Financiando a aparência da felicidade


 
                    
Muito interessante e oportuno o discurso proferido por Jose Alberto “Pepe” Mujica, presidente do Uruguai, na 68° Assembléia Geral da ONU (em 24/09/13): “A humanidade sacrificou os deuses imateriais e ocupou o templo com o deus mercado, que organiza a economia, a vida e financia a aparência da felicidade. Parece que nascemos só para consumir e consumir. E quando não podemos, carregamos a frustração, a pobreza, a autoexclusão”.

Pepe Mujica ainda mencionou ter “angústia pelo futuro” e contextualizou que a nossa “primeira tarefa é salvar a vida humana”. Além disso, o governante uruguaio ressaltou a necessidade em defender as riquezas naturais: “Carrego a dívida social e a necessidade de defender a Amazônia, nossos rios (…)

O discurso de Mujica, além de ser pontualmente interessante, é também oportuno para se discutir a busca pela felicidade que, pretensamente, estaria repousada no ato de consumir, característica típica da sociedade de consumo capitalista.

Em outras palavras, o presidente do Uruguai reafirmou a crítica disparada especialmente pela economia ecológica (ciência e gestão da sustentabilidade, na definição empregada por Martinez-Alier) apontando dedo em riste para a sociedade de mercado que se empanturra de futilidades, e se regozija na superficialidade estabelecida no consumo de massa, como se os elevados níveis de consumo fossem, per si, os determinantes máximos para se alcançar a felicidade.

Por trás desse deus mercado que, como bem disse Mujica, “financia a aparência da felicidade” há que se observar a existência de milhões de seres humanos vagando por aí, completamente alijados do consumo básico e indispensável para a manutenção da vida.

Esses, os excluídos da economia mundial, para usarmos a expressão empregada por Amartya Sen (Nobel em economia), se atormentam diariamente com a fome, com a miséria, com a ausência de condições básicas de higiene, sem acesso à água potável, a saneamento básico, sem moradia, sem esperanças num amanhã mais calmo e próspero.

Ao todo, são quase 1 bilhão de estômagos vazios e bocas esfaimadas que conformam os excluídos da economia mundial apenas em relação aos que passam fome, “perambulando” pelas grandes cidades do mundo. Esses são os desesperançados que se contrapõem aos 20% da humanidade (1,4 bilhão de pessoas) que se chafurdam na prática do consumo fácil, abocanhando 80% de toda a produção mundial.

Contudo, cabe indagar: será que esses “privilegiados” do consumo, por deterem essa “facilidade” são mais felizes (possuem mais bem-estar) que os 5,6 bilhões de pessoas (80% da população mundial) que estão “do lado oposto do balcão de consumo”?

Felicidade estaria nessa facilidade em consumir? Dirigido por Helio Mattar, o Instituto Akatu, a maior referência brasileira quando o assunto é “consumo consciente”, em recente pesquisa intitulada Rumo à Sociedade do Bem-Estar mostrou que o brasileiro relaciona o bem-estar muito mais ao convívio social do que ao consumo.

Ser feliz é: estar com a família; ter amigos e relacionar-se bem com eles; e ter saúde. Segundo a pesquisa, para 6 em cada 10 brasileiros, conviver bem com a família e os amigos é parte considerável da concepção de felicidade. A tranquilidade financeira é entendida como atendimento às necessidades básicas para uma vida decente: boa alimentação, educação, saúde, lazer. Acima disso, o dinheiro e as posses materiais, para o brasileiro, não trazem felicidade – apenas 3 em cada 10 brasileiros “escolheram” a posse de tranquilidade financeira como elemento responsável pela felicidade.

A utilidade

                                   

Um ponto importante em torno dessa discussão está no fato da economia ser construída em cima da estrutura da utilidade. Utilidade (utilitarismo econômico) para os economistas só faz sentido se for pensada em forma de benefício, de bem-estar.

A base da Teoria do Consumidor passa pelo conceito de utilitarismo. Esse pode ser definido como o bem que se identifica com o útil. Os utilitaristas mais proeminentes – Jeremy Bentham (1748 – 1832) e John Stuart Mill (1806 – 1873) – foram claros a esse respeito: "a felicidade está na aquisição daquilo que nos é útil". O útil, grosso modo, leva à satisfação, leva ao prazer, leva ao bem-estar.

Em essência, esse é o objetivo da economia: proporcionar oportunidades e escolhas disponíveis a todos no dia a dia, auxiliando o maior número de pessoas na busca de algo fundamental: de algo útil, de bem-estar.

Bem-estar, então, se relaciona à busca pela própria felicidade. Pelo menos é isso o que diz a ciência econômica quando recomenda a seus “fiéis consumidores” que maximizem a utilidade esperada, ou seja, que no ato de tomada de decisões (não somente no ato de consumir) cada indivíduo alcance o maior nível possível de utilidade.

Conquanto, nem sempre essa utilidade está relacionada apenas (e tão somente) ao ato de consumir, como insistentemente parece recomendar a lógica mercadológica. Posso perfeitamente obter utilidade (ser feliz, ter bem-estar) ao encontrar alguém, ao falar com alguém, ao pensar em algo prazeroso, ao ler um poema agradável, ao respirar ar puro, ao contemplar uma obra de arte ou um monumento público.

Estou assim consumindo algo? Sem dúvida; no entanto, não estou tendo nenhum dispêndio para esse consumo. Para desespero do capitalismo do moderno e de seus asseclas, nem sempre um “consumo” vem seguido de gastos. O resultado obtido aqui é de ordem social, e não econômica.

Resultados sociais

Ora, se a economia é uma ciência social, nada mais justo que seus resultados apresentem significados sociais – e não apenas econômicos, como reiteradamente expressa a ordem econômico-consumista-mercadológica.

No entanto, esse lado social imerso nessa lógica econômica tem ficado à margem das decisões que priorizam, apenas e, tão somente, o lado econômico. O lado social, lamentavelmente, sempre foi – e continua a ser – relegado a quinto plano.

Pelo lado econômico, o que tem validade são os ganhos financeiros, não os prazeres-utilitários, ou seja, as felicidades que não passam pela disponibilidade financeira.

O que interessa para o lado econômico é o predomínio econômico-financeiro, não a abrangência social. Essa é a razão da existência de algumas discrepâncias que beiram, em nosso entendimento, a patologia.

O que precisa ficar claro é que definitivamente o mundo não é uma mercadoria e, "nem tudo está à venda" (everything for sale) para outra situação que “causa” profundo desespero nas bases do sistema capitalista/consumista. Logo, a felicidade, nesse sentido, não pode (e nem deve) repousar suavemente sobre o "nobre" ato do consumo exagerado que exige, por consequência, elevados dispêndios. Há algo muito mais interessante que leva à felicidade, ainda que a publicidade, diuturnamente, nos bombardeie recomendando o consumo a qualquer custo.

E a economia tem tudo a ver com isso. Basta atentarmos para o seguinte: aonde a economia estará no futuro depende daquilo que milhões de nós faremos nesse meio tempo até lá. Cabe a nós decidirmos o futuro. O futuro nos pertence e a felicidade, certamente, há de nos esperar na próxima esquina abraçada à maximização da utilidade esperada, ainda que o deus mercado esteja “financiando a aparência da felicidade”, como bem ponderou o presidente Mujica.

Marcus Eduardo de Oliveira*
Assista ao discurso completo de Mujica na ONU:
Veja AQUI o discurso traduzido na íntegra.
*Marcus Eduardo de Oliveira é economista com especialização em Política Internacional e mestrado em Estudos da América Latina pela Universidade de São Paulo (USP). É professor de economia do UNIFIEO e da FAC-FITO, em Osasco/SP. Autor dos livros 'Conversando sobre Economia' (Editora Alínea), 'Pensando como um economista' (Editora EbookBrasil) e 'Humanizando a Economia' (Editora EbookBrasil – livro eletrônico). Contato: prof.marcuseduardo@bol.com.br
Fonte: Dom Total

Escolas e faculdades uruguais adotam cardápios saudáveis a partir de março


           

 

A partir do mês de março, as cantinas das escolas e faculdades uruguaias não venderão mais refrigerantes, salgadinhos fritos, guloseimas e outros alimentos danosos à saúde. Decisão tomada pelo Ministério Público de Saúde do país, só será permitida a venda de comidas e bebidas saudáveis, como frutas, sucos naturais, cereais, bolos, e sobremesas a base de leite (mas com um máximo de 12,2 gramas de açúcar por 100 ml).

 

 

Fato que não deixa de ser uma grande mudança alimentar, visando uma recompensa em longo prazo, para a saúde do corpo e também da mente. O projeto de lei votada no ano passado entrará em vigor no começo do ano letivo uruguaio, dispõe sobre a proteção “de crianças e adolescentes que frequentam a escola e estudantes do ensino médio, instituições públicas e privadas, através da promoção de hábitos alimentares saudáveis", foi proposta pelo deputado nacionalista Javier García.

 

O Ministério da Saúde Pública, juntamente com o Ministério da Educação e Cultura (MEC) e pela Administração Nacional de Educação Pública (ANEP), desenvolveram a lista completa de alimentos adequados para vender nas instituições de ensino .

 

O director-geral da Saúde, Ministério da Saúde , Marlene Sica , disse em entrevista exclusiva ao jornal El País que as reuniões com a Câmara de Indústria também está mantido, e que " todas as partes " devem apoiar a implementação da nova lei .

A lista, que embora ainda não definitiva tem diretrizes gerais para a versão final, é separado em três grupos: um de "alimentos e bebidas naturais ou minimamente processados, " outros " alimentos processados e ​​embalados dentro dos limites em termos de conteúdo de calorias e nutrientes "e um" embalado no próprio ponto de venda.

"Esta decisão não esta pautada em limitar o acesso aos bens vendidos, tampouco diminiur as vendas e economia gerada, mas sim estabelecer um limite. As cantinas não venderão mais certos produtos, como refrigerantes e lanches processados, mas , obviamente haverá uma transição para que não se gere um prejuízo econômico. ", disse Sica.

 

Além disso,  os saleiros também desaparecerão das cantinas, assim os alunos não terão a possibilidade de adicionar mais condimentos na comida já preparada. Quanto aos alunos que trazem comida de casa, será comunicado aos pais que – embora sem obrigação – que incentivem a trazer alimentos saudáveis, de acordo com a proposta escolar.

O projeto de lei, não só inclui a proibição da venda de determinados alimentos em cantinas de escolas e faculdades , mas também estabelece um plano para a promoção de boas práticas alimentares. Este será composto de publicidade em vários meios de comunicação e na entrega de um folheto para todos os alunos. Sica disse também que as medidas a serem implementadas nas cantinas serão fiscalizadas de acordo com as disposições do Ministério . "De qualquer forma , nós não queremos punir, mas sim aumentar uma conscientização  alimentar", comentou o diretor de Saúde .
 

E diante de tal cenário vale ressaltar: adotar uma postura consciente diante dos alimentos que oferecemos às nossas crianças e adolescentes é de suma importância para o seu desenvolvimento físico, intelectual e emocional. Decisão governamentais pautadas neste pensamento sempre merecem destaques e apalusos, pois, pensando bem, cuidar da alimentação de uma nação é também ter cuidado com tudo que a envolve; um efeito dominó com saldo positivo, e como sabemos, somos o que comemos.

 

Laísa Mangelli

Tradução EL País