Transgênicos e o dever de informação


No Brasil, o plantio de transgênicos foi legalizado em 1998 com a liberação de soja tolerante a herbicidas pela CTNBio (Reuters)

Renan Tolentino Saraiva*

Inegável é o fato de que os avanços tecnológicos vêm contribuindo para o desenvolvimento de técnicas produtivas cada vez mais eficazes e melhor adaptadas à demanda. Estudos laboratoriais pioneiros demonstraram a viabilidade da utilização de genes com a finalidade de que uma espécie receptora passasse a manifestar traços singulares de uma espécie doadora distinta. Dentre os experimentos realizados, destaca-se a criação de muda transgênica de tabaco a partir da inclusão de genes que codificavam luciferase em seu DNA, fazendo com que a planta se tornasse fluorescente, fato documentado pela revista Science em 1986.

A partir de então, cientistas utilizaram a transgenia para desenvolver organismos vegetais dotados de melhoramentos genéticos, com o objetivo de aumentar a produtividade, potencializar a resistência a doenças, diminuindo perdas e prolongando prazos de validade. Entretanto, em razão da veloz introdução dos organismos geneticamente modificados no mercado de consumo, questionamentos foram suscitados no que diz respeito a possíveis impactos sociais e ambientais decorrentes de seu consumo, já que evidenciou-se nesses organismos potencial alergênico, maior resistência a antibióticos, probabilidade de produção de toxinas, maior concentração de metais pesados e redução de valores nutricionais.

No Brasil, o plantio de transgênicos foi legalizado em 1998 com a liberação de soja tolerante a herbicidas pela CTNBio. Desde então, o plantio de OGM intensificou-se e, em 2017, o país tornou-se o segundo que mais planta transgênicos no mundo, conforme pesquisa do ISAAA. Diversamente dos Estados Unidos, o Brasil optou pela regulamentação do plantio e comercialização de transgênicos, o que implicou na elaboração de legislação específica sob viés garantista, em especial a Lei de Biossegurança e o Código de Defesa do Consumidor.

No que concerne aos direitos consumeristas, destaca-se o dever de informação, obrigação legal imposta ao fornecedor de produtos ou serviços, que traz a necessidade de informar, adequada e claramente, acerca das características, composição, qualidade e atributos do produto, conforme prevê o art. 6º, III, CDC. Nessa mesma linha, a Lei de Biossegurança estipula, em seu art. 40, a obrigação de informar nos rótulos ou embalagens a presença de OGM se essa for superior a 1% da composição final do produto, o que originou o símbolo triangular amarelo com a letra “T”. O uso da simbologia facilita a imediata identificação pelos consumidores e representa dupla garantia ao resguardar conjuntamente interesses de consumidores e produtores.

Contudo, na contramão da atual principiologia, foi proposta a retirada do referido símbolo no Projeto de Lei Complementar 34/2015, havendo menção à presença de transgênicos em pequenas letras em locais pouco evidentes nos rótulos.

A supressão do símbolo de transgênicos nos produtos pode vir a reforçar ainda mais a reputação negativa frequentemente atribuída a esses produtos, podendo gerar efeitos ainda mais controversos. Portanto, pode-se inferir que a mitigação ao dever de informação, direito já consolidado, não se evidencia como a alternativa mais adequada no tocante aos OGM, abrindo-se espaço para debates e reflexões quanto à temática ora exposta.

*Graduando em Direito, na modalidade integral, pela Escola Superior Dom Helder Câmara. Atualmente membro do grupo de pesquisa CEBID – Centro de Estudos em Biodireito.

Uso de agrotóxicos no Brasil


Não existe país economicamente desenvolvido que possua uma população doente, rios poluídos e terras estéreis (Divulgação/Idec/CFN)

Andressa Souza Oliveira*

Uma das notícias que mais repercutiu no último mês foi o registro, e consequente permissão, para uso de mais 63 agrotóxicos, além dos já permitidos no Brasil. O número causou impacto nas manchetes não só por ser maior do que os do mesmo período do ano passado, mas principalmente por ter se dado em virtude de desburocratização do processo de registro, que só tende a aumentar.

Apesar de serem dotados de princípios ativos tóxicos à saúde e ao meio ambiente, a utilização desses produtos é social e legalmente aceita. As justificativas mundiais para seu uso vêm sempre atreladas à necessidade de maior produção de alimentos para atender ao crescimento populacional. Inclusive, recentemente, durante o Fórum Global para Alimentação e Agricultura, representantes da ONU informaram que se o ritmo atual de consumo e progressão populacional se mantiverem, em 2050 será preciso que a produção de alimentos cresça, no mínimo, em 60%.

Nesse contexto, os agrotóxicos sempre aparecem como solução possível devido à promessa de aumento da produtividade com baixo custo. Contudo, é importante salientar que a quantidade de alimentos produzida no mundo hoje é suficiente para que toda a população mundial se alimente e, ainda assim, cerca 820 milhões de pessoas vivenciam a fome. Desse modo, conclui-se que a diminuição da fome e a produção de alimentos não possuem nexo causal direto.

Todavia os dados que realmente deveriam chamar nossa atenção referem-se à força econômica do agronegócio. Atualmente o Brasil é um dos maiores produtores de alimentos no mundo e o agronegócio é responsável por cerca de 21,6% do PIB. Tendo em vista a grave recessão econômica em que o país se encontra, o agronegócio é um campo promissor para os investimentos, pois mesmo em momentos de recessão há alta demanda devido à sua essencialidade.

As liberações em tela não são de mera casualidade. Um dos objetivos centrais do novo governo é o reaquecimento da economia e o agronegócio é um dos meios escolhidos para tal feito.

Entretanto devemos analisar de maneira realista se esse caminho é realmente o mais interessante para a saída da crise atual. Existem centenas de estudos científicos que apontam o rastro de destruição deixado pelos agrotóxicos. Já restou comprovado que, com o passar do tempo, os reagentes tóxicos afetam a produtividade do solo, contaminam os lençóis freáticos e rios adjacentes, contribuem para poluição atmosférica e afetam significativamente a saúde da população.

Ao colocarmos na balança todos os gastos estatais futuros que deverão ser redirecionados para a despoluição das águas, restauração do solo e saúde pública, a operação já não parece tão vantajosa. Não existe país economicamente desenvolvido que possua uma população doente, rios poluídos e terras estéreis. Ademais, existem alternativas para o aumento da produção agrícola com diminuição dos agrotóxicos, contudo elas não possuem o devido investimento ou atenção do Estado.

Dado o exposto, é preciso que sejam sopesados os lucros imediatos e os custos a longo prazo, principalmente considerando o objetivo do Estado, proporcionar vida digna aos seus cidadãos.

*Bacharel em Direito pela Escola Superior Dom Helder Câmara. Cursando pós-graduação em Advocacia Criminal. Estagiária de pós-graduação na Vara de Inquéritos do TJMG. Membro do grupo de pesquisa CEBID (Centro de Estudos em Biodireito) da Escola Superior Dom Helder Câmara.

O perigo dos agrotóxicos, artigo de Fernando Carneiro


              agrotóxicos

 

O agronegócio brasileiro vem pressionando a Presidência da República e o Congresso para diminuir o papel do setor de saúde na liberação dos agrotóxicos. O Brasil é o maior consumidor desses venenos no planeta e a cada dia se torna mais dependente deles.

Qual o impacto que essas medidas terão na saúde da população brasileira?

No Brasil, a cada ano, cerca de 500 mil pessoas são contaminadas, segundo o Sistema Único de Saúde (SUS) e estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS). Os brasileiros estão consumindo alimentos com resíduos de agrotóxicos acima do limite permitido e ingerindo substâncias tóxicas não autorizadas.

Em outubro, a Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa) revelou que 36% das amostras analisadas de frutas, verduras, legumes e cereais estavam impróprias para o consumo humano ou traziam substâncias proibidas no Brasil, tendência crescente nos últimos anos.

Os agrotóxicos afetam a saúde dos consumidores, moradores do entorno de áreas de produção agrícola ou de agrotóxicos, comunidades atingidas por resíduos de pulverização aérea e trabalhadores expostos. Mesmo frente a esse quadro, mais dramática é a ofensiva do agronegócio e sua bancada ruralista para aprofundar a desregulamentação do processo de registro no país.

Qualquer agrotóxico, para ser registrado, precisa ser analisado por equipes técnicas dos ministérios da Agricultura, Saúde e Meio Ambiente. Inspirados na CTNBIO, instância criada para avaliar os transgênicos, que até hoje autorizou 100% dos pedidos de liberação a ela submetidos, os ruralistas querem a criação da CTNAGRO, na qual o olhar da saúde e meio ambiente deixaria de ser determinantes para a decisão.

Quem ganha e quem perde com essa medida? Não há dúvida que entre os beneficiários diretos está o grande agronegócio, que tem na sua essência a monocultura para exportação. Esse tipo de produção não pode viver sem o veneno porque se baseia no domínio de uma só espécie vegetal, como a soja. Por isso, a cada dia, surgem novas superpragas, que, associadas aos transgênicos, têm exigido a liberação de agrotóxicos até então não autorizados para o Brasil. O mais recente caso foi a autorização emergencial do benzoato de amamectina usado para combater a lagarta Helicoverpa, que está dizimando as lavouras de soja de norte a sul do país. A lei que garantiu a liberação desse veneno tramitou e foi aprovada em um mês pelo Congresso e pela Presidência da República.

A pergunta que não quer calar é: no momento em que a população brasileira espera um Estado que garanta o direito constitucional à saúde e ao ambiente, por que estamos vendo o contrário? Na maioria dos estados brasileiros os agrotóxicos não pagam impostos.

O Estado brasileiro tem sido forte para liberalizar o uso de agrotóxicos, mas fraco para monitorar e controlar seus danos à saúde e ao ambiente. Enquanto isso, todos nós estamos pagando para ser contaminados…

Fernando Carneiro é Professor da UnB e coordenador de Saúde e Meio Ambiente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva. Publicado em O Globo, em 24/1/2014 e socializado pelo Radis na rede.

EcoDebate, 27/01/2014

Horta Caseira – Um novo despertar para a saúde e a natureza.


A industrialização do setor alimentício trouxe a tona novos hábitos alimentares que vem impactando de forma desastrosa na saúde publica mundial. Em poucas palavras, a obesidade, a desnutrição e a falta de conscientização nutricional tomou conta das sociedades, causando preocupações até mesmo para a Organização Mundial de Saúde (OMS). Nesse ínterim, uma das práticas mais louváveis têm sido as hortas caseiras, uma técnica simples e que vem lentamente crescendo. Abrindo os nossos olhos para o grande monopólio que se tornou a alimentação mundial. Tudo que comemos e bebemos são designados por poucas, mas gigantescas corporações que se baseiam no lucro e produtividade e não na saúde e muito menos no meio ambiente.

 

            

Em um mundo onde não se tem mais tempo para muita coisa, a alimentação industrializada surgiu como uma forma de simplificar a rotina familiar, trazendo praticidade e conforto para o dia a dia das pessoas. Mas apesar de termos diminuído o tempo que gastamos na cozinha, parece que esse movimento fast food acabou por tomar o lugar da boa culinária, trazendo inúmeras conseqüências desastrosas. Passamos a comer enlatados e pré-cozidos com venenos, remédios, anabolizantes (!) e outras infinidades de suplementos utilizados pela agricultura moderna onde o valor estético está acima do valor nutricional.

Por tal, a educação alimentar é um dos pontos que mais vem preocupando os governos, que cada vez mais tem discutido o tema na tentativa de ensinar as pessoas que a importância de uma boa alimentação é fundamental. Isso inclui uma alimentação balanceada, o que alia, principalmente, legumes, verduras e frutas. Em contra partida, é o próprio governo que autoriza e financia tais indústrias alimentícias. Acredito que a solução não está no sistema que nos rege, mas sim em cada um despertar para este grande problema mundial e fazer a sua parte na hora de colocar para dentro do corpo o que realmente ele precisa, comida de qualidade, nutrientes potentes, e não venenos e muito lixo alimentar que vendem nas prateleiras dos supermercados envoltos em marketing de alta qualidade e embalagens que fazem nos olhos brilharem.

As hortas domésticas ou comunitárias, então, se mostram como a melhor solução. A produção caseira de alimentos propicia uma alimentação mais saudável, economia doméstica, e uma mudança na mentalidade familiar. No mais, o contato com a terra traz não só um melhor conhecimento sobre a origem do que se está consumindo, mas uma profunda sensação de bem estar. Mas para resultados realmente recompensadores, o ideal é que o plantio de sementes e mudas esteja de acordo com a necessidade pessoal e a disponibilidade de cuidar realmente daquele espaço, pois requer o mínimo de trabalho e cuidado.

               

É possível o cultivo de temperos, legumes, verduras e frutas em várias dimensões de espaços e de diversas maneiras. Cada vegetal tem suas particularidades que devem ser pesquisadas, como o espaço ideal para o plantio e a quantidade de regas necessárias na semana. Desde que a horta seja bem tratada, a natureza se encarrega de fazer a parte mais complexa. O melhor é que com um investimento pequeno é possível ter alimentos crescendo livres de conservantes e agrotóxicos.

Além do mais, essa é uma função quase que terapêutica também, e por tal tem sido adotada por muitas pessoas que moram nas grandes cidades – uma válvula de escape para acalmar-se depois de um dia de compromissos e afazeres. Em capitais como Rio de Janeiro e São Paulo já existe um vasto número de hortas comunitárias, onde a quantidade de pessoas cada vez maior se reúne para plantar e trocar experiências a respeito do cultivo da terra. Uma nova conscientização começa a aparecer.

             

Como se observa, o plantio caseiro aparece como a solução mais barata e inteligente para a questão. Qualquer pedacinho de quintal ou até mesmo vasos são espaços que já podem ser utilizados para se começar a buscar direções mais saudáveis. No mais, o planeta agradece também, uma vez que a produção e o consumo de subsistência livram o produto de ter que ser conservado e transportado até a venda final, reduzindo as emissões de gases poluentes e a utilização de recursos naturais que geralmente são utilizados nas embalagens e nos processos de logística e transporte. Enfim, transformar a alimentação em saudável e sustentável é possível.

Ao ser questionada sobre os altos preços dos orgânicos nos mercados, sempre respondo que o valor investido em saúde nunca é demais. Além do que, o sabor é realmente diferente, sem contar que de fato quando consumimos orgânicos, estamos consumindo nutrientes em alto potencial e não um legume ou verdura oco como diz no vídeo abaixo o Engenheiro Agrônomo Edson Hiroshi da Ecovila Clareando, que possuem beleza e tamanho, mas em contra partida são pobres em nutrientes.

E ter a consciência de que se está consumindo algo verdadeiro, que não foi modificado e não agrediu o meio ambiente de forma tão danosa é compensador, pois a mudança que queremos para o mundo começa dentro de casa, mudando a nós mesmos.

Fonte: Naturalmente orgânicos

Laísa Mangelli

 

Poluição ameaça saúde de 200 milhões de pessoas; veja piores locais


Ambientalistas publicaram lista com os dez locais mais contaminados do planeta. Entre eles está a antiga usina de Chernobyl, na Ucrânia

 

                       

Mais de 10 milhões de pessoas continuam com suas saúdes em risco por causa dos efeitos da antiga usina de Chernobyl

   Diferentes formas de contaminação comprometem a saúde de 200 milhões de pessoas no mundo, denunciaram esta terça-feira defensores do meio ambiente, que publicaram a lista dos dez locais mais contaminados do planeta. "Estimamos que a saúde de mais de 200 milhões de pessoas esteja ameaçada", afirmou o diretor da organização Blacksmith Institute, Richard Fuller.

   Para ajudar as autoridades a lutar contra as diferentes formas de contaminação, esta organização estabeleceu junto à Cruz Verde, uma ONG com sede em Genebra, uma lista dos dez locais mais contaminados do mundo.

   Entre esses locais está a bacia do rio Matenza-Riachuelo, na Argentina, onde 5 mil indústrias lançam seus resíduos entre Buenos Aires e o Rio da Prata, afetando a saúde de 20 mil pessoas.

   O lixão gigante de material eletrônico de Agbogbloshie, em Gana, que expõe 40 mil pessoas à contaminação por chumbo, mercúrio e cádmio, também integra a lista.

   As organizações denunciam, ainda, a contaminação do solo relacionada ao petróleo no delta do Níger, na Nigéria, assim como aquela provocada pelos resíduos de chumbo da explosão de minério (já encerrada) em Kabwe, a segunda cidade de Zâmbia.

   Em Jacarta, na Indonésia, mais de 500 mil pessoas diretamente e cinco milhões indiretamente são expostas a vários produtos químicos (chumbo, cádmio, cromo, pesticidas), lançados no rio Citarum, perto de Jacarta. No mesmo país, o mercúrio extraído das minas de ouro na província de Kalimantan, na ilha de Bornéu, ameaça a saúde de pelo menos 225.000 pessoas.

   Também na Ásia, cerca de 160 mil pessoas são vítimas de contaminação por cromo provocada por 270 curtumes em Bangladesh, particularmente em Hazaribagh.

   Dois locais na Rússia são denunciados pelos ambientalistas: na cidade de Dzerzhinsk, no centro da indústria química, 300 mil pessoas são ameaçadas pelos resíduos de 190 produtos tóxicos identificados em águas subterrâneas. E em Norilsk, na Sibéria, a contaminação do ar causada pelas minas de propriedade de Norilsk Nickel põe em grave risco a saúde de 135 mil pessoas.

   A lista inclui ainda a antiga usina nuclear de Chernobyl, na Ucrânia, onde mais de 10 milhões de pessoas continuam com suas saúdes em risco.

Fonte: TERRA – Sustentabilidade

‘Não existe nenhuma dúvida de que o amianto é um mineral lesivo à saúde’


Entrevista com Hermano Castro, Ensp/Fiocruz

                                  Imagem de pulmão de paciente com asbestose, uma das doenças causadas pelo amianto. Foto. Agência Fiocruz de Notícias (AFN)
Imagem de pulmão de paciente com asbestose, uma das doenças causadas pelo amianto. Foto. Agência Fiocruz de Notícias (AFN)

 

“Não existe nenhuma dúvida de que o amianto é um mineral lesivo à saúde. Segundo o critério 203 da OMS a exposição ao amianto crisotila aumenta o risco de câncer de pulmão, mesotelioma e asbestose e não há limite seguro para exposição”. A afirmação é do diretor da Escola Nacional de Saúde Pùblica (Ensp/Fiocruz) e especialista no tema, Hermano Castro. Em entrevista para o site do Centro Colaborador em Vigilância Sanitária (Cecovisa) da Ensp, Castro comenta os esforços brasileiros pelo banimento deste mineral, aborda as principais doenças relacionadas ao amianto, além de destacar os principais riscos ao meio ambiente.

 

O amianto foi proibido (uso, extração e comercialização) por 66 países, entre eles a Argentina, o Chile e o Uruguai. No Brasil, os esforços das instituições de saúde e ambientais pelo banimento do amianto se propagam em legislações estaduais e municipais. Quais as reais mudanças nos últimos anos e obstáculos encontrados para a sua proibição?

Hermano Castro: Infelizmente não temos uma Lei de banimento do amianto em nível nacional. Movimentos sociais locais têm conseguido discutir e aprovar lei municipal e Estadual que reduzem o uso do amianto, mas não tem sido suficiente para sensibilizar o Congresso Nacional. Atualmente encontra-se na pauta do STF ações sobre o amianto que podem, se aprovadas, garantir o seu banimento em todo território nacional. Hoje o principal obstáculo é o poder econômico que envolve toda a cadeia produtiva. O Brasil é o terceiro produtor de amianto com uma única mineração, situada em Goiás, que garante a produção, principalmente de telhas de amianto.

 

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima haver 125 milhões de trabalhadores em todo o mundo expostos aos efeitos do amianto e a ocorrência de cem mil as mortes anuais causadas pelo amianto. Quais as principais doenças relacionadas ao amianto e qual a expectativa para os anos futuro?

Castro: As principais doenças relacionadas ao amianto são a asbestose, um tipo de fibrose pulmonar, irreversível e sem tratamento específico; os acometimentos pleurais: placas, calcificações, espessamento e derrame pleural; câncer de pulmão, mesotelioma e alterações funcionais respiratórias. Como o período de latência entre a exposição e o surgimento da doença pode ser de décadas: 3 a 4 décadas para o mesotelioma, por exemplo, mesmo com o banimento do amianto, ainda teríamos o surgimento de casos nos próximos 40 anos, refletindo a exposição ao mineral.

 

Além dos funcionários da empresa que utilizam o amianto como matéria-prima e que ficam expostos diretamente ao mineral, quais os riscos para as pessoas próximas – família, por exemplo, deste trabalhador?

Castro: Atualmente as empresas que utilizam o amianto realizam a própria lavagem das roupas, porém, durante muitos anos os familiares foram expostos ao mineral, com o aparecimento de muitos casos de doenças entre familiares, gerados pelo contato com o amianto trazido nas roupas dos trabalhadores.

 

E quais os reais riscos do amianto para o meio ambiente?

Castro: A degradação ambiental causada pela extração do mineral é uma realidade nas regiões de mineração. Além disso, o descarte inapropriado de materiais a base de amianto (telhas, caixas d água, passivo industrial) pode contaminar o solo e colocar em risco a saúde da população que entra em contato inadvertidamente com o material. Atualmente existe um resolução Conama 348 que considera o amianto resíduo perigoso e deve ter procedimento especial para o descarte. Alguns estudiosos consideram o mesotelioma (câncer de pleura relacionada ao amianto) um marcador de exposição ambiental, uma vez que um elevado percentual de mesoteliomas, alguns estudos chegam até 50% de casos, não tem relação com exposição ocupacional. O mesotelioma não tem relação de dose-resposta, ou seja, o câncer pode aparecer independente da dose de exposição, o que pode ser atribuída a exposição ambiental.

 

Existem movimentos sociais pelo banimento do amianto, inclusive de ex-trabalhadores, vítimas do amianto. Há um debate em torno dos danos e das pesquisas realizadas. O senhor sofreu interpelação judicial pelo Instituto Brasileiro de Crisotila e a pesquisadora Fernanda Giannasi também recebeu moção de apoio de associações das vítimas do amianto do Brasil e de outros países. Há ainda alguma discussão acerca dos danos do amianto à saúde e ao ambiente?

Castro: Não existe nenhuma dúvida de que o amianto é um mineral lesivo à saúde. Segundo o critério 203 da OMS a exposição ao amianto crisotila aumenta o risco de câncer de pulmão, mesotelioma e asbestose e não há limite seguro para exposição. Sem limite seguro não é possível haver controle da exposição, o que coloca em risco trabalhadores e população. Principalmente no consumo, onde o controle dentro da fábrica não é reproduzido para a população. Desta forma, a população se torna vulnerável e sob risco do adoecimento.

 

O Ministério Público da 9a Vara do Trabalho, em São Paulo, ajuizou uma ação que pode custar R$ 1 bilhão à Eternit, a título de indenização por doenças pelo uso de amianto. Até que ponto essas indenizações por parte justiça do trabalho podem ajudar na luta pela proibição do amianto?

Castro: Essas condenações, como a que ocorreu contra a Eternit na Itália em 2012, são um grande incentivo para a luta pelo banimento. Quanto mais for divulgado para a sociedade sobre os malefícios do amianto, mais difícil se torna a manipulação da opinião pública pelas grandes empresas que alegam que a utilização racional do amianto é segura.

 

Há algumas décadas, as empresas trabalhavam livremente com o amianto. Nos últimos anos, porém, o Supremo Tribunal Federal, por exemplo, tem discutido os riscos do amianto na extração, industrialização e comercialização do amianto. Quais os avanços deste então? 

Castro: O processo ainda se encontra no STF para julgamento, mas a redução no consumo brasileiro se deu muito mais pela informação sobre os males do amianto. Este é um ponto fundamental, o esclarecimento sobre os danos contribuem enormemente para que o consumidor escolha materiais no mercado sem amianto.

 

Em Minaçu, Goiás, encontra-se a única mina de amianto do Brasil, Cana Brava, controlada pela SAMA Mineração de Amianto, do grupo Eternit. Grande parte dos trabalhadores da cidade faz parte do quadro de empregados da mina. No caso do banimento, qual o debate em torno da solução para a dependência econômica da cidade a essa mineradora?

Castro: Com certeza o município sofreria um grande impacto econômico. O que não justifica o risco à saúde da população da cidade e ao país, além dos trabalhadores diretos da mina, todos expostos aos perigos do amianto. Há que se planejar em conjunto, com municípios, Governo Federal, de Goiás e os ministérios, alternativas para realocação dos trabalhadores diretos em novas atividades econômicas e incentivos a práticas sustentáveis e sem riscos à saúde.

 

A Organização Mundial da Saúde e a Organização do Trabalho chamaram atenção para o que seria uma ‘catástrofe sanitária’ se o uso e comercialização do amianto continuarem em vários países. O senhor concorda com esta avaliação?

Castro: Concordo, como já dito anteriormente, o período de latência para as doenças relacionadas ao amianto pode ser de décadas. Quanto mais utilizarmos o mineral, seja pela mineração, comercialização, exportação, maior será a incidência de doenças relacionadas ao amianto no futuro. Alguns estudos mostram que em países que aumentaram o uso do mineral, houve um aumento no número de casos de mesotelioma três décadas depois.

Informe Ensp/AFN, publicado pelo EcoDebate, 22/04/2014

‘Não existe nenhuma dúvida de que o amianto é um mineral lesivo à saúde’


Entrevista com Hermano Castro, Ensp/Fiocruz

                                  Imagem de pulmão de paciente com asbestose, uma das doenças causadas pelo amianto. Foto. Agência Fiocruz de Notícias (AFN)
Imagem de pulmão de paciente com asbestose, uma das doenças causadas pelo amianto. Foto. Agência Fiocruz de Notícias (AFN)

 

“Não existe nenhuma dúvida de que o amianto é um mineral lesivo à saúde. Segundo o critério 203 da OMS a exposição ao amianto crisotila aumenta o risco de câncer de pulmão, mesotelioma e asbestose e não há limite seguro para exposição”. A afirmação é do diretor da Escola Nacional de Saúde Pùblica (Ensp/Fiocruz) e especialista no tema, Hermano Castro. Em entrevista para o site do Centro Colaborador em Vigilância Sanitária (Cecovisa) da Ensp, Castro comenta os esforços brasileiros pelo banimento deste mineral, aborda as principais doenças relacionadas ao amianto, além de destacar os principais riscos ao meio ambiente.

 

O amianto foi proibido (uso, extração e comercialização) por 66 países, entre eles a Argentina, o Chile e o Uruguai. No Brasil, os esforços das instituições de saúde e ambientais pelo banimento do amianto se propagam em legislações estaduais e municipais. Quais as reais mudanças nos últimos anos e obstáculos encontrados para a sua proibição?

Hermano Castro: Infelizmente não temos uma Lei de banimento do amianto em nível nacional. Movimentos sociais locais têm conseguido discutir e aprovar lei municipal e Estadual que reduzem o uso do amianto, mas não tem sido suficiente para sensibilizar o Congresso Nacional. Atualmente encontra-se na pauta do STF ações sobre o amianto que podem, se aprovadas, garantir o seu banimento em todo território nacional. Hoje o principal obstáculo é o poder econômico que envolve toda a cadeia produtiva. O Brasil é o terceiro produtor de amianto com uma única mineração, situada em Goiás, que garante a produção, principalmente de telhas de amianto.

 

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima haver 125 milhões de trabalhadores em todo o mundo expostos aos efeitos do amianto e a ocorrência de cem mil as mortes anuais causadas pelo amianto. Quais as principais doenças relacionadas ao amianto e qual a expectativa para os anos futuro?

Castro: As principais doenças relacionadas ao amianto são a asbestose, um tipo de fibrose pulmonar, irreversível e sem tratamento específico; os acometimentos pleurais: placas, calcificações, espessamento e derrame pleural; câncer de pulmão, mesotelioma e alterações funcionais respiratórias. Como o período de latência entre a exposição e o surgimento da doença pode ser de décadas: 3 a 4 décadas para o mesotelioma, por exemplo, mesmo com o banimento do amianto, ainda teríamos o surgimento de casos nos próximos 40 anos, refletindo a exposição ao mineral.

 

Além dos funcionários da empresa que utilizam o amianto como matéria-prima e que ficam expostos diretamente ao mineral, quais os riscos para as pessoas próximas – família, por exemplo, deste trabalhador?

Castro: Atualmente as empresas que utilizam o amianto realizam a própria lavagem das roupas, porém, durante muitos anos os familiares foram expostos ao mineral, com o aparecimento de muitos casos de doenças entre familiares, gerados pelo contato com o amianto trazido nas roupas dos trabalhadores.

 

E quais os reais riscos do amianto para o meio ambiente?

Castro: A degradação ambiental causada pela extração do mineral é uma realidade nas regiões de mineração. Além disso, o descarte inapropriado de materiais a base de amianto (telhas, caixas d água, passivo industrial) pode contaminar o solo e colocar em risco a saúde da população que entra em contato inadvertidamente com o material. Atualmente existe um resolução Conama 348 que considera o amianto resíduo perigoso e deve ter procedimento especial para o descarte. Alguns estudiosos consideram o mesotelioma (câncer de pleura relacionada ao amianto) um marcador de exposição ambiental, uma vez que um elevado percentual de mesoteliomas, alguns estudos chegam até 50% de casos, não tem relação com exposição ocupacional. O mesotelioma não tem relação de dose-resposta, ou seja, o câncer pode aparecer independente da dose de exposição, o que pode ser atribuída a exposição ambiental.

 

Existem movimentos sociais pelo banimento do amianto, inclusive de ex-trabalhadores, vítimas do amianto. Há um debate em torno dos danos e das pesquisas realizadas. O senhor sofreu interpelação judicial pelo Instituto Brasileiro de Crisotila e a pesquisadora Fernanda Giannasi também recebeu moção de apoio de associações das vítimas do amianto do Brasil e de outros países. Há ainda alguma discussão acerca dos danos do amianto à saúde e ao ambiente?

Castro: Não existe nenhuma dúvida de que o amianto é um mineral lesivo à saúde. Segundo o critério 203 da OMS a exposição ao amianto crisotila aumenta o risco de câncer de pulmão, mesotelioma e asbestose e não há limite seguro para exposição. Sem limite seguro não é possível haver controle da exposição, o que coloca em risco trabalhadores e população. Principalmente no consumo, onde o controle dentro da fábrica não é reproduzido para a população. Desta forma, a população se torna vulnerável e sob risco do adoecimento.

 

O Ministério Público da 9a Vara do Trabalho, em São Paulo, ajuizou uma ação que pode custar R$ 1 bilhão à Eternit, a título de indenização por doenças pelo uso de amianto. Até que ponto essas indenizações por parte justiça do trabalho podem ajudar na luta pela proibição do amianto?

Castro: Essas condenações, como a que ocorreu contra a Eternit na Itália em 2012, são um grande incentivo para a luta pelo banimento. Quanto mais for divulgado para a sociedade sobre os malefícios do amianto, mais difícil se torna a manipulação da opinião pública pelas grandes empresas que alegam que a utilização racional do amianto é segura.

 

Há algumas décadas, as empresas trabalhavam livremente com o amianto. Nos últimos anos, porém, o Supremo Tribunal Federal, por exemplo, tem discutido os riscos do amianto na extração, industrialização e comercialização do amianto. Quais os avanços deste então? 

Castro: O processo ainda se encontra no STF para julgamento, mas a redução no consumo brasileiro se deu muito mais pela informação sobre os males do amianto. Este é um ponto fundamental, o esclarecimento sobre os danos contribuem enormemente para que o consumidor escolha materiais no mercado sem amianto.

 

Em Minaçu, Goiás, encontra-se a única mina de amianto do Brasil, Cana Brava, controlada pela SAMA Mineração de Amianto, do grupo Eternit. Grande parte dos trabalhadores da cidade faz parte do quadro de empregados da mina. No caso do banimento, qual o debate em torno da solução para a dependência econômica da cidade a essa mineradora?

Castro: Com certeza o município sofreria um grande impacto econômico. O que não justifica o risco à saúde da população da cidade e ao país, além dos trabalhadores diretos da mina, todos expostos aos perigos do amianto. Há que se planejar em conjunto, com municípios, Governo Federal, de Goiás e os ministérios, alternativas para realocação dos trabalhadores diretos em novas atividades econômicas e incentivos a práticas sustentáveis e sem riscos à saúde.

 

A Organização Mundial da Saúde e a Organização do Trabalho chamaram atenção para o que seria uma ‘catástrofe sanitária’ se o uso e comercialização do amianto continuarem em vários países. O senhor concorda com esta avaliação?

Castro: Concordo, como já dito anteriormente, o período de latência para as doenças relacionadas ao amianto pode ser de décadas. Quanto mais utilizarmos o mineral, seja pela mineração, comercialização, exportação, maior será a incidência de doenças relacionadas ao amianto no futuro. Alguns estudos mostram que em países que aumentaram o uso do mineral, houve um aumento no número de casos de mesotelioma três décadas depois.

Informe Ensp/AFN, publicado pelo EcoDebate, 22/04/2014

Agrotóxicos perigosos


Agências da ONU apresentam plano para reduzir danos causados por agrotóxicos perigosos

 

A Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) e a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicaram novas diretrizes com o objetivo de reduzir os danos causados pelos agrotóxicos, que representam um risco elevado para a saúde humana e o meio ambiente.

A reportagem foi publicada por ONU Brasil, 23-05-2016.

A Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) e a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicaram novas diretrizes com o objetivo de reduzir os danos causados pelos agrotóxicos, que representam um risco elevado para a saúde humana e o meio ambiente.

Os produtos com toxicidade aguda são os responsáveis por um elevado número de casos de intoxicação imediata, sobretudo nos países em desenvolvimento, enquanto os produtos com efeitos tóxicos crônicos podem provocar câncer ou transtornos de desenvolvimento em crianças em fase de crescimento.

Nos países industrializados, não se permite o uso dos chamados “agrotóxicos muito perigosos” ou sua utilização é restrita. No entanto, estes continuam sendo fáceis de conseguir nos países em desenvolvimento. Além disso, mesmo os produtos perigosos que ainda são permitidos nos países industrializados podem causar graves problemas no mundo em desenvolvimento, onde as circunstâncias em que são utilizados podem ser muito diferentes.

Particularmente, os pequenos agricultores nos países em desenvolvimento não utilizam equipamento de proteção necessário, e frequentemente usam pulverizadores de mochila que representam um alto risco à saúde. Limitar a utilização desses produtos muito perigosos acaba sendo difícil, sendo empregados de forma generalizada por pessoas não qualificadas. Entre as possíveis consequências, estão numerosos casos de intoxicação, contaminação de alimentos e danos ambientais.

Localizar os responsáveis

Um grupo relativamente pequeno de praguicidas muito perigosos costuma ser a causa da maior parte das intoxicações. Em muitos casos, esses agrotóxicos podem ser substituídos por produtos menos perigosos ou pelo manejo integrado de pragas, que tem como objetivo reduzir a dependência de produtos químicos.

As diretrizes oferecem um caminho para ajudar os países a identificar e gerir os praguicidas mais perigosos. Também auxiliam na realização de inventários, avaliação dos riscos e das necessidades reais, e na adoção de medidas para mitigar riscos.

Em muitos casos, será necessário retirar o produto de forma gradual, mas quando não existem boas alternativas, poderão ser consideradas outras medidas para mitigar riscos. As condições locais de uso e a viabilidade das medidas de controle devem ser um fator importante na tomada de decisões.

FAO também lançou um conjunto de ferramentas para o Registro de Praguicidas para ajudar os governos a realizar avaliações de perigos e riscos, como parte de seu processo nacional de aprovação de praguicidas. Esse kit também pode ser utilizado para reavaliar produtos que foram aprovados no passado, mas que atualmente são considerados muito perigosos.

Ação global unificada

O impulso para melhorar a governança dos agrotóxicos intensificou-se no ano passado quando a Conferência Internacional sobre a Gestão de Produtos Químicos aprovou em nível internacional uma resolução pedindo uma ação unificada para fazer frente aos agrotóxicos muito perigosos. A FAO e a OMS deram assessoramento para avançar neste tema.

Foi feito um pedido para que governos utilizem as novas diretrizes e o conjunto de ferramentas para revisar suas atuais listas de agrotóxicos autorizados, com o objetivo de identificar aqueles que são muito perigosos e tomar as medidas necessárias para reduzir os riscos dos usuários, dos consumidores e do meio ambiente.

Fonte: IHU

Por uma vida ao ar livre: Fit Cities debaterá impacto da cidade na saúde


             

 

*Colaborou Jéssica Miwa

Como inventar estilos de vida mais ativos nas grandes cidades? Para debater o assunto, no dia 16/04, às 9h, o núcleo USP Cidades e o movimento Cidade Ativa* realizarão o encontro Fit Cities sobre os impactos causados pelas metrópoles na saúde da população.

Problemas como obesidade, hipertensão e diabetes, entre outras doenças causadas ou agravadas pela poluição, serão os principais temas do evento.

Quando se pensa em saúde, imaginamos hospitais, tratamento, medicação e etc. Não é este o foco da Fit Cities. O objetivo é moldar uma cidade mais ativa, inclusiva e sustentável, além de construir uma concepção mais ampla do que determina nosso estado de saúde corporal e mental.

Karen Lee e Skye Duncan, especialistas de departamentos públicos da cidade de Nova York, estarão presentes no debate sobre qualidade do espaço público e das áreas verdes.

Para participardo Fit Cities, basta se inscrever no site do USP Cidades.

*Cidade Ativa

 Fonte: Planeta Sustentável

Promoção de uma agricultura amigável


Informação, protagonismo social e políticas públicas na promoção de uma agricultura amigável. Entrevista especial com Leonardo Melgarejo

 

"Não aos agrotóxicos, não aos transgênicosnão à comida que causa doenças"alerta o engenheiro agrônomo.

 

Foto: vivavistaalegre.com.br
 

O imaginário construído em torno das políticas agrícolas brasileiras reforça a ideia de que a única possibilidade de gerar produção suficiente para abastecer o país e o mercado de exportação é o modelo de monocultura de latifúndio, que é sustentado pelo uso de agrotóxicos. De acordo comLeonardo Melgarejo, a importância das discussões sobre esse tema é desconstruir esse pensamento e mostrar que não há base científica para a manutenção desse sistema agrícola dominante que causa profundos danos ao meio ambiente e à saúde. “A mudança é inexorável: não há razão técnica para que nossa sociedade continue induzindo mães a levarem para seus filhos comida com veneno”, ressaltou em entrevista por e-mail à IHU On-Line.

 

Munida de informação, a população tem a possibilidade de tomar decisões mais sustentáveis na escolha de seus alimentos e pressionar por mudanças. Assim, segundo o pesquisador, também “o debate sobre os agrotóxicos é importante, porque ajuda a construir consciências e formar cidadãos dispostos a ir além do papel de consumidores passivos”.

Leonardo Melgarejo é graduado em Engenharia Agronômica e mestre em Economia Rural pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, e doutor em Engenharia de Produção pela Universidade de Santa Catarina – UFSC. Atualmente é engenheiro agrônomo da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural, membro do Grupo de Estudos em Agrobiodiversidade e coordenador do GT Agrotóxicos e Transgênicos da Associação Brasileira de Agroecologia.

Melgarejo estará nesta segunda-feira, 24 de Agosto, na Unisinos São Leopoldo, ministrando a palestra Políticas Públicas para redução no uso de agrotóxicos e participando do Lançamento do "Dossiê Abrasco: um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde", durante o Seminário Agrotóxicos: Impactos na Saúde e no Ambiente, promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU em parceria com o PPG em Saúde Coletiva da Unisinos.

A entrevista foi publicada, originalmente, na revista IHU On-Line, no. 470.

Confira a entrevista.

 

Foto: Jornal Brasil de Fato
 

IHU On-Line – Qual é a importância do debate sobre o uso de agrotóxicos?

 

Leonardo Melgarejo – A sociedade precisa de informações para atuar de forma consciente, para exercer com eficácia seu poder de influência sobre as políticas públicas e sobre as alternativas apresentadas pelos mercados. As decisões de compra, mesmo em suas opções individuais mais simples, quando em conjunto, assumem enorme peso político. Atitudes coletivas, sociais, de rejeição a riscos podem alterar a oferta de produtos que causam problemas para a saúde. E osagrotóxicos se enquadram nesta moldura.

Brasil é o campeão mundial no uso de venenos agrícolasque causam diversos tipos de doenças, em boa parte do tipo incurável, apenas porque as pessoas acometidas pelas doenças não sabem que isso poderia ter sido evitado. E aqueles venenos também causam problemas sociais, incluindo-se entre as causas da crise financeira, porque passam pelo Sistema de Saúde Pública. Os produtores são afetados, o ambiente é afetado e os consumidores são afetados.

Os mais jovens e os mais velhos são as grandes vítimas e isso fragiliza a base estrutural de milhares de famílias rurais e urbanas. Embora seja verdade que estes venenos facilitam o manejo das grandes lavouras, não é real a crença de que nossa agricultura não pode viver sem eles, e que os pequenos agricultores se beneficiam de seu uso. Quemganha mesmo com isso são as indústrias de veneno, as empresas de propaganda e as redes de comunicação. E todos estes, de forma muito natural se empenham em ocultar informações que ajudariam a reduzir os problemas. Afinal, por que agiriam de outra forma, se existem pelo objetivo de maximizar lucros? Então, o debate sobre os agrotóxicos é importante porque ajuda a construir consciências e formar cidadãos dispostos a ir além do papel de consumidores passivos. Este debate constrói pontes e passagens que permitem ultrapassar o bloqueio imposto pela grande mídia, apontando as fragilidades da mitologia que dá sustentação ao modelo agrícola dominante, que é viciado em agrotóxicos.

O debate também possui efeito pedagógico na medida em que revela ao cidadão comum seu poder real, anunciando que ele cresce quando é orientado para necessidades coletivas, quando se soma aos interesses da maioria. No debate dos agrotóxicos o interesse da maioria é fugir dos venenos. E as empresas se preocupam ao perceber que nos últimos anos a indignação da sociedade já vence o medo de passar fome. A sociedade sabe que vem sendo enganada e orientada a agir contra seus próprios interesses. Até o Papa faz alertas neste sentido, pedindo mudanças de comportamento individual, para que o mundo se altere. Para isso, basta que a sociedade se assenhore de um fato básico: isto não precisa ser assim! Podemos produzir comida sem veneno e ela não precisa custar mais caro do que a comida envenenada que hoje encontramos em todos os supermercados. Para que isso mude, basta que a sociedade diga “não”. Não aos agrotóxicos, não aos transgênicos, não à comida que causa doenças. Estamos avançando neste rumo e os debates têm sido fundamentais neste sentido.

Podemos produzir comida sem veneno e ela não precisa custar mais caro do que a comida envenenada que hoje encontramos em todos os supermercados

IHU On-Line – O Brasil, desde 2008, é o maior consumidor de agrotóxicos no mundo. Que significado tem essa marca? Quais são as dificuldades de sair dessa posição?

Leonardo Melgarejo – Mais de 60% dos agrotóxicos jogados no território brasileiro caem sobre lavouras transgênicasde soja, milho e algodão. Estas lavouras são fonte de ganhos milionários para seis empresas que detêm patentes das sementes modificadas. A elas não interessa qualquer mudança, e elas influenciam sobre o que se decide nas assembleias legislativas, na câmara federal e no senado. Elas também influenciam sobre órgãos de fiscalização e agentes de governo. E pagam por campanhas milionárias, voltadas à formação de uma opinião pública favorável ao chamado “agronegócio”.

Existem ainda outros interesses internacionais que motivam agentes que operam a seu serviço, em nosso país. Estes, em conjunto, estão levando o Brasil rumo à “alternativa” de se consolidar como colônia exportadora de matérias simples, não transformadas. Um novo ciclo de exploração, como tantos que já vivemos no passado, onde a economia depende dos minérios aos grãos e de quase nada mais além disso. Para aqueles interesses, no que diz respeito à agricultura, as grandes lavouras, as monoculturas se revelam como principal alternativa para ocupação do território nacional, esvaziando o campo para implantar blocos uniformes que agridem a natureza, criam necessidades ampliadas para o uso de venenos. Sua proposta é de conter as reações da natureza em operações de guerra. Guerra química.

Só de glifosato, na safra de 2003 foram utilizados 187 milhões de litros, em sua maior parte jogados de avião. Conforme o Instituto Nacional do Câncer – INCA, neste caso (do glifosato), assim como em outros, estamos jogando de avião algo que causa câncer. Apenas uma terça parte do que os aviões agrícolas derramam no nosso território alcança o alvo. O resto envenena solos, águas, animais e pessoas. Quando falamos em câncer causado pelo consumo de um veneno que está no grão de milho, nos referimos apenas a uma pequeníssima quantidade daquela parcela da calda tóxica jogada de avião, que atingiu o alvo. Imaginem o resto.

A dificuldade para sair desta situação reside na ausência de políticas públicas que estimulem de forma relevante a transição de modelos produtivos e levem à expansão na oferta de alimentos limpos. Isso se dá desta forma porque a sociedade é mal informada e ainda não se fez consciente de que suas decisões de compra mudarão o que ocorre no Brasil. Este modelo agrícola foi criado com base em muitos anos de subsídios e estímulos, montanhas de recursos em créditos, pesquisas e apoio à comercialização. Com muito menos do que isso, com uma parcela daqueles esforços sociais, desde que orientados para a agroecologia, poderíamos construir uma agricultura pujante, amistosa com a natureza e eticamente responsável para com os consumidores dos produtos colhidos, onde alimentos deixariam de ser confundidos com mercadorias.

Acredito que a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica e o Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos – Pronara apontam caminhos para mudanças radicais, que, se implementadas, poderão retirar o Brasil desta posição incômoda, de “maior consumidor de agrotóxicos”. Infelizmente, mesmo depois de anunciadas, estas iniciativas continuam em disputa dentro do governo. Elas se chocam com os interesses daquelas empresas e dos políticos comprometidos com seus interesses. Sua consolidação e avanço efetivo dependem do apoio da sociedade e, portanto, da disseminação de informações que estimulem o protagonismo social, na luta contra os agrotóxicos.

“Não precisamos de um balde de veneno para contrair moléstias incuráveis”

 

IHU On-Line – Pesquisas indicam que cada brasileiro consome por ano uma média de 7,3 litros de agrotóxicos. No Rio Grande do Sul a média chega a 8 litros por ano. Por que esse número é maior no Estado?

Leonardo Melgarejo – Estes cálculos são realizados dividindo o volume aplicado pela população residente na área em questão. Assim, a média nacional é afetada por regiões como a Amazônia, onde ainda são utilizados pequenos volumes de venenos agrícolas. Mas vale lembrar que o Rio Grande do Sultambém apresenta heterogeneidades. Na região do Planalto, a média supera os 11 Kg per capita, e na região de Torres ela é inferior a sete.

Em outras palavras, quanto maior o avanço das lavouras transgênicas, quanto mais consolidado o agronegócio exportador de commodities, maior o uso de agrotóxicos, e quanto menor a densidade populacional, relativamente ao volume aplicado, maior a média de consumo.

Mas a situação é pior do que parece. Apesar de assustadores, estes números revelam algo ilusório, por pelo menos dois motivos. Primeiro porque o volume de contrabando não está considerado no cálculo do volume de venenosaplicados. E no Rio Grande do Sul ele é por demais expressivo. Então, talvez nossa média real supere os 12 litros. O segundo motivo está no fato de que não precisamos de um balde de veneno para contrair moléstias incuráveis. Basta uma “subdose”, algo muito inferior ao mensurável, para causar dano em uma célula e deflagrar, com o tempo, a emergência de tumores malignos.

IHU On-Line – O senhor poderia falar um pouco sobre o trabalho da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural – Agapan?

Leonardo Melgarejo – A Agapan trabalha com acompanhamento de temas associados à preservação do ambiente natural e da qualidade de vida. Faz isso há mais de 40 anos, e vem construindo credibilidade por conta da consistência de suas posições. Estudamos os assuntos de nosso campo de interesse e estamos seguros de que nossas posições se alicerçam no conhecimento científico mais atualizado. Por isso nos sentimos à vontade para defender os argumentos que divulgamos, em qualquer instância. E como organização não governamental, sem fins lucrativos, fazemos isso com intuito de contribuir para o desenvolvimento da sociedade, levando em conta perspectivas de longo prazo. Nosso principal papel é este: estudar, compreender e informar para auxiliar a sociedade a interpretar e reagir a problemas que se avolumam, desde seu início, antes que se transformem em dramas coletivos ou crises sem solução.

IHU On-Line – De que forma o senhor avalia a atuação do Programa Nacional de Redução do Uso de Agrotóxicos – Pronara? O que representam os resultados obtidos?

Leonardo Melgarejo – O Pronara ainda está em disputa. O principal resultado obtido, até o momento, diz respeito à sua própria existência. Sua construção, como proposta, é fruto de ampla articulação envolvendo diversos ministérios e várias organizações sociais, do campo e da cidade. Para que se tenha uma ideia, até o Ministério da Agricultura e aEmbrapa participaram de sua formulação. Neste sentido, o Pronara é exemplo de êxito em termos de formulação porque representa amplo acordo político, voltado ao possível, onde todas as partes abriram mão de expectativas idealizadas. Porém, e ainda assim, as reações se avolumam, inclusive dentro do próprio governo e com liderança do próprio ministério da agricultura. O Pronara deve ser defendido pela sociedade, ou não terá sobrevida e não será possível que alcancemos, como nação, os objetivos ali acordados.

 

“Não há razão técnica para que nossa sociedade continue induzindo mães a levarem para seus filhos comida com veneno”

IHU On-Line – De que maneira o senhor vê o Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica? Como ele tem sido uma alternativa ao uso de agrotóxicos?

Leonardo Melgarejo – O Pronara, antes referido, se trata de uma condição necessária ao sucesso do Planapo. O plano prevêincentivos à produção orgânica, que são fundamentais para o sucesso da implantação de novos sistemas produtivos. São essenciais, mas não são suficientes. Quando se estimula produção de base agroecológica sem observar o que se passa no mundo dasmonoculturas sustentadas por uso massivo de sementes transgênicas e agrotóxicos, surgem contradições que exigem medidas específicas, para serem superadas.

Observemos o caso da pulverização aérea de agrotóxicos. Conforme as condições do vento e de umidade do ar, as partículas podem se deslocar por quilômetros… Observemos o caso das relações de evaporação e precipitação de agroquímicos, como o glifosato: sua aplicação massiva gera, por estes processos de evaporação-condensação e precipitação, verdadeiras chuvas de veneno que ameaçam qualquer tentativa de produção orgânica, independente das medidas de controle que venham a ser implementadas. Observemos o fato de que os agrotóxicos são isentos de impostos e têm sua utilização estimulada na maioria dos estados, enquanto produtos de base agroecológica e a liberação de insetos para controle biológico se mostram onerosos e dificultados. Observemos o amplo desconhecimento de produtores, consumidores e mesmo de legisladores e membros do judiciário, quanto a particularidades relacionadas aos venenos agrícolas e seu uso. Levemos em conta as facilidades de registro de agrotóxicos, o baixo custo e a quase ausência de reavaliações, e perceberemos um vasto emaranhado de condições e mecanismos que dão estímulo e suporte ao uso de agrotóxicos.

Portanto, o sucesso do Planapo exige enfrentamento àqueles mecanismos. E esta é a missão do Pronara: orientar medidas para a redução das facilidades que estimulam o uso de venenos e abrir espaço para o avanço da consciência social e das iniciativas que ampliarão a produção orgânica e de base agroecológica.

O Planapo precisa do Pronara, assim como este precisa do protagonismo social, que, por sua vez, depende do acesso a informações e dos debates sobre o uso de agrotóxicos e suas implicações. O papel do Instituto Humanitas Unisinos – IHU é muito relevante neste sentido, e tem sido desempenhado de acordo com a responsabilidade social e os valores éticos que o definem.

Agapan reconhece este papel e lhe atribui enorme relevância. Acreditamos que a persistência do IHU e a ação dos cidadãos que aqui se formam farão a diferença nesta luta que é de todos, e que ainda se estenderá por décadas. Basta persistirmos. A mudança é inexorável: não há razão técnica para que nossa sociedade continue induzindo mães a levarem para seus filhos comida com veneno. Não há justificativa para que esta informação se mantenha oculta e não há razão para que, sendo conhecida, se faça ignorada.

Por Leslie Chaves

Fonte: IHU