“Na Amazônia, o que ocorreu e continua ocorrendo é um processo de colonização”


Entrevista especial com Viviane Vidal da Silva

“Os responsáveis pelos lotes são originários de vários estados do Brasil. No entanto, foi do estado do Paraná que a maior parte dessas pessoas veio, fazendo da região Sul do país a de maior migração para o assentamento [de Matupi]”, afirma a pesquisadora.

Foto: essetalmeioambiente.com

“É preciso entender o papel da política agrária que acontece no nosso país, pois na Amazônia o que ocorreu e continua ocorrendo é um processo de colonização, por meio de uma reforma agrária conservadora e como forma de desviar a reforma agrária do centro-sul do país, onde realmente existe demanda por esta questão”, afirma a bióloga Viviane Vidal da Silva. Ela obteve doutorado em Ciências Biológicas, área de concentração em Ecologia Aplicada, com pesquisa sobre o impacto das atividades produtivas do assentamento agrário de Matupi, estado do Amazonas, na paisagem natural daquela região. De acordo com a pesquisa realizada pela bióloga, o assentamento é o principal responsável pelo desmatamento, já que os lotes não observariam os limites impostos pela legislação no que se refere às áreas de preservação florestal em função da substituição da atividade agrícola pela pecuária.

Em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, Viviane Vidal da Silva aponta uma série de fatores como contribuintes para esta situação, entre eles a localização do assentamento em uma área de expansão da fronteira agrícola, a rotatividade na ocupação dos lotes, as deficiências em recursos humanos e materiais do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA para fiscalizar o cumprimento da legislação, a própria falta de infraestrutura no assentamento, a inexistência de estradas para o escoamento da produção dos agricultores e a ausência de assistência técnica para o pequeno produtor.

“Como a pecuária é uma atividade que demanda muitas áreas, a cada período novas áreas de florestas estão dando lugar às pastagens. Tal situação se torna ainda mais crítica por esta atividade ser baseada em um regime extensivo de produção, sem que haja recuperação dos solos, com a desvalorização dos produtos da floresta e sem a adequada assistência técnica. Além disso, existe o baixo preço das terras no estado do Amazonas e a especulação imobiliária, o que acaba atraindo mais pessoas para esta região”, enfatiza a pesquisadora. “Isso leva a uma exploração intensiva dos recursos naturais, desmatamento, empobrecimento da população local e esvaziamento do campo, e com isso não é atingido o objetivo da reforma agrária de promover a justiça social e o desenvolvimento equilibrado com qualidade ambiental da região”, complementa.

Viviane Vidal da Silva é graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO, possui mestrado em Ciência Ambiental pela Universidade Federal Fluminense – UFF e obteve doutorado em Ciências Biológicas pela Universidade de São Paulo – USP. Atualmente, é professora da Universidade Federal do Amazonas, no Instituto de Educação, Agricultura e Ambiente, desenvolvendo as atividades docentes no município de Humaitá.

Viviane Vidal da Silva. Foto: arquivo pessoal

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Quais são as principais atividades produtivas na região em que está inserido o distrito de Matupi, no Amazonas?

Viviane Vidal da Silva – O distrito de Santo Antonio do Matupi pertence ao município de Manicoré, sub-região do Vale do Rio Madeira, no sul do estado do Amazonas. Dessa forma está inserido numa área de expansão da fronteira agrícola do estado, onde se verificam diversos processos relativos ao uso da terra, conflitos fundiários e migrações internas. A principal atividade produtiva, tanto na vila do distrito de Santo Antonio do Matupi quanto no projeto de assentamento Matupi, onde desenvolvi minha pesquisa de doutorado, é a pecuária. Esta atividade tem gerado demanda por mais terras para formação de pastagens, haja vista o aumento do número de rebanhos bovinos no Amazonas e em especial no município de Manicoré, que ocupa o quarto lugar em número de cabeças de gado no estado, segundo o Censo Agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2006. Além disso, também existe a extração de madeira.

IHU On-Line – Estas atividades impactam o meio ambiente de que forma?

Viviane Vidal da Silva – Como já é conhecido, existem diversas formas de impacto da pecuária no meio ambiente, como a compactação do solo, a perda da biodiversidade e a redução de áreas de florestas para a formação de pastagens. Na minha pesquisa de doutorado, verifiquei apenas o impacto da pecuária na redução das áreas de florestas dentro de cada lote do projeto de assentamento Matupi, que foi a minha área de estudo. Como a pecuária é uma atividade que demanda muitas áreas, a cada período novas áreas de florestas estão dando lugar às pastagens.

Tal situação se torna ainda mais crítica por esta atividade ser baseada em um regime extensivo de produção, sem que haja recuperação dos solos, com a desvalorização dos produtos da floresta e sem a adequada assistência técnica. Além disso, existe o baixo preço das terras no estado do Amazonas e a especulação imobiliária, o que acaba atraindo mais pessoas para esta região.

IHU On-Line – Sabe-se que a maior parte dos primeiros beneficiados com os lotes do assentamento vendeu informalmente a terra. Qual a origem dos migrantes que compraram estes lotes e quais são as atividades a que se dedicam hoje?

Viviane Vidal da Silva – Os responsáveis [atuais] pelos lotes são originários de vários estados do Brasil. No entanto, foi do estado do Paraná que a maior parte dessas pessoas veio, fazendo da região Sul do país a de maior migração para o assentamento, já que também há beneficiários dos estados de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul.

Apesar da maioria dos assentados ser oriunda do estado do Paraná, 95% destes já se encontravam na região Amazônica, principalmente no estado de Rondônia. Eles chegaram ao assentamento por meio da Rodovia Transamazônica – BR 230, à procura de mais terra. Ainda hoje se verifica esta migração, com colonos atraídos, principalmente, pelo baixo preço das terras no estado do Amazonas. Com a sobra do capital, é possível investir na formação de pastagens e rebanho, sem a necessidade de se valer do crédito rural, uma vez que algumas famílias não possuem as características necessárias à obtenção do crédito.

Assim, esses migrantes dedicam-se à atividade da pecuária extensiva, com forma de produção baseada em um modelo importado de outra região do país, onde não existe extração de produtos florestais, tradicionais na região Norte, o que acaba comprometendo a sustentabilidade dos recursos naturais no assentamento. O preparo da terra para a produção ainda é feito na forma de queima, derrubada e roçada, que acaba por esgotar o solo e, assim, é preciso a abertura de novas áreas para pastagens. A localização do projeto de assentamento Matupi em uma área de fronteira agrícola, onde existe mercado para este tipo de produção, só vem contribuir para o aumento desta atividade e, consequentemente, para uma degradação ambiental. Cabe destacar que os beneficiários do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, assentados na época de implantação do assentamento, em 1995, receberam créditos rurais para produções como café e cupuaçu, mas, pela falta de infraestrutura e de acesso a mercados consumidores, estas produções se tornaram inviáveis.

IHU On-Line – Diante deste cenário, quais são os impactos das atividades produtivas sobre a paisagem de Matupi, conforme os termos da sua pesquisa de doutorado?

Viviane Vidal da Silva – Eu fiz uma análise espacial, usando dados digitais provenientes do banco de dados do [Programa de Cálculo do Desflorestamento da Amazônia -] PRODES/INPE, no período de 2000/2010, e verifiquei que o uso da terra nos lotes de todo o assentamento tem aumentado, com a conversão de áreas de floresta em uso da terra, principalmente, para a formação de pastagens. E isso acontece até nos lotes da vicinal Santa Luzia, que oficialmente nunca recebeu beneficiários do INCRA. Isso leva a uma exploração intensiva dos recursos naturais, desmatamento, empobrecimento da população local e esvaziamento do campo, e com isso não é atingido o objetivo da reforma agrária de promover a justiça social e o desenvolvimento equilibrado com qualidade ambiental da região.

IHU On-Line – Comente, por favor, a conclusão da pesquisa de que o assentamento é o principal responsável pelo desmatamento na região.

 

“Os pequenos produtores têm uma importante contribuição para o desmatamento da região”

 
     

Viviane Vidal da Silva – As análises dos dados digitais para o período de 2000/2010 mostram que, na maior parte dos lotes, se utiliza mais que o permitido pelo Código Florestal para o bioma amazônico. Dessa forma os pequenos produtores têm uma importante contribuição para o desmatamento da região. No entanto, a integração desses dados espaciais com dados primários das entrevistas que realizei mostra que os fatores sociais e econômicos e as instituições contribuem para esta situação. Por exemplo, a própria localização do assentamento numa área de fronteira, a rotatividade nos lotes, sem que haja tempo para que o INCRA possa resolver esta situação — neste órgão há poucos funcionários para atender uma grande demanda —, a falta de infraestrutura no assentamento, a falta de estradas para o escoamento da produção e a falta de assistência técnica para o pequeno produtor, todos esses fatores contribuem para esta situação. Muitas das pessoas que estão exercendo atividade produtiva nos lotes não são beneficiárias do INCRA. Elas já chegaram à região com capital para a compra de lotes, mesmo que informalmente, e com o seu próprio gado.

IHU On-Line – Em que locais a floresta permanece preservada?

Viviane Vidal da Silva – Em muitos lotes é possível verificar, pelos dados digitais espaciais, que não existem mais áreas de florestas, porque, além da pecuária, existe também a extração de madeira. Mas, nas áreas onde o acesso ainda é difícil, as florestas estão preservadas.

IHU On-Line – Gostaria de acrescentar algo?

Viviane Vidal da Silva – Gostaria de acrescentar que, embora os assentamentos rurais contribuam para o desmatamento na região amazônica, é preciso que se analise esta questão a partir de uma abordagem que integre os diferentes fatores envolvidos neste processo e que esta análise seja em uma escala local. A Amazônia possui uma grande dimensão geográfica e diferentes processos de ocupação e desenvolvimento que resultam em um contexto diferenciado de problemas sociais, econômicos e ecológicos. Entendendo a integração desses fatores é possível compreender a real contribuição dos assentamentos, para que políticas públicas mais aplicadas possam reverter este quadro. Além disso, é preciso também entender o papel da política agrária que acontece no nosso país, pois na Amazônia o que ocorreu e continua ocorrendo é um processo de colonização, por meio de uma reforma agrária conservadora e como forma de desviar a reforma agrária do centro-sul do país, onde realmente existe demanda por esta questão.

(Por Luciano Gallas)

Fonte: IHU – Unisinos

Gelo feito a partir de energia solar


Gelo feito a partir de energia solar leva desenvolvimento à comunidade no Amazonas

Em uma região longínqua do Amazonas residem oito famílias que são intimamente dependentes da pesca e da plantação de frutos para a sobrevivência e para a renda. Essas famílias vivem na Vila Nova do Amanã, uma região do município de Maraã. Por ser uma região de acesso difícil, somente é possível chegar até lá pelo acesso fluvial, a tecnologia demora a trazer recursos de desenvolvimento às famílias.

Agora a comunidade recebeu três máquinas de gelo que funcionam com energia solar e são capazes de produzir até 90 Kg do produto por dia. Otacílio Soares Brito, do setor de tecnologias sociais do Instituto Mamirauá, responsável pela implantação do projeto Gelo Solar na região, afirmou à Agência Brasil que as máquinas serão importantes para a conservação de polpas de frutas e pescado e trarão, com isso, desenvolvimento à região.

Uso e manutenção das máquinas

Brito explica que a manutenção das máquinas é muito simples sendo necessária apenas uma limpeza com pano nos módulos uma vez por mês. Outro beneficio delas é o fato de que a produção de energia elétrica para a transformação do gelo vem de equipamentos solares; evita-se o uso de baterias que poluem o meio ambiente e têm vida útil curta. As máquinas podem durar até 25 anos com manutenção simples.

“A população está sendo capacitada para a gestão comunitária da tecnologia. A ideia é que a gente acompanhe e ajude a pensar a melhor forma de gestão dessa tecnologia.”, acrescenta Brito. Um dos objetivos do projeto é que as fábricas de gelo ajudem a aumentar a renda das famílias, já que a quantidade de produção do gelo é excedente e pode ser vendida nas regiões vizinhas, além do próprio sistema deconservação de alimentospermitir que eles tenham uma durabilidade maior e possam ser vendidos em prazos maiores para o consumo.

Cada máquina de gelo custa cerca de R$ 25 mil. A tecnologia é de responsabilidade de pesquisadores da Universidade de São Paulo em parceria com o Instituto Mamirauá, ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. O projeto foi premiado no fim do ano passado pelo Desafio de Impacto Social da empresa Google no Brasil.

O prêmio foi utilizado para a implantação das máquinas na vila e, hoje, o Instituto monitora a eficiência do equipamento e sua viabilidade para que seja levado também a outras comunidades. A máquina vem como um respiro de cidadania e insere essas populações em um universo mais confortável e rentável.

Fonte: Pensamento Verde

Mar Potável


Além da água existente na superfície da Amazônia, o subsolo esconde o maior manancial de água potável do mundo, como o aquífero Alter do Chão, que poderia abastecer a humanidade por 400 anos.

 

            

Na confluência dos rios Amazonas e Tapajós, o município de Alter do Chão, a 35 quilômetros de Santarém, no Pará, guarda a praia de água doce mais bonita do Brasil e o maior aquífero de água potável do mundo. Descoberto em 1958 e mensurado em 2010, só agora os geólogos começam a mapear a riqueza do subsolo amazônico.

Na cidade apelidada de “Caribe Amazônico”, turistas colocam os pés para o alto nas mesas espalhadas pelas areias brancas da Ilha do Amor, que surge na vazante, quando o volume de água do rio diminui, entre janeiro e agosto. Barracas cobertas de sapê oferecem delícias da culinária amazônica, como o tucunaré na manteiga e o suco de açaí. Barquinhos de madeira passeiam pelo único afluente do Amazonas com águas esverdeadas e cristalinas. As praias do Tapajós maravilham os olhos. Quem vê a paisagem nem imagina que sob os pés corra o maior manancial de águas subterrâneas do mundo, o Aquífero Alter do Chão.

                                    

Aquíferos são formações geológicas que armazenam ou liberam água subterrânea, como uma esponja cheia que, ao ser movimentada ou pressionada, solta o elemento. Com toda a chuva que cai na Amazônia, era previsível que o subsolo guardasse mais água. Até 2010, considerava-se o maior aquífero do mundo o Guarani, que se estende por baixo de 1,2 milhão de quilômetros quadrados do Brasil, Paraguai, Argentina e Uruguai, com 45 mil quilômetros cúbicos de água. Cerca de 70% das águas estão no Brasil e se espalham pelo subsolo de oito Estados. Já o Alter do Chão ocupa três Estados – Amazonas, Pará e Amapá –, é menor em extensão, mas possui uma reserva de água potável de 86 mil quilômetros cúbicos, o suficiente para abastecer a população mundial por pelo menos 400 anos.

O tamanho do Alter do Chão era subestimado até pesquisadores da Universidade Federal do Pará (UFPA) anunciarem, em 2010, que ele continha o maior volume de água potável do mundo. Os geólogos Milton Matta e Francisco de Abreu, o engenheiro André Montenegro Duarte, o economista Mário Ramos Ribeiro e o geólogo Itabaraci Cavalcante, esse da Universidade Federal do Ceará (UFC), foram os responsáveis pela análise preliminar do sistema. “Desde a década de 1960, as pessoas estudam o aquífero, mas, quando começamos a pesquisar a fundo, em 2007, descobrimos uma reserva incrivelmente grande”, diz Milton Matta.

Em 2011, a Agência Nacional de Águas (Ana) iniciou estudos nas bacias sedimentares da Província Hidrogeológica do Amazonas. Ao custo de R$ 4,4 milhões, a pesquisa será finalizada em 2014. Dados recentes apontam que o Aquífero Alter do Chão pode fazer parte de um sistema ainda maior. “A pesquisa feita pela UFPA não é equivocada, mas estamos descobrindo que o Aquífero Alter do Chão pode integrar o que chamamos de Sistema Aquífero Amazonas, que engloba também os aquíferos Içá e Solimões”, afirma Fabrício Cardoso, hidrólogo da gerência de águas subterrâneas da Ana. “Embora as informações ainda sejam insuficientes, tudo indica que o Aquífero Amazonas é muito maior do que o Alter do Chão em termos de volume de água e extensão territorial.”

A descoberta da UFPA foi divulgada para informar a sociedade e levantar financiamento para os estudos, mas até agora a verba não veio. Enquanto o Aquífero Guarani, descoberto na década de 1950, já recebeu financiamento de US$ 26,7 milhões do Fundo para o Meio Ambiente Mundial e de outras entidades, nos últimos cinco anos o Aquífero Alter do Chão ficou relegado ao esforço dos pesquisadores. “Parte dos estudos foi subsidiada com recursos de outros projetos que desenvolvemos sem ajuda financeira de patrocinadores. Já o conhecimento prévio que aproveitamos provém dos poços de perfuração para óleo e gás feitos pela Petrobras”, explica Matta.

Abundância excessiva

Apesar de 70% da Terra ser coberta de água, apenas 2,5% constituem-se de água doce, dos quais 99% correspondem a águas subterrâneas e só 1%, ao volume de água doce de rios e lagos. O Brasil tem 18% da água doce do planeta. Para Matta, paradoxalmente a Amazônia “acaba pagando um preço alto por ter muita água”. Com 7% da população, a região detém 70% do recurso. Já no Sudeste, 42% da população dispõe de apenas 6% da água. “Os financiamentos vão para as áreas com menos água. Por termos abundância de recursos hídricos, não somos prioridade de investimento em estudos. Contudo, cuidar das águas da Amazônia é estratégico para a população mundial e principalmente para o Brasil. Enquanto no Nordeste estão sofrendo por falta d’água, estamos sentados no maior manancial do planeta”, diz Matta.

Para Marco Antônio Oliveira, superintendente do Serviço Geológico do Brasil, do Ministério de Minas e Energia, a questão é cultural. “A Lei Nacional de Recursos Hídricos é voltada para o gerenciamento da escassez, o que atrapalha a gestão da água na Amazônia. Ainda não conseguimos avaliar o valor estratégico dessa água toda para o Brasil e o planeta”, diz.

Uma primeira diferença é que, enquanto o Aquífero Guarani está sob a rocha, o de Alter tem terreno arenoso, que funciona como um filtro e garante a potabilidade da água, além de facilitar a penetração da chuva e a perfuração de poços. Se há mais extração do que a capacidade do sistema de repor água, a reserva diminui e torna-se necessário buscar o recurso cada vez mais fundo. A espessura média do Aquífero Alter do Chão é de 575 metros.

Amazonas e Pará

Sob Manaus, o aquífero responde pelo abastecimento de 30% da água da cidade, enquanto 70% vêm do Rio Negro. A concessionária que capta água do rio para abastecer a população não chega à periferia da cidade. Sem opção, os moradores furam artesanalmente poços particulares e rasos, de 40 a 60 metros de profundidade. Outros, mais profundos, são feitos pela própria concessionária. “Esses poços representam risco, pois bombeiam 24 horas por dia, não dando tempo de recuperação de água subterrânea”, ressalta Oliveira.

A captação de água vem causando rebaixamento do nível do aquífero. “Um poço que precisava de 100 metros para captar uma determinada vazão precisa hoje alcançar 140 metros de profundidade para conseguir essa mesma quantidade de água”, diz Daniel Nava, secretário de Mineração, Geodiversidade e Recursos Hídricos do Estado do Amazonas.

No entorno de Manaus, a proliferação de poços está comprometendo a qualidade da água, pois o volume de esgoto in natura nos igarapés da região ainda é alto, o que acaba contaminando a água do aquífero. Segundo Oliveira, nos poços mais rasos nos arredores de Manaus, a poluição já é nítida. Apesar de estar no subsolo, a água dos aquíferos pode ser contaminada caso em suas proximidades sejam construídos lixões, fossas, cemitérios ou grandes lavouras.

No Pará, Alter do Chão, com apenas dois mil habitantes, vê a paisagem mudar com a chegada da estação chuvosa. As faixas de areia diminuem e a água escurece, até que, em maio, no auge da estação chuvosa, só se vê o teto de sapê das barracas. É a hora de se desvendar outra Alter do Chão, com cenários oníricos como a Floresta Encantada, uma mata de igapó pela qual ziguezagueiase de canoa por entre as copas das árvores duplicadas pelo espelho d’água. Ao entardecer, a dica é atravessar o Tapajós em busca do melhor ângulo para apreciar o famoso pôr do sol local. Com sorte, a experiência pode ser coroada pela visão dos botos nadando sincronizadamernte.

Em setembro, a noite segue no ritmo da Festa do Sairé, que mistura elementos religiosos e profanos e lota as pousadas da vila. A festa, realizada desde o século 18, é marcada por procissões e manifestações folclóricas ritmadas pelo carimbó. Durante os desfiles dos blocos, as duas agremiações culturais, Boto Tucuxi e Boto Cor de Rosa, apresentam um espetáculo de cores, ritmos e beleza ao público. Considerada pelo jornal inglês The Guardian como a melhor praia do Brasil, Alter do Chão possui uma infraestrutura turística que melhorou recentemente, e hoje a vila conta com boas pousadas e hotéis, postos de saúde, restaurantes, agências de turismo, poucas lojas e muitas barracas com artesanato.

Como proteger?

Milton Matta é um advogado da valoração econômica da água. “Ela é o bem natural e mineral mais precioso para a sobrevivência da humanidade”, diz. Os recursos hídricos são cruciais para manter o equilíbrio da floresta e o clima do mundo, para abastecer a agricultura (que responde por 70% do consumo de toda a água mundial) e a indústria (20%).

Até agora, não existe um modelo de uso para proteger o Aquífero Alter do Chão. Para tanto, é preciso aprofundar os estudos e produzir informações destinadas a alimentar o Método de Valoração Contingente, aplicado nos Estados Unidos e na União Européia. Recomendado pela comunidade científica para precificar o valor de recursos naturais, tais como aquíferos, o conceito consta da Declaração do Milênio, aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 2000.

Para implementar uma política para as águas da Amazônia, a valoração é imprescindível. O engenheiro André Montenegro, da UFPA, ressalta que “o que se paga pela água hoje é basicamente o custo de captação, tratamento e distribuição, um valor ridículo e tecnicamente errado”. O certo, segundo o economista Mário Ramos Ribeiro, seria “valorar o uso direto, o uso indireto e o ‘valor de existência’, e somá-los. Este último, o valor de existência, exige uma metodologia mais complexa, pois as águas são bens públicos para os quais não há mercados e, consequentemente, não há preços monetários”.

Os pesquisadores paraenses propõem a adoção de um valor de “não uso”. Assim, o recurso ganhar valor e importância pelo fato de ser mantido na natureza.

As águas da Amazônia mantêm o equilíbrio ecossistêmico da floresta tropical úmida e controlam a geração de chuvas para toda a agricultura do país, regulando o equilíbrio climático. “Dessa forma, é preciso entender que águas circulando e a floresta em pé têm uma importância significativa para a economia do país. Não é descabida a ideia de se estabelecerem mecanismos de compensação financeira que, como as águas, funcionem como meios de transferência também de renda entre as regiões brasileiras”, defende Matta.

Em 1995, o então vice-presidente do Banco Mundial, Ismail Serageldin, afirmou que “as guerras no próximo século acontecerão por causa da água”. O próximo século já chegou e, segundo a ONU, 1,6 bilhão de pessoas vivem em regiões com escassez de água. Até 2025, dois terços da população mundial podem ser afetados pelas condições do recurso. Em 2012, 80% das doenças em países em desenvolvimento foram causadas por água não potável e saneamento precário, incluindo instalações de saneamento inadequadas.

Diante da privilegiada situação do Brasil e do rarefeito panorama mundial da água, é urgente desenvolver mais pesquisas sobre o maior manancial de água potável do mundo. Para isso, é necessário investir no mapeamento dos aquíferos, fazer o levantamento dos recursos hídricos e estabelecer uma política de utilização e exploração sustentável.

Fonte:  Revista Planeta

Laísa Mangelli