Mexicanos trocam material reciclável por alimentos


 Feira itinerante atrai duas mil pessoas por onde passa.

A Cidade do México encontrou uma alternativa eficiente para incentivar a reciclagem entre a população. As autoridades locais criaram um “Mercado do Escambo”, espaço em que é possível trocar resíduos recicláveis por produtos agrícolas. A feira de troca acontece em formato itinerante e atrai, mensalmente, duas mil pessoas. O sucesso da iniciativa é visível através do tamanho das filas, que permanecem durante toda a atividade.

Em declaração à agência AFP, Lilian Balcazar, funcionária do governo da capital mexicana, explicou que o intuito da proposta é totalmente educacional. “O objetivo do mercado é basicamente que as pessoas aprendam a valorizar seus resíduos e os separe. Não é resolver o problema do lixo da cidade que é muito complicado, pois a demanda é cada vez maior”, declarou.

        

A troca do material por alimentos permite que as pessoas enxerguem que os resíduos recicláveis podem ter valor agregado e ser transformados para o uso posterior. O Mercado do Escambo também ajuda a valorizar o produtor local, já que os alimentos distribuídos são orgânicos e da própria região.

A Cidade do México obriga a população a separar adequadamente seus resíduos desde 2011. A criação de uma lei se tornou necessária pelo fato de a metrópole ser considerada uma das mais poluídas do mundo durante os últimos 20 anos. Além dos trabalhos de conscientização, a cidade investiu no fechamento de um grande lixão. Hoje os resíduos secos são processados e os orgânicos, transformados em fertilizantes.

           

No último ano, o Mercado de Escambo auxiliou na coleta de 170 mil toneladas de resíduos recicláveis, que incluem diversos tipos de resíduos eletrônicos. A troca funciona da seguinte forma: o cidadão entrega seus resíduos recicláveis a um representante do Mercado e ele quantifica o material em moedas de troca, que podem ser usadas para comprar qualquer tipo de alimento disponível no espaço.

 

 Fonte: Ciclo Vivo

Imagem: A boa notícia do dia

 

Laísa Mangelli

Obter, usar, compartilhar


Prática foi eleita uma das dez ideias que vão mudar o mundo

     

A psicóloga Alcione Kolanscki ficou surpresa quando, durante uma das edições belo-horizontinas da Feira Grátis da Gratidão, a qual ela ajuda a organizar, um homem se aproximou seção de brinquedos – que, a princípio, deveria atrair crianças –, pegou uma bonequinha e foi embora, segundo ela, feliz da vida. Dias depois, pelo grupo de Facebook da feira, ela descobriu que o moço reformou a boneca, fez uma nova roupinha e deu de presente para a mãe.

O evento em questão é uma versão da “gratiferia”, proposta idealizada pelo argentino Ariel Rodríguez Bosio em 2011, que de lá pra cá se espalhou e já foi realizada em países como Uruguai, Espanha e França, além de várias partes do Brasil. Seu lema é “traga o que quiser (ou nada) e leve o que quiser (ou nada)” e, dessa forma, acabam aparecendo o que as pessoas imaginam que possa fazer algum bem ao outro – de roupas a abraços, passando por brigadeiros e até massagens – tudo sem o envolvimento de dinheiro. A proposta, que já chegou a reunir cerca de 800 pessoas, é ajudar as pessoas a se livrarem do acúmulo excessivo de coisas e exercitar o desapego, seguindo a linha do chamado consumo colaborativo.

Eleita pela revista “Time” uma das dez ideias que vão mudar o mundo, a prática do consumo colaborativo, bastante difundida na Europa e nos EUA, vem ganhando corpo no Brasil e viabiliza a economia de dinheiro, espaço e tempo, além do surgimento de novas amizades por meio de ações como compartilhamento, escambo, empréstimo, negociação, locação, doação e troca. Segundo Rachel Botsman e Roo Rogers, autores do livro “O Que É Meu É Seu: Como o Consumo Colaborativo Vai Mudar o Nosso Mundo” (Bookman, 2011), em trecho do livro, “estes sistemas fornecem benefícios ambientais significativos ao aumentar a eficiência do uso, ao reduzir o desperdício, ao incentivar o desenvolvimento de produtos melhores e ao absorver o excedente criado pelo excesso de produção e de consumo”. (Leia mais sobre o consumo colaborativo nesta notícia do IS Dom Helder).

Inspirada pela movimentação de troca de figurinhas que já é tradicional na praça República do Líbano, no bairro São Bento, a especialista em educação ambiental e comunicação Maristela Rodrigues também idealizou uma feira que se enquadra na proposta. Chamada de “Projeto Seumeunosso”, propõe trocas de livros de literatura, que acontecem no primeiro e terceiro domingo de cada mês na praça JK, no Sion. “Eu fui procurando apoio de pessoas da vizinhança para viabilizar uma ideia que é muito simples: com uma tenda, mesas e cadeiras, as pessoas vêm, trazem o material que já não usam, levam outros e criam laços umas com as outras”.

Catalisador

Naquele mesmo grupo do Facebook em que Alcione soube o desfecho de uma história que começou na Feira Grátis da Gratidão, o evento é articulado. “A organização é horizontal e nós fazemos enquetes para decidir local, data e horário. Já tivemos edições nas praças Duque de Caxias, Floriano Peixoto e da Liberdade”, diz. O potencial de criação de vínculos que a internet proporciona é algo fundamental para a difusão do consumo colaborativo.

As redes sociais e tecnologias em tempo real contribuem diretamente para a superação de hábitos de hiperconsumo e são o grande trunfo do que acontece agora, se comparado a iniciativas análogas em outros momentos da história, de acordo com a pesquisadora e professora universitária Uiara Gonçalves de Menezes. “Iniciativas como as vendas de garagem norte-americanas ou o próprio movimento hippie já continham essa ideia contrária ao consumo excessivo. Porém, a internet as traz para um ambiente mais dinâmico e é capaz de pulverizar essas práticas, espalhando-as em proporções maiores”.

De várias maneiras

Desde a adolescência, a jornalista Gabriela Garcia, 24, é frequentadora de brechós. Para ela, sempre foi mais atraente a ideia de poder encontrar peças singulares, diferentes e, ainda por cima, com preços mais em conta. Quando se casou, no ano passado, buscou a mobília de sua casa em “topa-tudos” e antiquários. “Me interessava poder comprar barato e reformar. Isso acabou se tornando passeio de sábado com meu marido: sair em busca das peças, depois comprar tinta e outros materiais para ‘brincar de casinha’ e deixar as coisas com a nossa cara. Tudo aprendido com tutoriais da internet e muitos erros antes de acertar”, conta.

Quando veio a gravidez de Cora, hoje com dois meses, e a necessidade de ir para um apartamento maior, começou tudo outra vez, só que agora com enxoval da filha no pacote: comprar coisas novas, só em último caso. Coincidência ou não, um amigo um pouco mais velho, a apresentou a um grupo de compartilhamento de roupas de bebê. “Eles estão naquela idade em que todo mundo começa a ter neném mais ou menos simultaneamente, e como são coisas que perdem o uso muito fácil, decidiram ir passando uns pros outros. Eu recebi uma sacola cheia e a única condição para isso foi que eu passasse pra outra pessoa depois”, explica.

Além disso, Gabriela faz parte de dois grupos virtuais de estímulo ao consumo colaborativo: o “Reciclistas”, de doações e o “Enjoei Desapega”, um tipo de brechó online. “Para mim, acabou virando uma espécie de prazer ir descobrindo coisas pra trocar e doar. A ideia é essa, não ficar com nada parado. Não é uma forma de ganhar dinheiro, porque ninguém cobra demais. E cria uma certa confiança, já peguei indicações de diarista, maquiadora, tudo nesses grupos. E participei de encontros presenciais também. A gente cria laços”.

A troca vai além do material

Situado no coração de Belo Horizonte, o Guajajaras era, até poucos meses atrás, só mais um entre os vários escritórios de advocacia do centro da cidade. Com espaço de sobra, foi repaginado e reformulou sua proposta. “Eu e meu amigo Lucas, que é arquiteto e da família a quem o imóvel pertence, tentamos encontrar uma forma de aproveitar melhor aquele lugar, que fica em um super ponto da cidade, mas estava desperdiçado”, explica o publicitário Daniel Amarilho, membro do que acabou se tornando, mais do que um ambiente de coworking, uma comunidade criativa. “Nós queríamos ir além do simples aluguel de mesas e cadeiras e proporcionar o convívio, a troca de experiências”.

De adesão flexível – as pessoas podem comprar turnos isolados ou em conjunto ou ainda fazer pacotes mais longos – o Guajajaras também recebe eventos de pequeno porte e estão previstos workshops e palestras, a partir do próximo mês. 

Sofá amigo

O servidor público Marcelo Boaventura, 24, conheceu o CouchSurfing em uma viagem ao Rio de Janeiro, em 2008. A ideia de ser anfitrião de viajantes desconhecidos lhe pareceu muito mais extraordinária do que perigosa e, de lá pra cá, já hospedou cerca de 15 pessoas. “Meus pais não moram comigo, mas quando falo sobre o programa, eles ficam meio desconfiados com a ideia de hospedar pessoas que nunca vi na vida. Mesmo explicando que existe uma verificação dos dados e que as pessoas recebem referências positivas ou negativas a partir das interações, a desconfiança não passa, mas há uma diferença ideológica muito grande entre nós, o que torna a compreensão e aceitação mais difíceis”, conta.

Além disso, sua intenção é continuar investindo em iniciativas parecidas. “Eu sou daqueles que vive mais para as experiências do que para os produtos, o consumo em si. O abstrato sempre vale mais a pena do que o materialismo puro. Você se encontrar para trocar livros, por exemplo, é uma ótima ideia. Além de conseguir os livros, você acaba tendo uma conversa com alguém, que pode ser bastante interessante”, afirma.

Mas vai pegar?

Como o consumo em massa, experimentado pelos Estados Unidos no lá pós-Segunda Guerra, só vem sendo realidade no Brasil há cerca de dez anos, o professor da Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG, Eduardo Rios Neto, acredita que pode demorar muito tempo até que isso se torne realmente uma tendência no país. “Precisamos ser materialistas primeiro, antes de partirmos para o pós-materialismo”, frisa.

No entanto, Uiara Gonçalves de Menezes, pesquisadora e professora de administração, aposta em outros motivos para a adesão dos brasileiros. “Entre as razões de proliferação podem estar a reação aos impactos ambientais do consumismo, o poder de influência das relações mediadas pela web ou mesmo pode ser uma forma de boicote a abusos de determinadas marcas”, cita.

Um estudo realizado pela Inventta Consultoria, empresa de gestão da inovação, diagnosticou que o consumo colaborativo vai se consolidar cada vez mais por aqui. O que não dá para mensurar é velocidade com que isso vai acontecer. “Vai depender de incentivos tanto da iniciativa privada, quanto de políticas públicas”, pondera Renato Silva, analista em projetos envolvido com a pesquisa.

Conheça algumas ferramentas:

Facebook: Existem vários grupos de troca e venda de produtos usados no Facebook, jogue na busca: Reciclistas; ESCAMBO BH; Troco ou dôo; fique atento aos grupos relacionados para encontrar outros que te atendam;

Bondsy: Aplicativo (para iOS) criado por um brasileiro que, ao se mudar para Nova York, resolveu levar o mínimo de coisas. A ferramenta permite trocar tudo por tudo (inclusive dinheiro, ou um jantar), mas só entre pessoas previamente conectadas;

Enjoei: Criado em 2010, o site enjoei.com.br tem curadoria, ou seja, os itens passam por uma seleção antes de serem disponibilizados para compra. Além disso, existe uma seção só de atendimento ao cliente e uma equipe encarregada de produzir os textos bem humorados para cada produto;

Trânsito: Os serviços de compartilhamento de carros são cada vez mais populares no mundo. Em terras brasileiras, ainda estão restritos a São Paulo e funcionam da seguinte forma: os carros ficam espalhados por vários pontos da cidade (principal diferença entre as locadoras tradicionais) e os usuários podem usá-los por pequenos períodos (a partir de 1h)

 

Fonte: O Tempo – Pampulha

O que é meu é seu, pode ser?


             

Você emprestaria o carro para o seu vizinho por uma ou duas horas? Ou trocaria aquele velho e querido aparelho de som por um celular ou uma coleção de livros? Pois saiba que, ultimamente, essa simpática prática – bastante antiga também, o escambo – tem se tornado o negócio do futuro e já é mais usual do que se imagina. Tem até nome: consumo colaborativo.

Nos Estados Unidos, terra do consumo exagerado, não se fala de outra coisa e é uma tendência que movimenta muitas pessoas e empresas. Roo Rogers, um eco-empresário novaiorquino e co-autor do livro What´s mine is yours – The rise of collaborative consumption (“O que é meu é seu – A ascensão do consumo colaborativo”, em português) diz que trata-se de um sistema de troca, compartilhamento e doação, mas em grande escala. É um contraponto, um antídoto para o que ele chama em seu livro de “hiperconsumo”, ou o consumo doentio de nossos dias.

Para impulsionar essa nova rede de negócios recursos modernos como a internet são grandes aliados. Há vários sites de comunidades de troca e compartilhamento de qualquer coisa como o Freecycle, ou o Paper Back Swap, para troca de livros, ou até mesmo de aluguel e empréstimo de automóveis a preços baratíssimos e especificamente para o horário que se quiser usá-lo, como o Zipcar. Temos um similar no Brasil, o Zazcar.

A ideia é ainda mais abrangente. Vale também para prestação de serviços. Exemplo: um jardineiro pode oferecer-se para cuidar do jardim de um médico em troca de uma consulta. Para organizar essas demandas foi criado em Nova Iorque o Time Bank, ou “banco de tempo”. Você abre uma conta e administra seus créditos e débitos de tempo disponível para pequenas tarefas.

Recentemente, a ideia do banco de tempo também chegou no Brasil com o Timerepublik. Trata-se de um portal onde pessoas cadastradas do mundo inteiro podem permutar serviços sem ter que gastar um tostão sequer. Assim, se você é um veterinário, pode oferecer algumas horas para tratar do pet de alguém da vizinhança em troca do trabalho de um contador que faça a sua declaração de imposto de renda.

O primeiro banco de tempo exclusivamente brasileiro foi criado no final de 2012 e chama-se Winwe. Um ano antes, o Descolaí já estava no ar para promover troca de bens como livros, DVDs, CDs, games e eletrodomésticos. Bom sinal de que essa é realmente uma tendência que veio para ficar.

 É um retorno às saudáveis práticas comunitárias, mas com o olhar para um futuro mais humano, menos predadorRealiza-se uma volta ao passado, onde as pessoas de uma comunidade se ajudavam mutuamente com a prática do escambo de bens e serviços. Só que com uma boa pitada de modernidade. Além de fazer uso das redes sociais, qualquer iniciativa que iniba o consumo compulsivo será muito bem-vinda neste século em que enfrentamos a escassez de recursos naturais e as mudanças climáticas. Sem contar que essa nova comunidade que partilha seu tempo, talento e especialidades agora assume dimensões globais.

Imagem – Detalhe da capa do livro What´s mine is yours – The rise of collaborative consumption.

Fonte: Planeta Sustentável