José Mirabal: indígenas da Amazônia devem ser protagonistas de seu futuro


José Gregorio Mirabal, coordenador-geral da Coordenadoria das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (Coica) (AFP)

José Gregorio Mirabal, coordenador-geral da Coordenadoria das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (Coica), que reúne organizações indígenas dos nove países da região amazônica, insiste em que as populações indígenas devem ser “protagonistas” de um futuro desenvolvimento que respeite a natureza.

O ex-líder do povo indígena kurripaco da Venezuela respondeu a perguntas da reportagem à margem do sínodo de bispos dedicado à Amazônia (de 6 a 27 de outubro) que é realizado no Vaticano e no qual participa como “convidado especial”, já que não foi batizado.

Está preocupado com o futuro da Amazônia?

“Neste sínodo estamos ouvindo propostas da ciência, da Igreja, de especialistas, do mundo cultural. Muitas propostas têm a ver com nossa ciência, nossa forma de vida”.

“Nós acreditamos que uma nova economia é possível só se a floresta amazônica for salva. Se a Amazônia continuar sendo destruída não é possível uma nova economia. E também não é possível sem nós, que estamos lá há milhares de anos. Que conhecemos os segredos da Mãe Terra. Tem que ser uma aliança, uma nova parceria”.

“Um processo onde nós sejamos também protagonistas da proposta de ‘floresta em pé’, que pode gerar muito mais benefícios que destruí-la”.

É possível salvar a Amazônia? Vocês são acusados de frear seu desenvolvimento. Qual é sua opinião?

“Na prática, nós lutamos há muitos anos para defender nosso território. O sínodo entendeu isso, Greta, uma criança, entendeu, e o papa também. Nós queremos que a humanidade entenda de uma vez que não podemos viver sem oxigênio e água potável. As comodidades desse desenvolvimento na Europa são boas, mas são nocivas, destrutivas para a vida”.

“Não é que queiramos mudar este desenvolvimento por um primitivo. Não, não. Queremos uma harmonia. Neste momento não há harmonia. O sínodo está colocando isso, que haja harmonia na Terra. Além dessas portas, da Igreja, do discurso religioso, o papa está colocando a salvação do mundo, do planeta. E ali nós entramos. Sentimo-nos parte desse processo de mudança que a humanidade necessita. Nossa sabedoria, nossa experiência estão dentro do sínodo”.

Os bispos são favoráveis a ordenar padres indígenas casados. É importante para vocês?

“São vozes dentro da Igreja, escutamos o debate e o respeitamos. Escutamos também mulheres que falam com o coração. Há nossos irmãos indígenas, que foram evangelizados, que fazem parte da Igreja, que querem que seu trabalho tenha um nível mais alto, que sejam levados em conta dentro da Casa de Pedro. Acredito que isso é válido. Mas nós somos espectadores nesse debate”.

AFP

Natureza tem patamar de sujeito de direitos


É importante mencionar a questão dos recursos naturais no ordenamento jurídico equatoriano, pois pela nova Constituição apresenta-se pela 1ª vez na América uma virada do biocentrismo. (Divulgação)

Sébastien Kiwonghi Bizawu* e Lorena Belo**

É importante resgatar a história dos povos indígenas, mesmo que seja de uma maneira sucinta, para conhecer melhor o seu modo de vida, a relevância de suas relações com a natureza e de sua organização em comunidade. Procura-se, nesse texto, destacar alguns aspectos fundamentais da vida dos povos indígenas ou comunidades tradicionais do Equador.

Quanto a sua organização geopolítica, de acordo com a sua Constituição de 2008, o Equador é um Estado constitucional de direitos e justiça, social, democrático, soberano, independente, unitário, intercultural, plurinacional e laico. É organizado como República e governado de forma descentralizada. A soberania reside no povo, cuja vontade é o fundamento da autoridade e é exercida através dos órgãos do poder público e das formas de participação direta previstas na Constituição.

É importante destacar que a Constituição da República do Equador de 2008 também trouxe inovações no que diz respeito ao reconhecimento da natureza como a razão de ser do povo e do Estado. Tal prestígio pode ser percebido no preâmbulo do texto constitucional, em que a natureza é intitulada Pacha Mama, tendo em vista a decisão de “construir uma nova forma de convivência cidadã, na diversidade e em harmonia com a natureza, para alcançar o bem viver”

É necessário apontar, também, que a questão das terras indígenas, na América Latina, está intrinsecamente ligada à história da colonização, que trouxe indizível sofrimento aos povos tradicionais e comunidades indígenas pela usurpação das riquezas de suas terras, pelos horrores inimagináveis a que foram submetidos.

No caso do Equador, ocorre uma verdadeira simbiose, um binômio ser humano e natureza, quando se trata dos povos indígenas, pois eles fazem parte da natureza e cuidam dela, sendo povos, “depositários de conhecimentos tradicionais sobre as características e o uso da rica diversidade biológica”.

Não há como olvidar os problemas ambientais da Amazônia ao falar do Equador, pois não são apenas problemas dos Estados-membros da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), mas de interesse mundial, uma vez que as riquezas naturais e diversidade social e cultural da região pan-amazônica têm chamado a atenção e despertado a cobiça de muitas nações e empresas multinacionais. Para cada país da OTCA, a abordagem da região amazônica se faz segundo os critérios ecológico (ou biogeográfico), hidrográfico e político-administrativo, destacando-se os direitos da natureza contidos na Constituição da Equador (2008), partindo dos recursos naturais (hídricos, minerais e biológicos) e das áreas ambientalmente protegidas, com ênfase no patrimônio cultural natural, nas terras indígenas e no meio ambiente.

Assim, observa-se a preocupação do governo equatoriano, considerando a característica da multiculturalidade oriunda de suas populações, para elevar a natureza ao patamar de sujeito de direitos. Todavia, salienta-se da falta de soluções efetivas para vários problemas da região, por exemplo, no âmbito da saúde para os povos indígenas com alto índice de mortalidade infantil; a falta de compartilhamento dos avanços tecnológicos, científicos ou educacionais entre alguns Estados-membros; e a promoção do desenvolvimento sustentável e do crescimento econômico.

Quanto à legislação constitucional e infraconstitucional do Equador, um dos Estados-membros da América do Sul que constituem a Pan-Amazônia, faz-se o levantamento dos  direitos socioambientais que envolvem a região, tendo em vista a importância da proteção e conservação do meio ambiente com base nos objetivos traçados pelo Tratado de Cooperação Amazônica (TCA), celebrado pelo Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela, e pela OTCA.

A preocupação com a preservação e conservação do meio ambiente desde a declaração de Estocolmo (1972) tornou-se uma bandeira global; e não pode ser diferente, quando se trata do cumprimento dos acordos entre os Estados-partes do Tratado de Cooperação Amazônica (TCA). Em uma época em que se procura despertar a consciência ecológica mundial sobre a necessidade de preservar os recursos naturais e minimizar os riscos do aquecimento global, torna-se imperativo estudar uma série de questões sobre o Equador, relativas à demarcação e à preservação das terras indígenas e reservas de preservação ambiental; às legislações referentes à economia extrativista; à exploração dos recursos biológicos e genéticos; à proteção das águas e à proteção da fauna e flora, especialmente das espécies animais e vegetais ameaçadas.

O Equador, cuja capital é a cidade de Quito, é denominado oficialmente República do Equador. Os espanhóis foram responsáveis pela colonização do país e também “pela dizimação de boa parte da população indígena, seja pelo contágio de doenças, seja pelo extermínio deliberado pelos colonizadores. Trata-se, na realidade, de uma violência baseada no preconceito, uma vez que os indígenas eram vistos como seres inferiores e os espanhóis supervalorizavam a cultura europeia, dando-se o direito de desprezar as crenças dos outros povos.

É importante mencionar a questão dos recursos naturais no ordenamento jurídico equatoriano, pois pela nova Constituição apresenta-se pela primeira vez na América Latina uma virada calcada no biocentrismo. São introduzidos os conceitos de direitos da natureza e direito à sua restauração. Uma nova articulação é gerada com os saberes tradicionais tanto com a natureza como com a Pacha Mama, e oferece ainda um contexto para as políticas e a gestão ambiental baseado na boa vida (sumak kawsay) e em novas estratégias de desenvolvimento, como bem sublinha Gudynas (2009), consoante a Constituição de 2008, a qual estipula que “os recursos naturais não renováveis do território do Estado pertencem a seu patrimônio inalienável, irrenunciável e imprescritível”.

Percebe-se, no entanto, uma preocupação do povo equatoriano não só em restaurar os recursos naturais propriamente ditos, mas também em eliminar ou reduzir as consequências ambientais dos danos causados pela exploração deles. Nesse sentido, pode-se afirmar que essa preocupação com a restauração e reparação de danos à natureza também é uma das maneiras de reconhecimento da Pacha Mama como sujeito de direitos. Conforme o artigo 313 da Constituição do Equador, os recursos naturais são considerados setores estratégicos para o país e, como tais, devem ser administrados, regulados, controlados e geridos pelo Estado.

O artigo 12 da Constituição já consagra a água como um direito fundamental e irrenunciável. Além disso, dispõe que “a água constitui patrimônio nacional estratégico de uso público, inalienável, imprescritível, inembargável e essencial para a vida”. Com relação à exploração dos recursos minerais, o Equador conta com uma lei específica sobre mineração, intitulada Ley de Minería, de 2009. Tal legislação regulamenta o exercício dos direitos soberanos do Estado do Equador para administrar e gerir o setor estratégico da mineração, com a observância dos princípios da sustentabilidade, precaução, prevenção e eficiência.

A lei, a seu turno, estabelece alguns dispositivos sobre a preservação do meio ambiente, tendo em vista os danos que a atividade mineradora pode gerar. Para promover tal preservação, o artigo 78 impõe a obrigação de se efetuarem e apresentarem estudos de impacto ambiental e auditorias ambientais antes do início das atividades de exploração dos recursos minerais.

***Este texto é o quarto da série de nove artigos sobre jurisdição ambiental dos países que compõem a Pan-Amazônia. A versão integral do livro Pan-Amazônia: O ordenamento jurídico na perspectiva das questões socioambientais e da proteção ambiental está disponível gratuitamente no site da Editora Dom Helder. Leia nesta segunda (21) texto de Márcio Luís de Oliveira e Franclim Jorge Sobral de Brito sobre a Guiana.

Leia também:

*Sébastien Kiwonghi Bizawu é mestre e doutor em Direito Internacional pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas). Professor de Direito Internacional na Dom Helder Escola de Direito e pró-reitor do Programa de Pós-Graduação em Direito. Membro do Núcleo Docente Estruturante (NDE) e membro do Grupo de Pesquisa Estratégica sobre a Pan-Amazônia da Dom Helder Escola de Direito.

**Lorena Belo é especialista em Direito Público, graduada em Direito pela Dom Helder Escola de Direito e membro do CEBID-Dom Helder.

São os indígenas do Brasil ‘privilegiados’?


“E dia após dia a tensão não opõe os empresários ou os grandes proprietários e os indígenas, mas o pequeno branco e índio. Quando o conflito explode, trata-se na maioria das vezes de um novo episódio da guerra de pobres contra os mais pobres que eles. Em suma, uma tragédia, que muitas vezes leva a mortes violentas”. A análise é de Paulo Paranaguá e publicada em seu blog no jornal Le Monde, 11-02-2014. A tradução é de André Langer.

 
Fonte: http://bit.ly/1lKzpAY  

Eis o artigo.

São os indígenas brasileiros cidadãos como os outros? É a identidade indígena assimilável à nacionalidade brasileira? Atenção, uma questão simples que pode levar a outra, mais complexa.

O debate sobre o estatuto dos indígenas está de volta entre os brasileiros por ocasião de um drama sintomático das tensões e conflitos que dilaceram a Amazônia.

Ivan Tenharim (foto), cacique da comunidade Tenharim, foi morto quando andava de moto, no diz 03 de dezembro de 2013. Acidente? Por falta de uma investigação digna deste nome, o caso não foi elucidado. Algumas semanas mais tarde, três moradores brancos da região, situada ao sul do Estado do Amazonas, foram sequestrados e em seguida assassinados.

A reação foi imediata: no dia 25 de dezembro, em Humaitá, 3.000 manifestantes, furiosos, destruíram a sede regional da Funai, organismo do governo responsável pelos povos indígenas. Grupos armados atacaram aldeias Tenharim. Alguns dias mais tarde, a polícia prendeu cinco índios, suspeitos do triplo homicídio, incluindo dois filhos do falecido chefe Tenharim.

Negação da identidade

Os críticos da demarcação das terras indígenas estão furiosos. Na sua opinião, o simples fato de os índios andarem de moto, usarem internet ou telefones celulares, são provas suficientes para afirmar que não são mais indígenas, e que, portanto, perderam os direitos reconhecidos na Constituição de 1988. Daí a ideia de que sejam tratados como cidadãos sem “privilégios”. Eles teriam, isso sim, direito às mesmas ajudas reservadas aos pobres, tais como o Bolsa Família, ou então os créditos reservados aos pequenos agricultores. Entretanto, uma comunidade indígena é definida por sua pertença a uma cultura e seu pertencimento a um território, direitos que não revogados pelo uso de objetos tecnológicos.

Esta negação das identidades indígenas esconde os interesses dos criadores de gado e do agronegócio ansiosos para ampliar ainda mais a fronteira agrícola em detrimento da floresta tropical, para não mencionar a exploração da madeira, assim como as mineradoras que trabalham sem parar. Quase todas as populações indígenas estão em contato com a civilização branca. As tribos isoladas são a exceção. E é justamente esta interação que os coloca em perigo e, na verdade, são as minorias que devem ser protegidas.

A Amazônia há muito tempo não é mais um território virgem. Ela abriga 25 milhões de habitantes, 500.000 dos quais são indígenas. É um confronto diário, necessariamente desigual. E dia após dia a tensão não opõe os empresários ou os grandes proprietários e os indígenas, mas o pequeno branco e índio. Quando o conflito explode, trata-se na maioria das vezes de um novo episódio da guerra de pobres contra os mais pobres que eles. Em suma, uma tragédia, que muitas vezes leva a mortes violentas. O Brasil tem 50.000 homicídios por ano, e não devemos esquecer, estamos longe da imagem idílica de um paraíso racial pacífico e de uma propensão a uma conciliação entre as classes sociais.

O racismo em relação aos indígenas nunca diminuiu, apesar das conquistas da Constituição. No Brasil, existem mais de 300 etnias, que falam 274 idiomas diferentes, totalizando 900.000 indivíduos (sobre uma população de 200 milhões de habitantes). Segundo o recenseamento de 2010, os Tenharim tinham 883 indivíduos. Durante a ditadura militar (1964-1985), suas terras foram cortadas pela Transamazônica, que liga Porto Velho a Manaus. Desde então, os conflitos entre indígenas e colonizadores se intensificaram, especialmente por causa da extração ilegal de madeira.

Demarcações em ponto morto

Das cerca de mil terras indígenas, apenas metade viu suas terras demarcadas, após anos de trabalho. As reservas indígenas ocupam 12,5% do território do país, ao passo que 380.000 indígenas ainda aguardam pela demarcação das suas terras. Para complicar o cenário, o Ministério da Justiça apresentou um projeto de lei que prevê a consulta a nove ministérios para novos processos de demarcação.

No Congresso, em Brasília, onde age a poderosa bancada ruralista, um projeto de emenda constitucional (a PEC 215) vai ainda mais longe, pois pretende tirar do executivo esta responsabilidade. A vontade de esvaziar a Funai é evidente. “A Funai vive uma ficção ideológica”, afirmou a senadora Kátia Abreu, presidente da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária, eleita pelo PMDB, principal aliado do PT da presidenta Dilma Rousseff, na coalizão governamental.

O presidente do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Erwin Kräutler, bispo de Xingu, asseverou: “Esse governo não é apenas negligente, ele é anti-indígena”.

(EcoDebate, 17/02/2014) publicado pela IHU On-line, parceira estratégica do EcoDebate na socialização da informação.

[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]