A notícia foi publicada ontem (24) pelas agências internacionais e replicada em jornais e sites: a poluição provocou alerta vermelho em dez cidades chinesas (leia aqui). Hoje (25), o Aeroporto de Pequim cancelou quase cem voos hoje por causa da névoa de poluição e foi emitido pelo governo o alerta laranja – que é o segundo mais alto numa escala de quatro níveis – por conta das partículas PM2,5, muito perigosas para a saúde porque penetram profundamente nos pulmões. Tem cerca de 30 vezes mais dessas partículas no ar da cidade de Pequim do que a Organização Mundial de Saúde (OMS) considera recomendado para os humanos.
Mas não é de hoje que algumas cidades chinesasvêm sofrendo com a poluição. Durante a Conferência do Clima em Paris (COP-21), que conseguiu um acordo histórico para baixar emissões de carbono, as notícias eram as mesmas. Pequim havia entrado em alerta vermelho, pela primeira vez na história, o que significa restrições ao tráfego de automóveis, fechamento de fábricas, escolas, interrupção de obras de construção. Também ficam proibidos fogos de artifício e churrascos. As pessoas são obrigadas a usar máscaras e, de preferência, reduzir suas atividades ao ar livre. Não é pouca coisa.
Um estudo feito em agosto deste ano por especialistas da Universidade de Califórnia (leia aqui, em inglês)concluiu que a poluição do ar está matando cerca de quatro mil pessoas na China por dia. O estudo culpa as emissões causadas pelo farto uso de carvão no país que, como se sabe, não poupou combustível, décadas a fio, para mover a máquina de um modelo econômico baseado em obras faraônicas e numa indústria pesada.
São os efeitos dessa vontade de se tornar a segunda maior economia do planeta que estão agora sendo sentidos por grande parte da população. Uma classe média que recém descobriu artigos de luxo está sendo, agora, obrigada a botar um pé no freio do consumismo e a olhar com atenção para a saúde. O preço por ter caído na armadilha de alcançar o progresso a qualquer custo está saindo bem caro.
Ainda segundo o estudo, coordenado por Robert Rhode, a população chinesa está hoje respirando um ar que é mais poluído do que o mais poluído ar dos Estados Unidos. A única salvação será reduzir as emissões do gás que mais colabora para a poluição, que é o dióxido de carbono. Em novembro do ano passado, os presidentes dos dois países assinaram um acordo sobre reduções de emissões (veja aqui) . Mas Xi Jinping se comprometeu a cortar as emissões até 2030, ano em que espera que 20% da energia produzida no país será de origem em fontes limpas e renováveis.
Pelo que se está vendo acontecer no ar chinês, no entanto, as medidas deveriam começar hoje, o quanto antes.
Um dos artigos do livro “Creating a Sustainable and Desirable Future” (Ed. World Scientific), que reúne textos de 45 estudiosos do tema sustentabilidade é de Peggy Liu, principal coordenadora da organização sem fins lucrativos “Joint US-China Collaboration on Clean Energy – Jucce e conhecida como “deusa verde” na China. A publicação é de 2012, portanto numa época em que a situação não oferecia tanto risco quanto hoje. Mas, já então, a preocupação era grande.
“Nós temos ouvido a estatística dramática de que se os sete bilhões de habitantes da Terra quisessem viver como os americanos, precisaríamos de mais cinco planetas para nos suportar. Mas quando as classes consumidoras dos países em desenvolvimento explodirem, com a previsão de que a classe média da China adicione o equivalente a um Estados Unidos e meio nos próximos 13 anos, nós vamos ter que atualizar essa estatística brevemente”, escreve a autora.
Dá para perceber, no artigo de Peggy Liu, que há um desejo de mudança para tirar o país desse problema e da fama de ser o maior poluidor, acima dos Estados Unidos. Uma agenda verde vem ganhando força, e começa, segundo Liu, em reinventar a prosperidade, levando em conta um consumo sustentável. Grandes empresas estão sendo chamadas a colaborar, assim como os movimentos sociais estão sendo chamados a criar campanhas que ajudem as pessoas a repensar suas atitudes na hora de consumir.
Peggy Liu cita o ativista ambiental norte-americano Adam Werbach, para quem o erro está em não se fazer uma forte ligação entre a sustentabilidade e as aspirações diárias das pessoas.
“As pessoas não querem o verde, elas querem o verde dourado. Para oferecer (aos chineses) uma alternativa à altura do Sonho Americano, nós precisamos de um estilo de vida sustentável que atraia os cidadãos comuns. Não devemos ignorar as estatísticas alarmantes ou a necessidade de sacrifício, mas não deveríamos fazer dessas estatísticas o centro da campanha. É preciso mostrar não só aquilo que é bom, que faz bem, mas também o que não é bom, o que faz mal”, escreve Peggy Liu.
O que interessa mostrar aos chineses é que é possível consumir com qualidade, não em quantidade. Como eles começaram a ganhar e gastar mais dinheiro, agora será preciso convencê-los a não cair na armadilha de comprar dispositivos baratos, que usam muitos recursos, em vez de produtos e serviços de alto valor sustentável. E os chineses estão maduros para entrarem nesse movimento, acredita Peggy Liu.
“A Revolução Cultural quebrou o tecido social chinês e o povo foi imerso em imagens publicitárias estrangeiras de luxo nas últimas décadas. Hoje o Sonho Chinês é uma visão que ainda não existe, mas é uma questão de orgulho para a China defini-lo de seu próprio jeito. Qiu Baoxing, o vice ministro para Desenvolvimento da Habitação Rural e Urbana, abriu uma sessão de treinamento sobre urbanização sustentável, dizendo: ‘Nós não podemos continuar seguindo cegamente o Sonho Americano. Isto é simplesmente insustentável para a China e para o mundo’. O novo Sonho Chinês pode ser preenchido com os valores chineses que são fortemente alinhados com sustentabilidade – saúde, respeito, harmonia com a natureza e evitar o desperdício”, escreve ela.
Uma forte campanha já está em curso, tentando criar uma ressonância cultural, o que vai facilitar que as pessoas queiram fazer a mudança. As redes sociais estão sendo usadas, os programas de televisão também. Peggy Liu lembra que, em geral, campanhas como essa podem dar certo, como podem não dar. Mas ela acredita no sucesso da empreitada porque o povo chinês está aberto a mudar. Não só porque a crise não está favorecendo mais o consumismo exagerado, como porque o governo chinês está empenhado, junto a organizações não governamentais, no sentido de mostrar que é possível olhar além do PIB, para índices de felicidade.
Se não for por isso, o fato de ter que usar uma máscara enfiada no rosto cada vez que sair de casa vai fazer o povo chinês pensar duas vezes antes de comprar coisas que não vai usar.
Mas, como se sabe, não é só disso que depende a limpeza do ar da China. Segundo uma reportagem recentemente publicada na revista “The Economist”, a indústria do carvão é responsável pela maioria dos empregos nas províncias do Norte. Desligá-las vai ser uma tarefa árdua, que vai requerer mais do que mudança de hábitos de consumo.
Fonte: G1