Bolsonaro irá atuar ao lado de garimpeiros ilegais para proteger maquinário do Ibama


O presidente Bolsonaro (PSL) já havia prometido impedir a queima e destruição de máquinas encontradas nas fiscalizações (Ibama)

O presidente Jair Bolsonaro prometeu a garimpeiros que irá atuar para impedir a queima de maquinário ilegal apreendido em ações de fiscalização. “A gente acerta isso aí. Já dei a dica para vocês. Se entrou (a máquina), sai”, disse o presidente, em frente ao Palácio da Alvorada, nesta terça-feira (5).

Bolsonaro ainda questionou o grupo: “Quem é o cara do Ibama que está fazendo isso no Estado lá?”. Os garimpeiros responderam que um delegado federal de Redenção, no Pará, seria o responsável. “Se me derem as informações, tenho como…”, disse Bolsonaro, sem completar a frase.

O presidente afirmou que voltaria a tratar sobre o garimpo com seus ministros nesta terça (5). “Hoje vou conversar de novo (sobre a queima de maquinário). Se a máquina chegou lá, ela sai” disse. Bolsonaro pediu para ser avisado sobre o horário em que os garimpeiros teriam reunião no Palácio do Planalto para que pudesse participar. O grupo seria recebido pelo ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, durante a tarde.

Em frente à residência oficial do presidente, os garimpeiros cobraram Bolsonaro sobre a atuação do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. “Não precisamos de um ativista no Meio Ambiente, precisamos de um ministro. Essa é a situação”, disse o presidente da Federação Brasileira da Mineração (Febram), Gilson Fernandes.

O presidente da Febram mencionou a Bolsonaro que Salles exonerou em setembro, o superintendente regional do Ibama no Pará, o coronel da Polícia Militar Evandro Cunha dos Santos, que havia criticado a destruição de maquinários apreendidos. “Só porque ele falou numa reunião, repetiu o que o senhor falou, que não permitiria mais tocar fogo, simplesmente foi exonerado”, disse Fernandes.

Legislação

Bolsonaro disse aos garimpeiros que a legislação sobre o setor foi feita “para complicar a vida de vocês, para ajudar as grandes mineradoras”. Segundo o presidente, há conversa com o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, para retirar da Agência Nacional de Mineração (ANM) o poder de definir permissões de lavras de garimpo. “Passaram para a agência a atribuições de lavra de terra. Temos de tirar da agência”, disse Bolsonaro.

“Minha preocupação está sendo esse negócio de orçamento. Pegaram a legislação que trata da lavra de garimpeiro e jogaram para a agência de mineração. Mas dá para voltar ao ministério. Conversei com ministro Bento hoje. Voltar, para nós decidirmos. Se deixar do lado de lá, a gente não sabe, complica”, declarou o presidente.

Promessa antiga

O presidente Bolsonaro PSL já havia prometido impedir a queima e destruição de máquinas encontradas nas fiscalizações. Em abril, o presidente afirmou, em vídeo divulgado na internet, que tinha determinado a proibição de queima de veículos usados na exploração ilegal de madeira. Em viagem a Macapá, ele atendeu a um pedido do senador Marcos Rogério (DEM-RO) para desautorizar o trabalho de fiscais que destruíram caminhões e tratores apreendidos em operação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

Agência Estado

‘O pior ainda está por vir’, afirma Bolsonaro sobre vazamento de petróleo


De acordo com o presidente é possível esperar ‘uma catástrofe muito maior que está por ocorrer por causa deste vazamento’ (Agência Estado)

O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, afirmou que o “pior ainda está por vir” a respeito do vazamento de petróleo que em mais de três meses afetou 200 praias do litoral do Nordeste.

“O que chegou até agora e o que foi recolhido é uma pequena quantidade do que foi derramado. Então o pior ainda está por vir, não sei se na costa do Brasil, se bem que as correntes, tudo indica, que foram para a costa do Brasil. E como é um petróleo com uma densidade pouco superior à água salgada não vem por cima, vem por baixo, pode ter passado pelo Brasil e retornado para a costa africana”, disse Bolsonaro em uma breve entrevista ao canal Record.

As manchas de petróleo começaram a aparecer na Paraíba há mais de três meses e desde então foram observadas nos mais de 2 mil quilômetros que compõem o litoral nordeste, incluindo o arquipélago de Abrolhos.

As autoridades anunciaram na sexta-feira que o principal suspeito pelo vazamento é um cargueiro de bandeira grega que se abasteceu no porto de José, na Venezuela.

Bolsonaro insistiu que “todos os indícios levam para este cargueiro grego” e acrescentou que parece ter sido um “vazamento criminoso”.

De acordo com o presidente é possível esperar “uma catástrofe muito maior que está por ocorrer por causa deste vazamento”.

Na área política, Bolsonaro disse que está inclinado a deixar o Partido Social Liberal (PSL), pelo qual foi eleito presidente há um ano e com o qual protagoniza uma disputa interna há algumas semanas.

“Acho muito difícil assumir o comando do partido (PSL), meu sonho é criar um partido”, disse. O objetivo, afirmou o presidente, é ter o novo partido para participar nas eleições municipais de 2020.

Também disse que “puxou a orelha” de Eduardo Bolsonaro, um de seus três filhos envolvidos na política, que provocou espanto na quinta-feira ao dizer que “se a esquerda se radicalizar” a resposta poderia ser um novo Ato Institucional número 5 (AI-5), usado pelo regime militar em 1968 para fechar o congresso e suspender as garantias constitucionais.

“Meus filhos não me atrapalham. Muito pelo contrário, eles têm me ajudado muito a identificar pessoas que não estão na nossa linha”, disse.

Bolsonaro também respondeu a questões sobre a investigação a respeito dos assassinatos da vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes.

O presidente negou qualquer obstrução à Justiça e insistiu que é vítima de um complô para atingir sua imagem. Ele voltou a atacar a TV Globo e o governador do Rio, Wilson Witzel.

AFP

Liberação de pesticidas preocupa apicultores gaúchos


A liberação de novos pesticidas é defendida pelo governo como forma de aumentar a produtividade da agricultura do país. (Pixabay)

Com 35 anos de vivência como criador de abelhas, Salvador Gonçalves da Silva teme que seu trabalho como produtor de mel no Rio Grande do Sul chegará ao fim em breve se o uso de pesticidas nas plantações próximas continuar no ritmo atual.

Ele está entre um grupo de apicultores do Estado que perdeu pelo menos 360 milhões de abelhas entre o fim do ano passado e o começo deste ano devido ao uso de agrotóxicos, segundo análise da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

“É bastante preocupante, porque com essa quantidade de agrotóxicos que o governo federal libera lá em cima, tem liberado nos últimos tempos, isso vem preocupando, porque vai para um ponto assim que nós não vamos ter mais (abelhas)”, disse o apicultor.

“Se continuar nesse ritmo, que a gente espera que não, que não morra tanta abelha, que não venham a morrer mais abelhas, e que a gente consiga produzir (o mel)?”, acrescentou.

Desde janeiro de 2019, o governo do presidente Jair Bolsonaro aprovou 410 novos agrotóxicos, elevando para 2.476 o total comercializado no país, de acordo com levantamento feito pela Agência Pública e o Repórter Brasil com base em dados publicados pelo governo no Diário Oficial da União.

Os números são divulgados no Twitter na conta “Robotox”, criada para informar sobre “todos os novos produtos agrotóxicos que forem liberados no mercado brasileiro”, segundo a descrição do perfil.

A liberação de novos pesticidas é defendida pelo governo como forma de aumentar a produtividade da agricultura do país, que é um grande exportador commodities agrícolas.

Em agosto, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, disse, em resposta a críticas de ambientalistas, que a recente aceleração pelo governo de aprovações de pesticidas não é prejudicial para a segurança alimentar e nem para o meio ambiente. Segundo a ministra, as aprovações mais rápidas dos defensivos agrícolas significam mais tecnologia à disposição do campo.

O próprio presidente Jair Bolsonaro afirmou que os novos pesticidas aprovados pelo governo serão utilizados para substituir produtos antigos, uma forma de a agricultura do Brasil manter a sua competitividade.

“Se nós estivéssemos envenenando nossos produtos, o mundo não os compraria. É simples. Nós somos um país que menos usa agrotóxico na agricultura. Por que novos agrotóxicos? Para substituir os anteriores… Usa-se menos, inclusive”, disse Bolsonaro. Ele ressaltou que não é possível fazer a agricultura em larga escala sem o uso de fungicidas, inseticidas e herbicidas.

As abelhas, no entanto, têm sentido fortemente o impacto.

“O grande vilão da história das mortandades agudas (de abelhas) é o Fipronil. Os neonicotinóides têm uma parte também, mas a mortandade aguda foi do Fipronil”, disse Aroni Sattler, professor de Agronomia da UFRGS, citando um inseticida de amplo uso. “E não é só no Rio Grande do Sul, é praticamente em todo o Brasil.”

Segundo Sattler, somente no Estado foram perdidas 6.000 colmeias devido aos pesticidas, o que representa um total de 360 milhões de abelhas, mas o número real deve ser ainda maior, tanto nas colmeias de produtores como na própria natureza.

Muitos casos não são denunciados porque os apicultores dependem de locais arrendados por produtores rurais, afirmou.

“Esse número pode ser multiplicado por dois e talvez três. Assim mesmo, não temos como avaliar as perdas de colônias em abrigos naturais e nem de abelhas nativas”, disse o professor.

Sérgio Queiroz / Reuters

Mesmo não sendo sede, Brasil terá papel importante em debate climático da COP25


Bolsonaro disse durante a campanha no ano passado que o país desistiria do Acordo de Paris, mas depois voltou atrás. (Valter Campanato/Agência Brasil)

BRASÍLIA – O Brasil pode ter desistido de sediar a cúpula climática da Organização das Nações Unidas (ONU) este ano, mas o país ainda assumirá um papel de liderança na negociação dos mecanismos necessários para implementar o Acordo de Paris, afirmou nesta terça-feira (15) seu principal negociador climático.

Logo após a eleição do presidente Jair Bolsonaro no ano passado, ele cancelou os planos do Brasil de sediar a conferência sobre mudanças climáticas COP25. A cúpula será realizada no Chile em dezembro.

Na reunião, os países tentarão estabelecer os detalhes finais sobre como implementar o Acordo de Paris de 2015, que visa limitar o aquecimento global de 1,5 a 2 graus Celsius para evitar os piores efeitos das mudanças climáticas.

Leonardo Cleaver de Athayde, o principal negociador climático do Ministério das Relações Exteriores, disse em uma audiência no Congresso que o Brasil será protagonista de muitos dos principais pontos de negociação, incluindo regras para mercados de carbono e financiamento para países em desenvolvimento.

Athayde afirmou que os países desenvolvidos deveriam se lembrar de que desempenharam um papel maior na causa da mudança climática e, portanto, deveriam assumir mais responsabilidade na resolução.

“Isso é um aspecto central do regime, sempre foi, do regime da mudança do clima, um reconhecimento das responsabilidades históricas dos países desenvolvidos e das nações mais industrializadas pelas emissões de gases do efeito estufa”, declarou ele.

Ele alertou os países desenvolvidos para não esquecerem os compromissos assumidos antes do Acordo de Paris, observando que a promessa de mobilizar US$ 100 bilhões em financiamento anual para apoiar as iniciativas climáticas dos países em desenvolvimento até 2020 ainda não se concretizou.

“Há essencialmente um grande desafio que o regime da mudança do clima está enfrentando e continuará enfrentando nos próximos anos. Nós temos percebido que há infelizmente da parte de muitos atores uma tendência… de agir como se de fato a partir da adoção do Acordo de Paris, tudo que veio antes deixou de existir.”

O Brasil estabeleceu metas ambiciosas para reduções de gases de efeito estufa sob o Acordo de Paris, comprometendo-se a reduzir as emissões em 37% até 2025, em comparação com os níveis de 2005, com um compromisso mais amplo de elevar esses valores para 43% até 2030.

Bolsonaro disse durante a campanha no ano passado que o país desistiria do Acordo de Paris, mas depois voltou atrás. Athayde confirmou que as metas do país permanecem inalteradas sob o novo governo.

Bolsonaro, no entanto, nomeou céticos climáticos para posições-chave, como o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo.

Reuters

Óleo no litoral do Nordeste ‘parece criminoso’, diz Bolsonaro


Manchas de óleo são vistas na Praia da Sabiaguaba, em Fortaleza (CE). (KLEBER GONÇALVES/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO)

Por Pedro Fonseca

O presidente Jair Bolsonaro afirmou nesta terça-feira (8) que o petróleo que atingiu praias do Nordeste parece ter sido despejado criminosamente na região, uma vez que se fosse resultado de vazamento de um navio afundado o fluxo seria constante.

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“É um volume que não está sendo constante. Se fosse de um navio afundado estaria saindo ainda óleo. Parece que o mais fácil, o que parece, é que criminosamente algo foi despejado lá”, disse Bolsonaro a jornalistas na saída do Palácio da Alvorada, em declaração transmitida ao vivo pelo YouTube por um apoiador do presidente.

Bolsonaro afirmou que a investigação a respeito da possível origem do óleo é “reservada”, e que não pode acusar nenhum país para evitar criar um problema caso as primeiras informações não se confirmem posteriormente.

Na véspera, Bolsonaro afirmou que o governo já sabe que o petróleo que atingiu as praias do Nordeste não é produzido ou vendido no Brasil e que já “tem no radar” o possível país de origem do óleo.

As misteriosas manchas de petróleo, encontradas no litoral do Nordeste desde o início do mês passado, têm se espalhado pelas costas de Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia, onde chegaram mais recentemente.

As manchas já ameaçam 600 filhotes de tartarugas marinhas que nasceram nas praias de Sergipe e Bahia, que têm sido retidos em seus ninhos para não haver contato com o óleo, disse um representante do Projeto Tamar, organização não governamental que atua pela preservação da espécie.

Segundo Bolsonaro, as manchas são uma espécie de piche. “A densidade é um pouquinho maior que a densidade da água salgada, então não fica na superfície, fica submerso, esse é outro problema que nós enfrentamos lá”, afirmou.

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que estava ao lado de Bolsonaro na saída do Alvorada, afirmou que o governo está trabalhando simultaneamente na limpeza dos locais afetados e na investigação para descobrir a origem do óleo.

“Esse fluxo de óleo foi para a costa, depois a maré trouxe de volta para o mar, depois voltou para a costa novamente, depois trouxe de volta, é um movimento que tem ido para a costa e voltado”, disse.

“O nosso papel é agir rápido para retirar aquilo que está em solo e também aprofundar a investigação para descobrir a origem, e isso está sendo feito sob a ordem do presidente para a gente responder o mais rápido possível, e tecnicamente”, afirmou.

Petrobras

O presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, afirmou que a companhia está atuando para minimizar os impactos do vazamento de óleo que tem chegado a praias da região Nordeste, mas negou que o petróleo tenha origem nas atividades da empresa. Ele citou a atuação de equipes da petrolífera em Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará.

“Até ontem, colhemos 133 toneladas de resíduo oleoso nessas praias. Analisamos 23 amostras recolhidas e nenhuma é de óleo proveniente de exploração ou comercialização pela Petrobras. Esse é um fenômeno estranho e não dá sinais de retroceder, é um verdadeiro desastre”, enfatizou, em audiência pública na Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados. O tema da sessão na comissão é “o fechamento da Petrobras na Bahia e o desmonte da Petrobras no Nordeste”.

Castello Branco, no entanto, negou que haja qualquer tipo de desmonte da empresa na região. “Não há fechamento ou desmonte da Petrobras no Nordeste”, rebateu, ao iniciar sua fala.

Reuters / Agência Estado / Dom Total

Bolsonaro se nega a comentar aumento de desmatamento na Amazônia


O desmatamento na Amazônia teve aumento de 29,5%, maior taxa desde 2008 (Reuters)

O presidente Jair Bolsonaro (PSL) se negou a comentar, nesta terça-feira (19), o aumento de 29,5% do desmatamento na Amazônia, maior taxa desde 2008. Bolsonaro disse que perguntas sobre estes dados não devem ser feitas a ele, mas ao ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.

Bolsonaro afirmou que tratou sobre o desmatamento com Salles, porém não poderia apresentar ações planejadas pelo governo, pois o assunto seria reservado. “É lógico que eu converso com ele (Salles). Não vou falar para você. Foi reservada a conversa. Eu não posso conversar reservadamente com o ministro e abrir para vocês aqui. Seria antiético da minha parte”, disse o presidente.

Questionado se é um tema “reservado” o combate ao desmatamento, Bolsonaro respondeu: “Nós não queremos publicidade de nada que fazemos, queremos solução”.

Em esforço para se descolar das repercussões sobre os dados da Amazônia, Bolsonaro afirmou que o “recorde” de desmate foi registrado durante a gestão de Marina Silva no Meio Ambiente (2003-2008), no governo do ex-presidente Lula (PT). “Vocês viram o desmatamento quando a Dilma foi ministra? A Dilma não, a Marina Silva, quando foi ministra, vocês viram? Foi recorde o desmatamento, então, não pergunte para mim, não”.

Agência Estado

Vivemos um período de esquizofrenia coletiva, avalia especialista


Fogo atinge área próxima a Altamira, no Pará, em agosto deste ano. (Nacho Doce/Reuters)

Patrícia Azevedo

No dia 10 de agosto, agricultores e grileiros da Região Norte do país teriam iniciado um movimento simultâneo para incendiar áreas da Amazônia, a maior floresta tropical do mundo, em apoio ao presidente Jair Bolsonaro e a suas medidas para enfraquecer a fiscalização de órgãos ambientais. A data ficou conhecida como “Dia do Fogo” e o caso está sendo investigado pela Polícia Federal (PF) e pelo Ministério Público Federal (MPF). “Se o malfadado ‘Dia do Fogo’ for realmente comprovado, é a prova de que estamos em um período de esquizofrenia coletiva”, avalia Daniel Caixeta Andrade, presidente da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica (Ecoeco) e professor do Instituto de Economia e Relações Internacionais (Ieri), da Universidade Federal de Uberlândia (UFU).

De acordo com o professor, era esperado que a retórica agressiva do governo atual resultasse em algum fenômeno atípico. O que foi surpreendente, para ele, é que na primeira estação seca da Amazônia o atípico já apareceu: um aumento expressivo nos focos de queimadas. Assim como a liberação de agrotóxicos, Andrade aponta que o fenômeno é repudiável por boa parte da população, mas não algo inesperado. “Basta um conhecimento político mínimo para reconhecer a aliança política que suportou a eleição do atual presidente. As contrapartidas começam a aparecer”, aponta.

O professor considera que queimadas e agrotóxicos são partes de algo maior – a reunião de forças retrógradas do Brasil para a imposição de um modelo anacrônico de sociedade. “Modelo este muito ligado a uma ideia de gestão conservadora, como se a sociedade fosse uma empresa projetada para gerar lucro, e que despreza o debate público, democrático e plural”, completa Daniel Caixeta Andrade.

Repercussão

Fato é que os episódios recentes têm afetado a imagem do Brasil no exterior. Conforme lembra o especialista, o país sempre foi considerado um líder nato nas questões ambientais. Primeiro, porque possui grande diversidade e abriga a maior parte da maior floresta tropical do mundo. Segundo, porque sediou duas grandes cúpulas da Organização das Nações Unidas (ONU) para as questões ambientais, em 1992 e 2012. “Além disso, sempre fomos reconhecidos pela nossa flexibilidade, pela heterogeneidade/diversidade e cosmopolitismo de nossa sociedade. Não é à toa que temos o privilégio de tradicionalmente iniciarmos os debates nas Assembleias-Gerais das Nações Unidas”, acrescenta.

No entanto, essa imagem de um país ordeiro e comprometido com a fronteira civilizatória está ficando turva e pode sofrer reveses importantes, principalmente se o Brasil insistir numa ideia anacrônica de soberania, acredita o professor. Para continuar sendo protagonista nos debates mundiais, o país precisa urgentemente contribuir para a Agenda 2030, que indica 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Em entrevista exclusiva ao Dom Total, Daniel Caixeta Andrade aborda outros aspectos do cenário ambiental brasileiro, as atuais crises econômica e política, o papel dos jovens e os 25 anos da Ecoeco, entre outros pontos. Confira abaixo:

Como o senhor avalia o atual cenário ambiental brasileiro? Continuamos em um momento de fragilização excessiva da institucionalidade ambiental ou algumas iniciativas positivas já começam a aparecer?

O cenário ambiental brasileiro não é o desejável, principalmente num momento em que o mundo está discutindo cada vez mais seriamente como enfrentar a emergência climática. Vemos neste momento, no Brasil, uma volta ao debate ambiental da década de 1970, em que ficou muito nítida a polarização entre conservacionistas e crescimentistas. Estamos, portanto, revivendo este contexto. Quanto à fragilização da institucionalidade ambiental brasileira, este é um processo mais longo que se inicia em meio à reforma do Código Florestal, em 2012. Não há dúvida, porém, que este processo entra numa nova fase de aceleração em 2019 por dois motivos principais: a retórica do governo e a crise fiscal brasileira. Mas iniciativas positivas se fazem notar, como o ativismo jovem, liderado por Greta Thunberg, e a realização do Sínodo para a Amazônia.

Como as crises econômica e política interferem na questão ambiental?

No Brasil percebe-se a reiteração da seguinte dinâmica: nos momentos de crise econômica e política, sempre há a priorização do restabelecimento do status quo, o que resulta em fenômenos ou pactos de conciliação. A questão ambiental é prejudicada em duas dimensões: primeiro, ela é mais uma vez preterida nestes momentos de crise; segundo, a necessidade de recuperação da crise reitera velhos métodos e atividades nocivas ao meio ambiente. Um exemplo é o que aconteceu na Cúpula de Johanesburgo, em 2002. Os resultados tímidos se devem ao fato de que naquele momento a prioridade geopolítica era combater o terrorismo. Da mesma forma, na Rio +20, em 2012, a prioridade era a recuperação da crise financeira de 2008. Nas eleições brasileiras em 2018, a excessiva polarização política obliterou o debate ambiental sério.

O que é a economia ecológica? Ela tem se fortalecido no decorrer dos anos?

De maneira lacônica, é um ramo científico que busca integrar numa perspectiva transdisciplinar as contribuições das ciências sociais (economia, principalmente) e ciências naturais (ecologia, principalmente) para o estudo e a busca de três objetivos simultâneos: a sustentabilidade ecológica, a justiça social intra e intergeracional e a eficiência econômica. Nas palavras de Robert Costanza, um importante pesquisador estadunidense, a economia ecológica é a ciência da gestão da sustentabilidade. Formalizada há três décadas, a perspectiva econômico-ecológica sempre foi considerada marginal e periférica na academia brasileira. Mas temas como a emergência climática e colapso da biodiversidade vêm colocando cada vez mais a economia ecológica em evidência. O momento atual é sui generis: internamente, o momento político é considerado pouco animador para debates ambientais, mas globalmente o meio ambiente vem ganhando atenção política, midiática e acadêmica. A economia ecológica pode e deve ser invocada para guiar os debates necessários. Os pesquisadores da área devem ter a maturidade acadêmica requerida para se inserirem nos espaços apropriados.

Como vê a relação das reservas ambientais e das terras indígenas com a economia e a preservação?

O Centro de Resiliência de Estocolmo, referência nos estudos sobre ciência da resiliência, vem pelo menos há uma década chamando a atenção para as fronteiras planetárias. São limites que uma vez ultrapassados podem colocar a humanidade em um “espaço de operação” não seguro, com riscos de colapsos e consequências catastróficas e irreversíveis. Por isso, muitos autores defendem que é preciso restaurar e proteger parte dos ecossistemas globais de maneira a garantir este espaço seguro para nossa espécie e não transgredirmos estas fronteiras. É vital, portanto, que sejam criados e ampliados santuários naturais para garantir a contínua oferta de serviços ecossistêmicos e a própria biodiversidade. Seriam inimagináveis os impactos de um modelo econômico predatório que pereniza o extrativismo primitivo na Amazônia brasileira. Com relação aos indígenas, deve-se lembrar que sustentabilidade é uma ideia ampla e multidimensional, que incorpora a manutenção de modos de vida alternativos e enfatiza a importância de conhecimentos tradicionais. A sustentabilidade não deve ser vista apenas como tema da dita ciência normal.

Como garantir que a carne e a soja brasileiros tenham certificado de procedência e não contribuam para o desmatamento da Amazônia?

Creio que este é um problema que tende a ser mediado por questões mercadológicas, em primeiro lugar, e por normativas ao estilo de comando e controle, em segundo lugar. Os países importadores de commodities, sejam elas vegetais, animais ou minerais, vêm demandando crescentemente que as atividades econômicas que geram aqueles bens produzam o menor nível possível de externalidades. Fundos que gerenciam volumes gigantescos de recursos ao redor do mundo tendem a se afastar de atividades econômicas nefastas ao meio ambiente. Acho que é uma tendência irreversível os negócios se distanciarem, pois, da imagem de que contribuem para a destruição ambiental. Isso tudo em função do exponencial crescimento da conscientização ecológica. Veja, por exemplo, as ondas de movimentos pelo clima nas últimas semanas. A novidade aí é o fato de que são liderados por uma geração supernova. Em princípio, é perfeitamente possível que o Brasil continue exportando soja ou carne sem que seja necessário derrubar uma árvore da Amazônia. Cientificamente e do ponto de vista técnico, este trade-off (produzir carne/soja ou destruir a Amazônia) já está superado. Mas ainda persistem razões políticas para que este falso dilema ainda seja ventilado.

Em carta no site da Ecoeco, o senhor deixa uma mensagem especial aos jovens e estudantes, para não desanimarem. Ao mesmo tempo, acompanhamos cortes de recursos para educação, polarização de ideias sem o devido debate e aprofundamento. Onde esses jovens podem buscar energia e incentivos?

Eu me dirigi aos jovens porque são eles a verdadeira força motriz das mudanças. Como professor, não posso jamais me entregar ao pessimismo generalizado. Muito pelo contrário, sinto que neste momento todos nós devemos ter especial atenção para com o estado de espírito da sociedade brasileira. Não estou dizendo nada sobre proselitismo ou coisas semelhantes das quais somos acusados de prática dentro das universidades. Isso não corresponde à verdade. Refiro-me aqui a uma perspectiva evolucionária da sociedade e do sistema econômico e à compreensão de que momentos turbulentos são inerentes à dinâmica de sistemas sociais complexos. O que não podemos admitir é a deliberada manipulação do moral da sociedade em nome de falsos valores. Tudo aquilo que está fragilizado é mais fácil de ser tomado e vilipendiado. Por isso, sou um entusiasta da chama otimista e da vibração que vem dos jovens. Greta Thunberg é a expressão atual desta efervescência.

Neste ano, a Ecoeco completa 25 anos de existência, comemorados com congresso na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Conte-nos um pouco sobre a importância e a proposta do evento.

Acabamos de realizar na última semana de setembro nosso encontro bienal de economia ecológica. A despeito das condições adversas do ponto de vista do financiamento, o evento foi muito bem-sucedido e comemoramos nossas bodas de prata e homenageamos a principal referência teórica da moderna economia ecológica – o matemático e economista romeno Nicholas Georgescu-Roegen. Tivemos um bom público e uma excelente qualidade dos debates acerca do Antropoceno e as possibilidades de um colapso global. Antropoceno diz respeito a uma nova época geológica em que as mudanças globais no sistema terra são causadas principalmente por forças antrópicas. Substitui o Holoceno, uma época de cerca de 12 milênios com excepcional estabilidades climática e geológica que permitiram o início do processo civilizador humano. A grande questão aqui é discutir se este processo civilizador humano poderá continuar no novo contexto do Antropoceno. Se sim, em quais bases isso será possível? Se não, estamos destinados ao colapso e à extinção? São perguntas para as quais não é possível fornecer respostas definitivas, mas devemos expor este debate para a sociedade brasileira.

Dom Total