Brasil.

NOTA:

[1] Portaria MAPA 1109/2013: Portaria que, entre outras medidas, prevê a autorização, em caráter emergencial e temporário, da importação de produtos agrotóxicos que tenham como ingrediente ativo a substância Benzoato de Emamectina para fins de contenção da praga Helicoverpa armigera.

Fonte: IHU – Unisinos

Três novidades sobre a rotulagem de transgênicos


artigot

Artigo de Bruno Tanus Job e Meira.

 

O Projeto de Lei da Câmara 34/2015, que pretende implementar alterações à normativa para rotulagem de transgênicos no Brasil, foi recentemente aprovado pelo Plenário da Câmara dos Deputados, depois de receber 320 votos a favor. Agora, encontra-se em fase de apreciação pelo Senado Federal.

A intenção é ajustar a normativa de biossegurança vigente (Lei 11.105/2005 e Decreto 4.680/2003), que determina que o rótulo dos produtos constituídos por quantia superior a 1% de material geneticamente modificado deve mencionar, além da indicação de que se trata de um organismo transgênico ou de um produto que o contenha, a espécie doadora do gene utilizado no sistema de transformação genética, no local reservado para a identificação dos ingredientes, assim como um símbolo e uma expressão que indique a presença do ingrediente transgênico. A Portaria 2.658/2003 definiu como símbolo a ser utilizado a letra “T” localizada no centro de um triângulo amarelo.

Há três razões principais pelas quais o referido projeto de lei se mostra coerente. Em primeiro lugar porque, caso seja definitivamente aprovado e o seu conteúdo entre em vigor, teremos uma regulamentação mais concisa e precisa, sem inúmeras remissões normativas. A rotulagem de transgênicos seria regulada, basicamente, pelo artigo 40 da Lei 11.105/2005, que passaria a especificar todos os requisitos para que produtos que contenham ou sejam produzidos a partir de organismos geneticamente modificados (OGM) sejam devidamente identificados.

Em segundo lugar, porque a obrigatoriedade do uso do triângulo exclamativo (utilizado, inclusive, pela normativa ISO para indicar “perigo”) seria eliminada. A atual simbologia, que remete a um sinal de alerta, é inapropriada, visto que os produtos transgênicos colocados à disposição do consumidor e, portanto, passiveis de rotulagem, tiveram a sua segurança devidamente comprovada em todas as fases dos processos de autorização necessárias. Um aviso exclamativo no rótulo de um produto que circula no mercado não deveria servir de solução para eventual questão relacionada à segurança alimentar. Além disso, o símbolo com o “T” não contribui para assegurar aos consumidores o direito à informação adequada, correta, clara e precisa, conforme determina o Código de Defesa do Consumidor, já que pode, inclusive, induzir à crença de que se tratam de produtos “perigosos”. Essa avaliação está amparada pela pesquisa realizada pelo Instituto Ipsos com uma amostra de mil pessoas em 70 cidades das cinco regiões brasileiras. O levantamento revelou que 69% dos entrevistados não sabiam do que se tratava o triângulo amarelo indicativo de alimento transgênico, 14% associaram o símbolo a um sinal de trânsito e 9% o entenderam como sinal de perigo.

Em terceiro lugar, em virtude da exclusão da indicação da espécie doadora do gene ao transgênico. A justificativa é que pouco ou nada significa para o consumidor médio saber que o sistema de transformação genética aplicado ao transgênico foi mediado por Agrobacterium tumefaciens, Arabidopsis thaliana, Bacillus thuringiensis ou Streptomyces viridochromogenes. Os nomes científicos dessas espécies, todas bastante conhecidas por quem trabalha em pesquisa na área, não contribuem para informar o público leigo, mas podem, sim, deixá-lo ainda mais confuso.

É importante ressaltar que o Projeto de Lei da Câmara 34/2015 aproxima a normativa brasileira da regulação para rotulagem de transgênicos vigente em nível internacional. Além disso, a eliminação do triângulo exclamativo e da indicação da espécie doadora do gene não resulta no fim da rotulagem dos alimentos que contenham ou sejam produzidos a partir de OGM. A informação continuaria disponível aos consumidores nos rótulos, porém de forma clara e objetiva com a expressão “transgênico” ou “contém ingrediente transgênico”.

Por fim, cabe lembrar que a rotulagem de alimentos transgênicos e seus derivados é uma questão que está relacionada com o direito à informação, aspecto que continuaria a ser garantido pela nova normativa. Questões relacionadas à biossegurança desses produtos, para alimentação humana, animal ou para o meio ambiente, são anteriores e já foram devidamente avaliadas pelos especialistas da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). Essas avaliações de segurança seguem padrões internacionais definidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO/ONU), entidades que já manifestaram apoio à biotecnologia agroalimentar.

Bruno Tanus Job e Meira, advogado e Conselheiro do CIB (Conselho de Informações sobre Biotecnologia).

Fonte: Observatório eco