Como nascem os lixões no Brasil


Mais do que mais prazo, porém, o que talvez as cidades precisem é entender as causas do problema para atacá-lo. (Pixabay)

Passados quase cinco anos do prazo dado pela Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) para o fim dos lixões no Brasil, que venceu em julho de 2014, cerca de metade dos municípios brasileiros ainda destina seus resíduos incorretamente. E, na semana que passou, durante a marcha de prefeitos a Brasília, parte deles voltou a pleitear um novo adiamento do prazo ao Congresso.

Mais do que mais prazo, porém, o que talvez as cidades precisem é entender as causas do problema para atacá-lo. É o que sugere um estudo elaborado pelo Sindicato Nacional das Empresas de Limpeza Urbana (Selurb) que analisou os fatores que tornam as cidades mais propensas a adequarem corretamente seus resíduos ou não. O trabalho, divulgado com exclusividade pelo jornal O Estado de São Paulo, revela como surgem os lixões no Brasil.

Os pesquisadores desenvolveram um modelo matemático que analisou fatores socioeconômicos que podem ter mais impacto na capacidade da cidade de lidar com o lixo e concluíram que três são os mais significativos: índice de crianças matriculadas na escola; independência financeira do município e densidade populacional. É relevante ainda a existência ou não de taxas específicas de limpeza urbana.

O trabalho considera a base de dados do Índice de Sustentabilidade da Limpeza Urbana (Islu), criado em 2016 pelo Selurb para mensurar o grau de aderência das cidades às metas e diretrizes fixadas pela política nacional. Da edição anterior do levantamento, de 2018, participaram 3.374 cidades – 53% ainda têm lixões.

Entre aquelas que fazem a destinação correta dos resíduos, a média de crianças entre 6 e 14 anos matriculadas na escola é de 87,26%. Já nos municípios com lixões, a taxa cai para 84,9%. A densidade populacional dos primeiros é de 264,40 hab/km², já dos segundos, de 78,55 hab/km².

O gasto com limpeza urbana no orçamento também difere consideravelmente: a média é de R$ 534,10/mês nas cidades com destinação adequada, ante R$ 73,50 nas com lixão. Em relação à participação das transferências intergovernamentais na receita do município é de 79,14% ante 90,82%, respectivamente.

“Basicamente, quanto menos educação, maior dependência de repasses estaduais e federais e menor densidade demográfica (ou concentração urbana – municípios com área muito grande e população espalhada), mais vulnerável está o município ao surgimento de lixões”, resume o economista Jonas Okawara.

Um exemplo do que indica o estudo é Resende, no Rio, onde os indicadores educacionais e de dependência financeira não são bons. A cidade até possui economia de escala, com 115 hab/km², mas seus gastos com limpeza urbana são de R$ 14 por habitante por mês. A cidade ainda destina seus resíduos para um lixão (leia mais sobre a cidade abaixo).

Na outra ponta está Joinville, que faz a destinação correta dos resíduos: 96% das crianças estão matriculadas; a dependência de recursos intergovernamentais é baixa (44%); a densidade populacional é de R$ 512 hab/km² e, juntando orçamento com taxa de lixo, o valor por habitante é de R$ 22/mês.

Há, no entanto, exceções ao modelo. É o caso de Macaé (RJ), sede das operações da Petrobras na Bacia de Campos. Apesar de ter indicadores muito bons – 99% de crianças matriculadas; 44% de dependência financeira; 200 hab/km2 e um gasto de R$ 31,5 por hab/mês com limpeza urbana -, a cidade ainda destinava seus resíduos para um lixão até o ano passado. Desde o início de 2019 no entanto, a destinação final dos detritos é um aterro sanitário, conforme preconizado.

Soluções

O trabalho também aponta soluções: o aumento em 10% no número de crianças matriculadas nas escolas pode diminuir em 3,6% a probabilidade das cidades destinarem os seus resíduos em lixões. Já o aumento de 1.000 hab/km² pode diminuir em 2,1% essa probabilidade.

Com isso, diz Okawara, ganha-se em escala econômica, tornando mais viável a coleta. Outra sugestão já conhecida é a adoção de consórcios entre cidades vizinhas pequenas para compartilhar os custos e viabilizar o serviço. Por outro lado, o aumento da dependência das transferências intergovernamentais em mais 10% acresce a probabilidade de a cidade destinar resíduos inadequadamente em 10,6%.

“Quanto maior essa dependência, maior a chance de ter lixão. Para ter a destinação adequada é preciso ter condições de fazer o custeio operacional para manter a operação. Se não tem autonomia para fazer a gestão, isso facilmente pode se deteriorar. Há cidades que chegaram a fazer aterros sanitários e começar a fazer a destinação correta, mas quando perdeu essa autonomia, rapidamente voltou a ter lixão”, diz Okawara.

Turística, Resende tem descarte irregular

Resende é considerado um dos mais importantes municípios do interior do Rio. Sede do maior complexo militar da América Latina – a Academia Militar das Agulhas Negras -, da única indústria de enriquecimento de urânio do Brasil e da maior fábrica de caminhões do País, o município é também uma referência regional no turismo; perdendo apenas para a capital em número de visitantes.

Em contraste com a aparente pujança, porém, a cidade guarda uma alta dependência de recursos intergovernamentais (63%). E tem índices educacionais abaixo do esperado: 83% das crianças entre 6 e 14 anos estão na escola – os dois fatores tornam a cidade mais propensa a não ter um descarte adequado de resíduos sólidos como sugere o estudo do Serlurb (leia mais na pág. ao lado). De fato, Resende convive com um lixão.

“O lixão é uma armadilha porque, embora aparentemente seja uma solução mais barata, acaba saindo caro a médio e longo prazo”, explica o pesquisador da Coppe/UFRJ Luciano Basto Oliveira, especialista em resíduos sólidos e planejamento energético. “Os maiores riscos são o da contaminação do solo e do lençol freático (com eventuais problemas de saúde para a população). Estudo da Organização Mundial de Saúde mostra que metade dos leitos hospitalares do mundo são ocupados por doenças relacionadas à falta de saneamento básico.”

Desde 2007, uma ação civil pública pede o fechamento do lixão que fica na área rural do município e recebe diariamente 100 toneladas de detritos não só de Resende, mas também de Penedo e Visconde de Mauá.

O presidente da Agência do Meio Ambiente de Resende, Wilson Moura, afirmou que o lixão está em processo de encerramento das atividades, o que deve acontecer em, no máximo, três meses. Segundo Moura, o município já licitou e contratou a Central de Tratamento de Resíduos de Barra Mansa para receber os resíduos de Resende.

“Em geral, a grande dificuldade de solucionar o problema está na necessidade de atender às questões ambientais, sociais (catadores de lixo) e econômicas”, disse. “E para a construção de novos aterros, centrais de tratamento ou usinas são necessários diversos estudos que atendam a processos morosos de licenciamento ambiental.”

Dificuldades

Analista técnica da Confederação Nacional de Municípios, a geógrafa Cláudia Lins explica que o aterro sanitário é uma estrutura cara, de operação e manutenção complexas e que só é viável economicamente para municípios com mais de 100 mil habitantes. Ela lembra que 90% dos municípios do País tem menos de 50 mil habitantes e que tais diferenças regionais deveriam ser levadas em conta no momento de se fazer exigências no descarte de resíduos.

“A política pública de resíduos sólidos é de competência comum de União, Estados e municípios. Ou seja, União e Estado devem dar apoio financeiro ao município para que o serviço seja prestado”, disse. “Vivemos num País com desigualdades socioambientais enormes, em que todos os municípios são tratados como iguais. A realidade de São Paulo não é a mesma de qualquer outro Estado de Norte e Nordeste, por exemplo. Como fazer gestão de resíduos da mesma forma? A lei tem que dar condições diferenciadas para ser cumprida nos municípios menores. E a única alternativa da lei é a do aterro sanitário.

Aterros regionais diminuíram o problema no MS

O seminário vai destacar um caso de sucesso desenvolvido no Mato Grosso do Sul a partir do Projeto Resíduos Sólidos – Disposição Legal. A parceria criada em 2015 entre o Ministério Público do Meio Ambiente e o Tribunal de Contas do Estado teve foco em implantar fontes de arrecadação específicas para custear os serviços de limpeza urbana e promover acordos regionais para viabilizar a atividade por meio de ganho de escala, além de acordos para tramitações de processos judiciais relacionados ao tema.

Quando o projeto teve início, 80% das 79 cidades destinavam seus resíduos para lixões. Hoje são 41%. Em volume de resíduos, 75% do que é gerado nas residência hoje vai para aterros sanitários regionalizados. Em 2015, apenas três cidades possuíam algum modelo de cobrança pelo serviço de limpeza urbana. Hoje são 20.

“Ainda há muito o que caminhar, mas percebemos que sem uma união de esforços isso não seria possível. A arrecadação específica e a regionalização dos aterros são fundamentais para o Brasil resolver esse problema”, conta o promotor Luciano Loubet, diretor do Núcleo Ambiental do Ministério Público do Mato Grosso do Sul.

Agência Estado

No Brasil, agrotóxicos têm futuro garantido


A quantidade de princípios ativos dos agrotóxicos comercializados no Brasil quase dobrou entre 2009 e 2017, chegando a quase 540 mil toneladas. (AFP)

No Brasil, maior mercado mundial de agrotóxicos, o governo Bolsonaro pretende impulsionar a venda de novos produtos fitossanitários para impulsionar ainda mais o desempenho do agronegócio, combustível da economia do país.

Em três meses de exercício, o novo governo aprovou a colocação no mercado de 121 novos agrotóxicos, em média mais de um por dia, elevando para 2.149 o número de produtos autorizados em seu mercado nacional.

O ritmo não difere muito do início dos anos 2017 e 2018, quando os processos de homologação se aceleraram, mas o Ministério da Agricultura pretende aumentar ainda mais.

As últimas autorizações foram outorgadas a fabricantes de produtos com componentes que já estão no mercado, assim como para sua utilização em novas culturas, ou sua combinação com novos componentes químicos.

“Nosso principal objetivo é disponibilizar aos agricultores a maior quantidade possível de ferramentas, biológicas e químicas, e isso passa por decisões menos demoradas”, explicou à AFP Carlos Venâncio, coordenador-geral de agrotóxicos e produtos afins do Ministério da Agricultura.

Até o momento presente, embora a lei sugira um prazo de 120 dias, as autorizações para comercialização podem levar até oito anos.

“A demora no processo de registros prejudicava a concorrência e as possibilidades de inovação empresarial, prejudicando as produtores”, afirma Reginaldo Minaré, consultor de tecnologia da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA).

“O Brasil está apenas recuperando seu atraso”, considerou, acrescentando que “a diversificação do mercado é melhor para a produção agrícola, porque os produtores vão poder se beneficiar de agrotóxicos mais adaptados a um preço melhor”.

Maior mercado mundial de agrotóxicos

Desde 2008, o Brasil é o maior mercado mundial de agrotóxicos, de acordo com a Associação Brasileira de Saúde Coletiva.

Em 2017, as vendas no país atingiram US$ 8,9 bilhões, ou 18% do mercado mundial, segundo o Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para a Defesa Vegetal.

A quantidade de princípios ativos dos agrotóxicos comercializados no Brasil quase dobrou entre 2009 e 2017, chegando a quase 540 mil toneladas.

Uma tendência que preocupa os defensores do meio ambiente e da saúde.

Quase um terço dos ingredientes permitidos no Brasil são proibidos na União Europeia, aponta à AFP Larissa Mies Bombardi, pesquisadora do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo.

“A maioria das empresas que vendem esses produtos tem as sedes delas em países da União Europeia e exporta produtos proibidos lá para mercados mais permissivos, como o Brasil”, ressalta.

Três princípios ativos banidos da União Europeia desde 2007, 2003 e 1991, respectivamente, os herbicidas Paraquat e Atrazina e o inseticida Acefato, estavam entre os dez mais vendidos no Brasil em 2017.

Entre os autorizados recentemente, há também produtos à base de Imazetapir e Sulfentrazone, ambos proibidos na União Europeia por causa de sua toxicidade.

Prioridade ao agronegócio

Quanto ao controverso herbicida glifosato, campeão de vendas no mundo, a Agência Brasileira de Vigilância Sanitária (Anvisa) concluiu em fevereiro, após uma reavaliação de cerca de dez anos, que não apresentava risco à saúde humana, embora tenha sido classificado como “provável cancerígeno” por uma agência da Organização Mundial de Saúde (OMS).

“Essa decisão vai na contramão dos alertas observados em outros países. A agência foi influenciada por dentro. Em vez de promover uma agricultura mais sustentável, o governo promove a agenda ruralista, que quer colocar mais veneno no mercado”, estima Marina Lacôrte, engenheira agrônoma e especialista em agricultura no Greenpeace.

A ONG critica o projeto de lei PL 6.299/2002, apelidado de “Pacote do Veneno” por seus detratores, que deve ser submetido à votação do Congresso após ter sido aprovado por uma comissão especial no Senado no ano passado.

Defendido pela ministra da Agricultura, Tereza Cristina da Costa, ex-líder do lobby do agronegócio na Câmara dos Deputados, o texto pretende simplificar os controles dos produtos e confiar ao Ministério mais prerrogativas em sua homologação.

“Os organismos ligados aos Ministérios do Meio Ambiente e da Saúde, que também tinham poder decisório, vão virar consultivos. O texto também quer permitir registros temporários, se a análise da nova substância passar de dois anos, e quer permitir, entre outras coisas, o uso de agrotóxicos, cujo caráter cancerígeno foi provado, a partir do momento que não apresente um ‘risco inaceitável'”.

“Concordamos em colocar a sociedade em perigo”, lamenta Marina Lacôrte.

No Brasil, mais de 1.000 produtos fitossanitários aguardam homologação.

AFP

Negociações individuais em Brumadinho preocupam Ministério Público


Os acordos são celebrados de forma individual ou por grupo familiar. (Lucas Hallel/ASCOM/FUNAI)

Um termo de compromisso firmado há cerca de duas semanas entre a Vale e a Defensoria Pública de Minas Gerais preocupa o Ministério Público estadual. O documento estabelece procedimentos para realização de acordos extrajudiciais de indenização com pessoas atingidas pela tragédia de 25 de janeiro em Brumadinho, na região metropolitana de Belo Horizonte. Os acordos são celebrados de forma individual ou por grupo familiar.

“Nós sempre defendemos negociações coletivas, principalmente porque é um momento de negociação desigual. Haverá pessoas que se verão obrigadas a aceitar a proposta da Vale porque estão passando necessidade. A Vale se aproveita da situação criada pela tragédia que ele mesma provocou para fazer com que as pessoas aceitem acordos violadores. E depois que tiver vários acordos individuais, a empresa poderá apresentá-los à Justiça como padrão de indenização que deve ser aplicado a todos”, disse André Sperling, promotor do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG).

O termo de compromisso estabelece que o atingido procure a Defensoria Pública caso tenha interesse na negociação extrajudicial. A partir daí, o órgão solicita a proposta da mineradora. O cálculo da indenização é feito com base em uma tabela que contém os valores relativos a cada dano sofrido. A pessoa tem três dias para decidir se aceita o acordo. Se concordar, ainda pode manifestar arrependimento em até sete dias. Vencidos esses prazos, a Vale deve efetuar o pagamento em cinco dias.

“A Defensoria Pública criou essa tabela de valores a portas fechadas com a Vale. Eticamente é muito grave. É uma postura que não pode ser assumida. A Defensoria Pública está nesse processo ao lado do atingido ou ao lado da Vale? O certo, a meu ver, seria a Vale ter discutido em uma assembleia com os atingidos os parâmetros para a fixação dos valores, e aí ela estaria legitimada pela construção coletiva”, afirmou Sperling.

A tabela negociada entre a Defensoria Pública e a Vale é mantida em sigilo. O MPMG diz ter informações de que a mineradora também pretende usá-la para as reparações de danos em Macacos, um distrito de Nova Lima (MG), onde 269 pessoas tiveram de sair de casa devido ao risco de rompimento de outra barragem da Vale. “Em Macacos, ouvimos uma avó que se queixava da saudade dos netos, que deixaram de visitá-la porque estão com medo. Isso é muito grave. É um sofrimento imposto pela Vale. Há vários casos de parentes que foram obrigados a se distanciar. E ela está quantificando isso? Isto está na tabela?”, questionou o promotor.

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) já anunciou que homologará os acordos extrajudiciais que forem firmados. O assunto foi discutido na segunda-feira (15), em uma reunião dentre desembargadores e defensores públicos. “Os acordos a serem firmados pelas vítimas e seus familiares dizem respeito aos direitos individuais disponíveis e não lhes retiram qualquer direito futuro, inclusive os que venham a constar de eventuais acordos coletivos”, diz nota divulgada pelo tribunal.

A expectativa da Defensoria Pública de Minas Gerais é que os primeiros acordos possam ser homologados já a partir da próxima semana. Diante das críticas do MPMG, a Defensoria divulgou nota alegando que o acordo extrajudicial é apenas uma das possibilidades de reparação dos danos e não impede os atingidos de buscar seus direitos de outra forma. A nota lembra que, pela Consttuição, cabe à Defensoria Pública garantir orientação jurídica, promover os direitos humanos e defender os necessitados. O órgão tem autonomia e independência para atuar.

“A Defensoria Pública respeita a autonomia e a capacidade dos seus assistidos e garante que direitos não serão preteridos. Muito pelo contrário, acredita que a solução extrajudicial será capaz de garantir indenização condizente com a perda de cada um, em curto tempo, ou seja, de forma célere e efetiva”, acrescenta a nota.

A Vale também defende a legitimidade da Defensoria Pública na condução das negociações extrajudiciais. “A instituição presta assistência jurídica integral e gratuita a todos os cidadãos, com foco, entre outras coisas, na garantia do acesso à Justiça e no fomento à solução pacífica de conflitos sociais, sendo fundamental ao processo de efetivação de direitos”. Sobre as críticas do MPMG, a mineradora disse apenas que a tabela de valores é mantida em sigilo para resguardar a privacidade e a segurança dos atingidos.

A situação expôs a existência de divergências entre as instituições que até então vinham atuando de forma conjunta na reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão: o MPMG, o Ministério Público Federal (MPF), as Defensorias Públicas do estado e da União, e a Advocacia-Geral do Estado de Minas Gerais.

“Causou perplexidade em todos, porque estávamos buscando uma construção participativa junto com os atingidos. A negociação ocorreu paralelamente a audiências e reuniões que vínhamos realizando, sem que fôssemos informados. Se fosse algo bom, por que foi feito escondido? Por que não chamaram as demais instituições?”, questionou o promotor André Sperling.

Participação dos atingidos

A negociação coletiva, tal como propõe o MPMG, não significa que todas as indenizados terão os mesmos valores e sim que as pessoas pleiteiem seus direitos levando em conta parâmetros previamente definidos e conhecidos por todos. Tais parâmetros seriam construídos com a participação os atingidos, de forma a garantir o atendimento de suas necessidades.

Para o Ministério Público estadual, ao construir a tabela de valores a portas fechadas com a Vale, a Defensoria Pública repete o papel da Fundação Renova na tragédia de Mariana, ocorrida em 2015, com o rompimento de uma barragem da mineradora Samarco, joint venture da Vale e da BHP Billiton. Tal modelo é criticado tanto pelo Ministério Público estadual quanto pelo federal.

Outro questionamento é que os acordos extrajudiciais garantiriam apenas um alívio material imediato e abririam caminho para que a Vale não assuma compromissos com a restauração integral dos modos de vida. “Nem sabemos ainda a extensão dos danos. Nem sabemos quando o Rio Paraopeba poderá voltar a ser usado, quando os modos de vida e produção poderão ser restaurados. As pessoas vão continuar tendo prejuízos, e a Vale vai poder alegar que já indenizou, transferindo assim essa responsabilidade ao poder público”, disse Sperling.

Para o promotor, a preocupação imediata da mineradora deveria ser assegurar recursos financeiros que deem tranquilidade aos atingidos e criar melhores condições para o transcorrer das negociações. Atualmente, vigora um acordo que garante um pagamento emergencial mensal no valor de um salário mínimo por adulto, meio salário por adolescente e um quarto desse valor por criança. Segundo Sperling, tais repasses, embora melhorem o cenário, não garantem uma situação de estabilidade financeira para a maioria das famílias.

Justiça do Trabalho

Desde o dia 25 de janeiro, quando ocorreu o rompimento da barragem de rejeitos da Vale na Mina do Feijão, foram encontrados 230 corpos em Brumadinho. Segundo as informações mais recentes da Defesa Civil de Minas Gerais, divulgadas nesta quinta-feira (18), ainda estão desaparecidas 47 pessoas. Diversas vítimas eram trabalhadores da Vale ou terceirizadas que prestavam serviço à mineradora, razão pela qual a discussão das indenizações também é feita na Justiça do Trabalho.

No fim do mês passado, o Ministério Público do Trabalho (MPT) moveu uma ação para obrigar a Vale a desembolsar, a título de indenização por danos morais, no mínimo R$ 5 milhões para cada uma das famílias dos mortos. Somando-se os danos materiais, os valores pleiteados giram entre R$ 8 milhões e R$  9 milhões. Entre outros elementos, a definição desse montante levou em conta um documento interno da Vale, no qual se menciona uma metodologia que calcula em US$ 2,56 milhões o valor da vida para fins de indenização. Atualizado, o valor giraria em torno de R$ 10 milhões.

Na semana passada, um grupo de sindicatos que representam os trabalhadores da Vale e das terceirizadas também moveu uma ação coletiva. Ao todo, os sindicatos pedem R$ 5 bilhões como indenização pelos danos morais coletivos e sociais provocados pela mineradora, além de R$ 10 milhões para cada uma das famílias dos mortos e R$ 1 milhão para os empregados sobreviventes. De acordo com as entidades sindicais, a ação reforça diversos pedidos feitos pelo MPT e adiciona outros. Para definir valores, os sindicatos consideraram a divulgação do balanço do último trimestre de 2018 da Vale, que revela lucro de US$ 3,7 bilhões.

Investigações

Paralelamente às discussões em torno das indenizações, prosseguem as investigações da tragédia em Brumadinho. Em operação deflagrada terça-feira (16), a Polícia Federal recolheu celulares, pen drives e documentos durante o cumprimento de cinco mandados de busca e apreensão. Um dos alvos foi a residência de Fábio Schvartsman, presidente afastado da Vale desde o início do mês passado.

Não houve prisões. Três dos cinco mandados foram cumpridos em Belo Horizonte e em Nova Lima, na região metropolitana, um no Rio de Janeiro e um em São Paulo. Na capital paulista, o alvo foi a casa de Schvartsman. “As medidas visam a apreender documentos, mídias e outros elementos de convicção que guardem relação aos fatos apurados”, informou a PF em nota.

As investigações levaram à prisão de 13 investigados, mas todos já foram soltos. Destes, 11 são funcionários da Vale e dois são engenheiros da consultoria alemã Tüv Süd, responsável pelo laudo que atestou a segurança da estrutura que se rompeu.

Agência Brasil

Governo institui anistia prévia a criminosos ambientais


Decreto faz parte das comemorações dos 100 dias de governo Bolsonaro. (Alan Santos/PR)

Por Cristiane Prizibisczki

A promessa do presidente Jair Bolsonaro (PSL) de acabar com as multas ambientais e tirar o Estado do “cangote do produtor” caminhou mais um passo para sua concretização no dia 11 de abril. Na esteira de decretos publicados em edição extraordinária do Diário Oficial como parte das medidas de 100 dias de governo, o presidente alterou a legislação que dispunha sobre crimes ambientais no país e suas formas de compensação.

Na prática, o decreto nº 9.760 traz duas mudanças importantes na legislação anterior sobre o assunto: a criação de “núcleos de conciliação” para apurar a aplicação de multas ambientais, e modificação do programa de conversão de multas em projetos de restauração florestal.

“Núcleos de Conciliação”

Segundo o decreto nº 9.760, as infrações ambientais serão, a partir de agora, analisadas previamente por um “Núcleo de Conciliação Ambiental”. Isto significa que, antes mesmo de qualquer defesa do autuado, os núcleos de conciliação poderão analisar a multa para confirmá-la, ajustá-la ou anulá-la, caso se entenda que houve alguma irregularidade, após pronunciamento da Procuradoria-Geral Federal.

Caso o processo seja mantido, caberá a este núcleo explicar a multa ao autuado e apresentar soluções para encerrar o caso, como “desconto para pagamento, o parcelamento e a conversão da multa em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente”. Pelo decreto, os descontos podem chegar a 60%.

Atualmente, se um fazendeiro cometeu alguma infração ambiental, ele já pode recorrer administrativamente no Ibama e, caso perca, em outras quatro instâncias na Justiça. Com o novo decreto, o infrator ambiental ganhou mais uma facilidade: ele pode optar pela conciliação. Ao ser lavrado o auto de infração, o autuado será notificado a comparecer a uma audiência. Isso caso ele queira comparecer pessoalmente, já que o decreto prevê a conciliação até por meio eletrônico.

Para Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Preservação Ambiental (Proam), a criação dos “núcleos de conciliação” é, na verdade, uma medida de “anistia antecipada” às infrações ambientais e representa a falência funcional das instituições de fiscalização.

“O governo aponta para a impunidade. Primeiro porque sinaliza que o sistema instituído para multar carece de saneamento posterior, enquanto, na verdade, como poder público, ele deveria capacitá-lo para ser mais eficiente. Segundo, porque esses núcleos estão, pela lei, subordinados à indicação política do governo”, disse Bocuhy a ((o))eco.

Atualmente, apenas 5% dos cerca de R$ 3 bilhões em multas que o Ibama aplica anualmente são de fato pagas. Ao optar pela conciliação, a instrução do processo sancionador que levará à cobrança da multa é automaticamente suspensa até que a audiência de conciliação seja realizada. Caso o núcleo não aceite converter a multa em recuperação ambiental, como prevê o decreto, o infrator ainda poderá apresentar até três recursos no próprio Ibama ou recorrer à Justiça.

Com uma cifra de cerca de 14 mil infrações anuais aplicadas pelo órgão ambiental federal, resta saber como o “Núcleo de Conciliação” (ou núcleos) atenderá à demanda, de modo a “acelerar os processos ainda na fase inicial e resolver possíveis conflitos”, como o próprio governo defendeu, em nota, por ocasião da publicação do decreto.

“A eficiência do sistema de gestão ambiental estatal do Brasil está em jogo. Se o decreto nº 9.760 de 11 de abril vingar, o Brasil estará instituindo uma medida antiambiental, que representa o desmonte de um dos principais meios de prevenção ao crime ambiental com o qual a sociedade brasileira conta. Favorecerá especialmente os grandes devastadores, com reflexos negativos e riscos para os biomas brasileiros, intensificando as agressões e uso inescrupuloso e predatório das florestas, afetando a biodiversidade, a água, o solo, o ar e diminuindo a possibilidade do pacto intergeracional, pois afetará também as futuras gerações”, defendeu o Proam, em nota.

Conversão de multas

Outra medida do Decreto nº 9.760 é a suspensão da chamada “conversão indireta de multas”, criada em 2017 pela gestão Michel Temer e cujo conteúdo também era criticado por Bolsonaro e pelo Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.

A Bacia Hidrográfica do Rio Taquari, que nasce em Mato Grosso e vai desaguando até o estado de Mato Grosso do Sul, seria alvo do Chamamento Público do Programa de Conversão de Multas do Ibama. (Foto: Ubirajara Pires/Ibama)

A proposta original previa que grandes infratores recebessem um desconto caso aderissem a projetos de recuperação de áreas degradadas, com conversão direta ou indireta, sendo o desconto maior no segundo caso. A conversão indireta permitia a um autuado ter desconto de 60% em sua multa caso depositasse os 40% restantes para projetos de recuperação ambiental previamente selecionados pelo Ibama.

Essa medida foi tomada sob o argumento de que, desta forma, era possível viabilizar recursos de vários autuados e direcioná-los a um mesmo projeto, ganhando, desta forma, escala de recuperação.

O problema é que, nesta modalidade de conversão indireta, a implementação dos projetos ficava a cargo de terceiros, na maior parte Organizações Não Governamentais e, como se sabe, o atual governo não quer “dar dinheiro pra ONG”.

Bolsonaro e Salles sempre argumentaram que era melhor dar o desconto maior direto para o autuado. Então, o novo decreto estabelece que “os órgãos ou as entidades da administração pública federal ambiental poderão realizar procedimentos administrativos de competição para selecionar projetos apresentados por órgãos e por entidades públicas ou privadas, para execução dos serviços em áreas públicas ou privadas”. Isto é, agora, o decreto permite que as próprias empresas que infringirem a lei ambiental tenham seus próprios projetos de recuperação.

A conversão indireta – o que inclui projetos de ONGs – não foi extinta, mas está suspensa, já que o novo decreto suprimiu regras de como essa modalidade passará a ser operacionalizada a partir de agora, remetendo o tema a regulação futura.

((o))eco, 14-04-2019.

Natureza sobrevive: abelhas de Notre-Dame escaparam de incêndio


Foto de 18 de abril de 2019 mostra lateral da catedral de Notre-Dame em Paris (AFP)

As 200.000 abelhas das colmeias de Notre-Dame sobreviveram ao incêndio que devastou o telhado da catedral na segunda-feira.

“As abelhas estão vivas. Até esta manhã não tinha notícias”, disse à AFP o apicultor Nicolas Géant que se ocupa das colmeias de Notre-Dame localizadas na sacristia, ao lado do templo.

“No começo eu pensei que as três colmeias haviam queimado, não tinha nenhuma informação. Mas então eu vi pelas imagens de satélite que elas não tinham sido atingidas e o porta-voz da catedral confirmou que as abelhas estavam entrando e saindo de suas colmeias normalmente”, acrescentou.

Géant recebeu mensagens e ligações de todo o mundo de pessoas perguntando se as abelhas haviam morrido no incêndio.

“Foi inesperado. Recebi telefonemas da Europa, claro, mas também da África do Sul, Japão, Estados Unidos e América do Sul”, disse ele.

Em caso de incêndio e nos primeiros sinais de fumaça, as abelhas tomam muito mel e protegem a rainha.

“Esta espécie (abelha europeia) não abandona a sua colmeia. (…) O CO2 (dióxido de carbono) as entorpece”, explicou Géant, que espera voltar a ver as abelhas “na próxima semana”.

Cada colmeia produz, em média, 25 quilos de mel a cada ano que são vendidos ao pessoal de Notre-Dame.

Tornou-se comum a instalação de colmeias na capital francesa em diversos e inesperados lugares, como na Ópera de Paris.

AFP

ONU destaca extinção de espécies em Dia Internacional da Terra


NASA/Divulgação

O mundo está enfrentando a maior taxa de extinção desde que se perdeu os dinossauros há mais de 60 milhões de anos.

O alerta é da Rede Dia da Terra, que organiza o Dia Internacional da Terra. Este ano, a data marcada esta segunda-feira, 22 de abril, tem por tema “Proteja nossas espécies”.

Ação climática

No Twitter, o secretário-geral da ONU compartilhou um vídeo alertando para os efeitos da mudança climática. António Guterres pediu que no Dia Internacional da Terra, como em todos os outros dias, as pessoas tomem ações contra a mudança climática.

O chefe da ONU organiza para 23 de setembro desse ano, em Nova Iorque, a Cimeira de Ação Climática, que irá reunir líderes mundiais para discutir as melhores formas de combater as mudanças climáticas.

Esta segunda-feira, a Assembleia Geral também organiza um evento para marcar o dia. Além da presidente da Assembleia Geral, María Fernanda Espinosa, discursam representantes do Bangladesh, Bolívia, Equador, Estados Unidos e Índia.

Espécies

Em nota, a Rede Dia da Terra diz que escolheu o tema desse ano porque “a oferta da natureza para o planeta são os milhões de espécies que se conhecem e muitas outras que ainda precisam de ser descobertas.”

Apesar disso, “os seres humanos perturbaram irrevogavelmente o equilíbrio da natureza e, como resultado disso, o mundo enfrenta a maior taxa de extinção desde que se perderam os dinossauros há mais de 60 milhões de anos.”

Ao contrário do destino dos dinossauros, no entanto, a rápida extinção de espécies de hoje é resultado da atividade humana.

A organização afirma que “a destruição global sem precedentes e a rápida redução das populações de plantas e animais selvagens estão diretamente ligadas a causas impulsionadas pela atividade humana.”

Mosi estava em reabilitação desde que foi resgatado do tráfico de animais, após uma recuperação bem-sucedida teve alta alguns meses depois., by Tikki Hywood Foundation

Algumas dessas atividades são o desmatamento, perda de habitat, tráfico e caça furtiva, agricultura insustentável, poluição e pesticidas.

Segundo a nota, se ação não for imediata, “a extinção pode ser o legado mais duradouro da humanidade.”

Campanha

A boa notícia é que a taxa de extinção ainda pode ser reduzida. Muitas das espécies em perigo ainda podem ser recuperadas. Para isso, é preciso “construir um movimento global de consumidores, eleitores, educadores, líderes religiosos e cientistas para exigir ação imediata.”

A Rede Dia da Terra pede que as pessoas participem da campanha.

Os objetivos são educar sobre a taxa acelerada de extinção de milhões de espécies e suas causas, alcançar vitórias políticas, construção de um movimento global e, por fim, incentivar ações individuais, como adoção de uma dieta baseada em vegetais e a interrupção do uso de pesticidas e herbicidas.

História

O Dia Internacional da Terra é um evento global. Segundo a presidente da Rede Dia da Terra, Kathleen Rogers, “mais de 1 bilhão de pessoas em 192 países participam daquele que é o maior dia de ação com foco cívico no mundo.”

Rogers diz que este “é um dia de ação política e participação cívica.” As pessoas marcham, assinam petições, reúnem-se com seus representantes eleitos, plantam árvores, limpam cidades e estradas. Corporações e governos usam o dia “para fazer promessas e anunciar medidas de sustentabilidade.”

Em 2020, o dia celebra 50 anos. Em 22 de abril de 1970, milhões de pessoas foram para as ruas protestar contra os impactos negativos de 150 anos de desenvolvimento industrial.

Nos Estados Unidos e em todo o mundo, a poluição do ar estava se tornando mortal e havia cada vez mais provas de que a poluição levava a atrasos no desenvolvimento de crianças. A biodiversidade estava em declínio como resultado do uso de pesticidas e outros poluentes.

Segundo a organização, líderes religiosos, incluindo o papa Francisco, “ligam o Dia da Terra com a proteção das maiores criações de Deus, dos seres humanos, da biodiversidade e do planeta.”

Coral Reef Image Bank/Jayne Jenk / Uma tartaruga nada por um recife de coral nas Maldivas
ONU News

Às vésperas da Páscoa, ONU alerta para impacto ambiental da produção de cacau


Ovinhos de Páscoa. Foto: PEXELS (CC)/Tim Gouw

Conforme a Páscoa se aproxima, aumentam as encomendas em todo o mundo de coelhos de chocolate e ovos de Páscoa. Mas você já parou para pensar sobre qual é a origem desse chocolate e qual o seu impacto ambiental?

Existem em torno de 5 a 6 milhões de agricultores de cacau em todo o planeta e, de acordo com a Organização Internacional do Cacau, em torno de 70% do cacau do mundo é cultivado em pequenas propriedades. Quanto maior a demanda global por chocolate, maior ainda deve se tornar o número de fazendas.

Mas é difícil monitorar, gerir e trabalhar com os pequenos produtores porque eles são muito numerosos. O manejo ineficiente dos pés de cacau existentes leva à baixa produtividade e à derrubada de florestas para novas plantações de cacau. Isso, por sua vez, contribui para a destruição de ecossistemas, para a perda da biodiversidade, para a erosão do solo e para a sedimentação em córregos.

A Costa do Marfim é o maior produtor de cacau do mundo, com o maior contingente de pequenos produtores. No entanto, o desmatamento permanece uma grande ameaça aos ecossistemas, sendo responsável pela perda de 64% das florestas do país entre 1990 e 2015. Se essa tendência continuar, estima-se que a Costa do Marfim perderá toda a sua floresta tropical até 2030.

“O cacau é um fornecedor fundamental de meios de subsistência para milhões de pessoas no Oeste da África e a demanda por chocolate sempre será forte”, afirma James Lomax, oficial de programas para Sistemas Alimentares e Agricultura Sustentáveis da ONU Meio Ambiente.

Dana Mroueh mói cacau usando bicicletas. Foto: Mon Choco

Dana Mroueh mói cacau usando bicicletas. Foto: Mon Choco

“Portanto, é crítico que a indústria e o governo trabalhem juntos, de forma mais efetiva, para transformar o setor cacaueiro em um modelo sustentável e (exemplo de) agricultura livre de desmatamento. Ao mesmo tempo, empreendedores podem desempenhar um papel fantástico não apenas na oferta de chocolate de qualidade para que os marfinenses aproveitem, mas também na educação e na conscientização da atual situação na Costa do Marfim.”

Os chocolatiers locais estão cientes dos desafios na indústria e estão apoiando cada vez mais os pequenos agricultores locais a produzir sementes orgânicas de cacau. A agricultura orgânica é um sistema holístico, que promove uma melhor saúde e uma melhor gestão de todo o ecossistema.

Dana Mroueh é uma dessas empreendedoras. Aos 30 anos, a marfinense é a fundadora da empresa Mon Choco, criada com o intuito de encontrar meios ecológicos de produzir chocolate num país que está ameaçado por seus padrões insustentáveis de produção.

Mon Choco obtém seu suprimento de cacau de agricultores locais que são sustentáveis e que produzem cacau orgânico. Mroueh destaca que encontrar esses agricultores pode ser um desafio.

Mesmo assim, a marfinense é apaixonada não apenas por usar sementes de cacau orgânico, que a Mon Choco tritura usando bicicletas, como também por conseguir reduzir o consumo de energia. A empresa utiliza papel reciclado em suas embalagens e reusa a casca do cacau.

“Usar bicicletas para triturar o cacau nos permite reduzir o nosso impacto energético, fazer algum exercício e produzir chocolate. Não pode ficar melhor do que isso”, diz Mroueh.

Os funcionários da Mon Choco competem com frequência para ver quem consegue pedalar mais rápido e, assim, produzir mais chocolate. O vencedor tem uma foto sua pendurada na parede do escritório.

Mroueh criou seu negócio ecológico por muitas razões. “Embora a Costa do Marfim seja o maior produtor de cacau do mundo, a população local não sabe realmente qual o gosto do chocolate”, diz a marfinense.

De fato, o consumo de chocolate no país é um dos mais baixos no mundo todo, e as barras de chocolate são consideradas um produto de luxo, devido aos seus preços muito altos.

Produzir chocolate localmente representa uma forma de celebrar a beleza do país e da sua terra fértil. Também é um modo pelo qual Mroueh consegue honrar o seu avô. “Ele sempre sonhou em deixar os marfinenses provarem o chocolate do seu (próprio) país e esse negócio era originalmente ideia dele”, explica a empreendedora.

Empreendedora marfinense aposta em produção de chocolate a partir de cacau orgânico. Foto: Mon Choco

Empreendedora marfinense aposta em produção de chocolate a partir de cacau orgânico. Foto: Mon Choco

A Páscoa é um período incrivelmente agitado para a Mon Choco. Mroueh e sua equipe ficam ocupados pedalando para moer o chocolate e criar novos produtos. “Nos últimos três anos, preparamos produtos especiais para a Páscoa, como coelhos de chocolate e ovos”, conta a empresária.

“Esses (produtos) têm o valor agregado de serem ambientalmente ‘amigáveis’, o que faz da Páscoa uma experiência muito mais doce.”

Criar um empreendimento ecológico de chocolate não é fácil. Mroueh enfrentou diversas dificuldades em sua jornada.

“Nosso principal desafio é encontrar cacau orgânico local. Produzimos muito cacau na Costa do Marfim, mas a maioria é produzida usando pesticidas e outros químicos”, diz a dona da Mon Choco.

A expansão da produção de cacau no país permanece uma ameaça para faixas de floresta tropical e para a flora e a fauna endêmicas do país. “Precisamos educar os agricultores e conscientizar sobre o impacto da produção insustentável de cacau”, defende Mroueh.

A empreendedora está trabalhando para fazer justamente isso. Embora o seu suprimento de cacau orgânico seja atualmente selecionado e oriundo de agricultores locais, Mroueh sonha em expandir os negócios para criar empregos ao mesmo tempo em que ajuda a sua empresa a crescer de um modo “amigo do meio ambiente”.

Mon Choco também visa novos horizontes e outro sonho: “Exportar para a África e para a Europa, agora que estamos ficando um pouco famosos na Costa do Marfim”, conta Mroueh.

O Prêmio Jovens Campeões da Terra, promovido pela Covestro, reconhece e celebra jovens empreendedores que estão fazendo a diferença para o meio ambiente. Os vencedores de 2019 serão anunciados em setembro. Inscrições abrem novamente em janeiro de 2020.

ONU News

Cientistas detectam imenso branqueamento de corais no sudeste brasileiro


Mussismilia hispida, conhecida como coral-cérebro. (Thomás Banha/ ECO)

Os corais são como árvores e os recifes que formam como florestas tropicais nos mares. As estruturas de carbonato de cálcio que produzem criam uma grande variedade de habitats para inúmeros outras espécies de animais, entre as quais uma enorme quantidade de peixes. Nada menos que 25% da biodiversidade marinha estão associadas aos recifes. Por isso, é muito preocupante um fenômeno que vem ocorrendo cada vez com mais frequência nessas estruturas em todos os oceanos: o branqueamento de corais. Entre as principais causa disso está o aquecimento global, que eleva a temperatura dos oceanos.

No Brasil, pesquisadores das universidades de São Paulo (USP), Estadual Paulista (Unesp) e Federal da Paraíba (UFPB) detectaram, em fevereiro deste ano, o mais intenso evento de branqueamento de corais já registrado no Atlântico Sul. Ele foi observado na região de Ubatuba, no litoral norte de São Paulo. O mesmo fenômeno, mas com menor gravidade, também foi percebido nas águas do entorno do arquipélago de Alcatrazes, localizado a 35 quilômetros de São Sebastião, na mesma região.

O mais preocupante é que a espécie atingida, a Mussismilia hispida, conhecida como coral-cérebro, endêmica do Brasil, é uma das mais resistentes que se conhece. Mesmo assim, 80% das colônias da região estudada branquearam e 2% morreram. “Pode parecer pouco, mas, para aquele local, não é”, diz o oceanógrafo Miguel Mies, do Laboratório de Ecologia e Evolução de Mar Profundo (LAMP), do Instituto Oceanográfico da USP (IO), um dos coordenadores do estudo, “No ano que vem deve ser maior, especialmente se as colônias tiverem dificuldades na recuperação.”

Segundo Mies, o branqueamento dos corais ocorreu por causa do aquecimento anormal das águas do Atlântico, no sudeste brasileiro. “A temperatura média normal delas é em torno de 27ºC”, explica. “Mas durante cerca de um mês no início deste ano, entre meados de janeiros e meados de fevereiro, ela ficou acima da média, chegando em alguns dias a 31-32ºC. É esta longa exposição dos corais a temperaturas acima da média que leva ao branqueamento deles.”

Em Alcatrazes, o problema foi menor. Apenas cerca de 30% das colônias branquearam, a maioria na faixa dos seis metros de profundidade. “Até o momento temos duas hipóteses principais para esses resultados”, diz bióloga Katia Capel, do Centro de Biologia Marinha da USP (CEBIMar-USP), que estudou o fenômeno no arquipélago. “A primeira, é a presença de termoclina (variação brusca de temperatura em uma determinada profundidade), mais constante em Alcatrazes, que atuou como um ‘amortecedor’ da temperatura, protegendo os corais do branqueamento. “A segunda é que, devido aos esforços para sua preservação, este arquipélago possui um ambiente mais ecologicamente equilibrado, o que, naturalmente, deve aumentar a sua resistência e resiliência a mudanças de clima que estamos presenciando.”

Embora o fenômeno seja denominado “branqueamento”, este termo, na verdade, não define com precisão o que ocorre com os corais. A primeira vista, a palavra dá a entender que eles ficam brancos ou adquirem essa cor. O que acontece de fato, no entanto, é que, nesse caso, os corais ficam com seus esqueletos expostos, que são brancos naturalmente e recobertos por uma camada de tecido translúcido. A cor deles é dada por microalgas fotossintetizantes, chamadas zooxantelas.

Katia explica que grande parte dos corais de água rasa vivem em associação simbiótica com essas microalgas. Por meio da fotossíntese, elas produzem grande parte da energia necessária aos seus hospedeiros “Esta associação auxilia na nutrição deles, pois as zooxantelas endosimbiontes, em troca de ‘abrigo’ e subprodutos do metabolismo do coral, podem chegar a suprir grande parte das carências energéticas do animal”, diz.

Marcelo Soares, da Universidade Federal do Ceará (UFC), que estuda o fenômeno na costa do Nordeste, explica que as zooxantelas fornecem alimento para o coral, funcionando como pequenas fábricas de produção de comida, que usam a luz do sol, carbono e nutrientes. “Essas microalgas também fornecem a coloração dos corais”, acrescenta. “Quando elas saem do coral, eles perdem uma fonte importante de nutrição e também sua cor.”

Diversas situações de estresse podem fazer com que essa relação simbiótica seja quebrada, sendo o branqueamento o resultado mais visível da expulsão das microalgas. Entre elas, está o aumento da temperatura da água. “Quando as zooxantelas são expostas ao estresse térmico, elas produzem espécies reativas de oxigênio, que são nocivas aos corais”, explica Mies. “Por conta disso, eles as expulsam de seus tecidos, deixando seu esqueleto branco exposto. Como essa relação simbiótica é essencial para os animais, muitas vezes o branqueamento leva à morte.”

De acordo com Katia, apesar de ser uma resposta específica para cada espécie de coral e seus respectivos simbiontes, devido a pouca capacidade deles em suprir suas carências energéticas sem o auxílio das microalgas por períodos prolongados, dependendo do tempo em que a anomalia térmica permanece, os corais morrem por inanição ou doenças relacionadas a ela. Mas, se o período for curto, eles conseguem se recuperar.

O problema é que essas anomalias estão cada vez mais frequentes e durando mais tempo, aumentando o número de casos de branqueamento em massa. “No Brasil existe pouca documentação, mas dezenas de eventos já foram documentados”, conta Mies. “No mundo, são incontáveis. No mínimo muitas centenas. O mais grave é que estamos vivenciando eventos globais, nos quais a maioria dos recifes do mundo inteiro branqueia ao mesmo tempo. O primeiro foi em 1998, o segundo em 2009, o terceiro em 2014 e estamos entrando no quarto.”

Para Soares, o branqueamento é um problema grave, que responde por parte dos danos ambientais dos recifes. “Em todo o mundo, passando pela Austrália (grande barreira de corais), Caribe, África e Brasil, os recifes tem a cada ano experimentado temperaturas altas nos mares”, explica. “Isto cria um estresse após outro, o que dificulta que as colônias possam se recuperar. Em 15 a 20 anos, se o controle das emissões de carbono não for feito, perderemos cerca de 80% deles. Fora o aquecimento global, temos pesca excessiva, plásticos, poluição e o turismo descontrolado que também os estão degradando.”

Mies, por sua vez, alerta para os prejuízos que advêm da morte dos corais. “O desaparecimento deles significa perda de habitats e, consequentemente, de biodiversidade”, alerta. “Além do disso, recifes são economicamente importantes, pois produzem alimento para países costeiros, particularmente para aqueles de porte pequeno, que não possuem gado. Eles também são atrações turísticas, muito relevantes para o PIB de muitas nações dependente dessa atividade; fonte de compostos para indústria farmacêutica; e importantes para a aquariofilia. Perdê-los significa prejudicar esses países e atividades econômicas, além, é claro, da biodiversidade do planeta.”

ECO

Bispos prepararam visita às comunidades afetadas por projetos de agronegócio e mineração


Relatório do Greenpeace mostra que 58% dos municípios do Matopiba, tida como região modelo do agronegócio, continuam pobres e são ainda mais desiguais do que a média de seus estados (© Marizilda Cruppe / Greenpeace)

Os bispos que fazem parte do regional Nordeste 4 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) se uniram para percorrer 7 rotas da chamada Matopiba, região formada pelas fronteiras dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, que responde por grande parte da produção brasileira de grãos e fibras.

Considerada a grande fronteira agrícola nacional da atualidade, a Matopiba compreende o bioma Cerrado e abrange uma área de cerca de 73 milhões de hectares em 337 municípios, segundo levantamento feito pelo Grupo de Inteligência Estratégica (GITE) da Embrapa. Nessas áreas vivem cerca de 25 milhões de pessoas entre indígenas, quilombolas, agricultores familiares e as populações que mantêm um modo de vida tradicional.

Apesar de gerar desenvolvimento em algumas cidades, o crescimento do agronegócio e a disputa de terras na região tem gerado uma série de problemas, em especial, a falta de políticas públicas. No sul do Piauí, por exemplo, onde se encontram as dioceses de Bom Jesus do Gurguéia e São Raimundo Nonato, a população sofre com a escassez de serviços básicos mesmo com melhora do desenvolvimento e um aquecimento da economia local, como explica o bispo de Bom Jesus, dom Marcos Antônio Tavoni, que é secretário do regional Nordeste 4 da CNBB.

“Falta um bom hospital Regional e um referencial para as causas urgências. A UTI (Unidade de Terapia Intensiva) mais próxima está a 380 Km de Bom Jesus do Gurguéia. Faltam boas estradas, boas escolas públicas, bibliotecas públicas, esporte e lazeres sadios e muitas outras estruturas que clamam por dignidade”, destaca.

Para dom Marcos, o agronegócio tem gerado divisas, impostos e empregos, mas trouxe consigo consequências negativas que poderiam ser amenizadas e trazer muito mais contrapartidas na área social.

“Os grandes projetos de plantações implicaram e implicam, também, em grandes preocupações: desmatamentos, pouca reserva verde ou do cerrado original, a monocultura que suga o solo, o uso indiscriminado dos agrotóxicos, o represamento das águas, a exploração exagerada do lençol freático etc. Isso tudo tem consequências, faz com que os rios diminuam em vasão ou sequem, e com escoamento das chuvas as águas tanto dos rios, quanto as do subsolo, se contaminem”, ressalta.

Outra grande preocupação da Igreja na região é com a juventude que está ociosa e ou aqueles que deixam suas casas e vão para Brasília ou para o sul do país atrás de emprego e estudos. “É triste ver famílias que se apartam e mães que choram os seus filhos, como no caso de uma mãe, em Sebastião Barros (PI), que, vindo ao meu encontro, em lágrimas, me dizia ‘Dom Marcos reza por mim, eu não vou aguentar, meu filho, foi para Brasília, foi para trabalhar e voltou dentro de um caixão. Bispo, reza, reza por mim’, lembra.

Segundo dom Marcos Tavoni, a posse da terra também é uma questão muito confusa e problemática que precisa ser resolvida. “Existem terras vendidas e revendidas e poucas são devidamente escrituradas, convivemos com a chamada grilagem. O campo foi abandonado e as nossas pequenas cidades ganharam periferias de pobreza e miséria, não como consequência do agronegócio”, enfatiza.

CNBB

Em vídeo, Bolsonaro critica ação do Ibama na Flona do Jamari


Em pouco mais de 100 dias no poder, o presidente empenha-se em uma agenda anti-ambiental que acarretará ainda mais desmatamento, mais violência no campo e poderá afetar também a economia do país. (Ibama)

Neste final de semana começou a circular nas redes sociais um vídeo do presidente Jair Bolsonaro criticando e desautorizando a ação realizada pelo Ibama, órgão do Ministério do Meio Ambiente, contra a extração ilegal de madeira dentro da Flona (Floresta Nacional) do Jamari, em Rondônia.

Vale lembrar que a Flona do Jamari é uma Unidade de Conservação e, portanto, a extração de madeira na área é uma atividade criminosa. “Desautorizar uma ação do Ibama que tem como objetivo combater a ilegalidade é fortalecer o crime ambiental organizado que destrói a floresta e ceifa vidas”, afirma Rômulo Batista, da campanha Amazônia do Greenpeace.

Conforme publicado pelo jornal Folha de São Paulo, desde a semana passada servidores do Ibama queimaram tratores e caminhões utilizados na atividade criminosa dentro da Flona do Jamari. A destruição de equipamentos apreendidos em fiscalização ambiental é permitida por lei e, de acordo com informações do Ibama, só é praticada em cerca de 2% dos casos, especialmente naqueles em que o material está em uma área protegida de difícil acesso ou que a sua retirada implica em risco para os agentes ou para o meio ambiente.

No vídeo, Bolsonaro, ao lado do senador Marcos Rogério (DEM-RO), afirma: “Ele [ministro Ricardo Salles] já mandou abrir um processo administrativo para a apurar o responsável disso aí. Não é pra queimar nada, maquinário, trator, seja o que for, não é esse procedimento, não é essa a nossa orientação”. Após a declaração do presidente, Salles anunciou que vai criar uma instrução normativa com novas regras para a destruição de máquinas e veículos pesados em operações de fiscalização ambiental.

“É dever do Estado proteger a Amazônia e todos os seus povos. Unidades de conservação e Terras Indígenas são da União, ou seja, de todos os brasileiros. Em vez de se preocupar em preservar o patrimônio de quem comete crime ambiental, o novo governo deveria estar trabalhando para fortalecer medidas de combate ao desmatamento, à grilagem e à violência no campo – ou seja, ações como a que o Ibama estava realizando em Rondônia”, avalia Rômulo.

A mais nova ofensiva do governo Bolsonaro ao trabalho desenvolvido pelo Ibama para combater o crime veio a público logo após ele anunciar, na semana passada, novos decretos que, entre outras medidas, afrouxam multas ambientais e reduzem a participação da sociedade civil em políticas públicas importantes para o país e no controle do governo. É o caso, por exemplo, da criação de um Núcleo de Conciliação Ambiental, que terá o poder de postergar indefinidamente ou até mesmo anular as multas aplicadas pelo Ibama.

Em pouco mais de 100 dias no poder, o presidente empenha-se em uma agenda anti-ambiental que acarretará ainda mais desmatamento, mais violência no campo e poderá afetar também a economia do país.

Greenpeace, 15-04-2019